Decididamente, o Brasil é um país que não gosta de planejamento. Em compensação, dedica largo tempo a tratar, burocraticamente, questões de importância fundamental para o desenvolvimento. É o que se vê, ao longo dos últimos anos, em relação à renovação antecipada da concessão da Ferrovia Centro Atlântica (FCA), tornada um pesadelo para a economia baiana (fca-x-bahia).
Desde a concessão, em 1996, a FCA negligenciou a malha baiana da antiga SR-7 da Rede Ferroviária Federal, também conhecida como Leste Brasileira, cujas cargas não faziam parte do portfólio de interesse do seu controlador, cujo foco estava centrado em minérios, sem que isto fosse uma política explícita. Por exemplo, a Ford, que teve fábrica na Bahia, nunca conseguiu utilizar a ferrovia como meio de transporte para os seus insumos e produtos, na rota Camaçari-São Paulo e vice-versa. O Polo Petroquímico, idem. Com o passar dos anos, a malha baiana foi se deteriorando, a ponto de se degradar por completo.
Agora, para renovar a sua concessão, a FCA formalizou que não lhe interessa permanecer com a vasta malha baiana (2.375km), a única que faz a ligação da Região Metropolitana de Salvador, do Polo Industrial de Camaçari – incluído o complexo petroquímico – e da Baía de Todos os Santos – o maior porto natural do país – com a região Sudeste, o centro econômico nacional. Enquanto isto, a Bahia vai perdendo mais uma década sem desenvolvimento, e ninguém é culpado…
Parece hoje pouco provável que a renovação antecipada da FCA venha a ocorrer, embora haja grande interesse por parte da empresa. É que resta agora pouco tempo para o vencimento da concessão (agosto de 2026), o Ministério dos Transportes vem questionando os valores das outras renovações da VLI (controladora da FCA) e há conflito de interesses entre o governo e a própria Vale (controladora da VLI).
Cumprindo determinação legal, o Ministério dos Transportes até já deu início aos estudos para um novo processo de concessão. É natural que venha a considerar a fragmentação da enorme malha de mais de sete mil quilômetros atualmente com a FCA. Ocorre que um novo processo de concessão só será concluído em, no mínimo, cinco anos, para, só então, terem início as obras de reabilitação.
Formalmente, e em qualquer hipótese, a FCA tem a obrigação de continuar a “administrar” a ferrovia até o vencimento de sua concessão e, então, pagar à União uma indenização pelos trechos devolvidos, em valor correspondente ao restabelecimento das condições operacionais em que a recebeu, o que também já não corresponde às necessidades do território atendido, dadas as novas condições tecnológicas e econômicas. Assim, não há dinheiro que possa ressarcir o dano causado. Que, então, pelo menos se estanque, de imediato, a sangria que afeta a economia baiana, com reflexos de âmbito nacional.
No meio desse imbróglio todo, é preciso salvar a Bahia. Para o Estado – e, por extensão, o Nordeste brasileiro – é imprescindível que o divórcio com a FCA se dê imediatamente, sem esperar a renovação antecipada e, muito menos, o vencimento da concessão. Isto só prolonga a crise da economia baiana, tão grave que já fez a Bahia perder a sexta posição no ranking do PIB dos estados!
É indispensável, inadiável e urgente, desvincular a malha tradicional baiana do processo da FCA, seja na renovação antecipada, seja numa nova concessão. A melhor solução, neste caso, é a União receber, de imediato, a devolução que a empresa propõe.
Já foi feito isto antes, aqui mesmo na malha baiana, com os trechos Esplanada-Propriá (SE) – que a interligava com o Nordeste – e Senhor do Bonfim-Juazeiro – que atendia ao Polo de Irrigação (fruticultura) do Submédio São Francisco – em relação aos quais a União vem recebendo a correspondente indenização. Ora, se foi possível recebê-los antes, não deve haver óbices a que o mesmo procedimento volte a ocorrer agora. A não ser que a burocracia continue a ser mais importante que o desenvolvimento!
Para o Nordeste, a reabilitação da Linha Sul – Salvador-Corinto (MG) – constitui uma prioridade estratégica e primeiro passo para refazer a ligação com o Centro-Sul do país, restabelecendo a articulação inter-regional.
Por outro lado, mantido o regime de concessão, é pouco provável que venha a ser arrematada, dada a situação de duopólio existente nas operações do sistema ferroviário nacional.
Recebida a devolução da malha, o caminho mais apropriado parece ser o do regime de autorização, prioritariamente para a Linha Sul, contando com os recursos da indenização devida e de parcela significativa da nova outorga, para atrair novos entrantes nesse mercado. É que, mesmo a malha baiana precisará ser fragmentada, para que possa atrair interessados.
Somente então será possível restabelecer a ligação ferroviária do Sudeste com o Nordeste, mediante a progressiva reconstrução, agora em bitola larga, da conexão de São Paulo e Minas Gerais até Pernambuco, servindo também aos estados de Sergipe e Alagoas. A reabilitação da malha baiana constitui a pedra de toque para o desenvolvimento regional e a integração nacional.
O país não pode esperar pela burocracia para desatar este nó, cujo custo social e econômico é incomensurável.
Autor: Waldeck Ornélas – especialista em planejamento urbano-regional. Autor de Cidades e Municípios: gestão e planejamento.
Texto extraído do Bahia econômica, 22/02/2024