Valor Econômico – O pacote de concessões de metrôs e trens urbanos em São Paulo é visto com interesse pelo mercado, porém, a percepção é que o desafio para tirar os projetos do papel é grande, segundo analistas ouvidos pelo Valor. Entre os entraves para a atração dos investidores estão riscos de engenharia elevados, limitações fiscais para a oferta de garantias das PPPs (Parcerias Público-Privadas), além da concorrência com outros leilões de infraestrutura previstos para os próximos anos.
O governo paulista já licitou uma primeira PPP do pacote em fevereiro deste ano, o Trem Intercidades (TIC) entre a capital e Campinas. O leilão atraiu apenas um interessado – o consórcio formado pela Comporte e pela chinesa CRRC. O contrato foi assinado na terça-feira (29).
No pacote do governo, há ao menos outros 13 projetos em estudo, com potencial de investimento de R$ 130 bilhões. A iniciativa mais madura é a PPP das linhas 11-Coral, 12-Safira e 13-Jade, que deverá ter edital lançado em setembro e leilão realizado no quarto trimestre. A projeção é de R$ 10 bilhões de investimentos.
Outras três PPPs poderão sair em 2025, segundo o cronograma do governo. Uma delas é do TIC Oeste, uma nova linha de 100 km que deverá conectar a capital a Sorocaba em 60 minutos. O investimento projetado é de R$ 10 bilhões. O segundo projeto programado é um lote com as Linhas 10-Turquesa, já existente, e 14-Ônix, a ser construída. O investimento é estimado em R$ 18 bilhões.
Há ainda a PPP para construir as Linhas 19-Celeste e 20-Rosa do Metrô. Os estudos ainda avaliam a viabilidade da megaobra, que deverá demandar R$ 45 bilhões. Para isso, o governo avalia formar um lote com linhas já existentes – estão em estudo a 1-Azul, a 2-Verde, a 3-Vermelha e a 15-Prata.
Para analistas, há expectativa de que novos investidores surjam, porém, o mercado é desafiador. “Mobilidade sobre trilhos é um setor complexo, especialmente quando há novas linhas. Os contratos têm investimento alto, além de riscos geológicos, de desapropriação, de interferência em outras estruturas”, diz Bruno Aurélio, sócio do Demarest.
Como os contratos de mobilidade são em geral PPPs, ou seja, concessões que demandam aporte público, a questão fiscal e da estruturação de garantias do pagamento também demandam atenção, aponta Guilherme Quintella, presidente da EDLP (Estação da Luz Participações), que em 2012 fez estudos para diversos projetos de trens intercidades ao governo paulista. “É preciso haver segurança fiscal. Isso é o maior desafio, os projetos vão depender desse caixa para avançar ou não.”
Além disso, trata-se de um pacote de longo prazo, o que traz um risco de continuidade, observa David Wong, diretor da A&M (Alvarez & Marsal). “As ideias e cronogramas fazem sentido. A questão é atrair investidores e garantir que as mudanças de governo não vão causar efeito negativo, como é comum em projetos de infraestrutura”, diz. Para ele, outra dificuldade para viabilizar os empreendimentos é garantir integração multimodal com outras estruturas de mobilidade necessárias à viabilidade das rotas.
Hoje uma preocupação do governo e do mercado é ampliar a gama de investidores no setor, que é menos desenvolvido do que outros segmentos, como rodovias. “Há poucos grupos especializados na operação das linhas, com experiência para garantir que o plano de negócios será entregue”, avalia José Virgílio Lopes Enei, que coordena a área de infraestrutura do escritório Machado Meyer.
Porém, a percepção de todos os analistas é que, apesar dos diversos desafios, há hoje uma série de novos interessados estudando o setor, em grande medida, por conta do pacote do governo paulista. “Um projeto isolado tem dificuldade de atrair novos entrantes, porque para participar de um leilão o investidor mobiliza dezenas de milhões de reais. Mas se há um programa, isso já traz um outro estímulo para o investidor, porque se ele perde uma licitação, tem outras oportunidades, ele não joga fora o aprendizado”, diz Enei.
Hoje, além dos grupos que já operam no setor – principalmente CCR, Acciona e o consórcio da Comporte e CRRC -, analistas afirmam que poderão entrar no mercado grupos estrangeiros, fundos de investimento e até mesmo operadores de rodovias que já atuam no Brasil.
Rafael Benini, secretário de Parcerias em Investimentos do Estado de São Paulo, afirma que o governo tem visto interesse do mercado pelos projetos. “As pessoas estão fazendo visita técnica, acessando o ‘data room’ para ver informações”, afirmou.
Segundo ele, uma mudança relevante deverá ampliar a concorrência: um incentivo tributário à subcontratação. Dessa forma, o grupo vencedor do leilão poderá subcontratar, por exemplo, uma outra empresa para operar a linha, o empreiteiro da obra e o fornecedor de material rodante. Hoje, essa subcontratação é possível, mas sofre com bitributação, algo que o governo deverá compensar no curto prazo. “Com a reforma tributária, isso vai se resolver no futuro. Agora, vamos reembolsar o cara pela bitributação até 2028”, explica.
Na avaliação de Renato Kloss, sócio do VAK Advogados, o incentivo à diversificação do perfil de interessados é importante para ampliar a concorrência. “É preciso trabalhar o perfil do licitante, que não precisa ser operador. Quem vencer contrata depois. Se mudar isso, abre oportunidade para outros interessados, como fundos de investimentos”, diz.
Fonte: Valor Econômico, 04/06/2024