Você foi contra o TAV em 2008?

*Sérgio Avelleda

Recentemente, tive que ir ao Rio de Janeiro para atender uma importante reunião de um projeto que acabamos de começar naquela linda cidade. Para me deslocar até lá, fiz o óbvio: cotei uma passagem aérea. Ao mesmo tempo, estava cotando uma passagem para a Europa, para uma outra viagem a trabalho.

Eu fiquei abismado com o resultado: para ir de São Paulo ao Rio de Janeiro, percorrer míseros 400 km, em um voo de menos de uma hora, me pediram a quantia de R$ 3.050,00. Ida e volta, exatos R$ 6.100,00. Para Roma, percorrendo 9.500 km, a tarifa era de R$ 2.800,00. Talvez fosse mais barato ir ao Rio de Janeiro, de avião, via Roma.

Recusei-me a pagar esse absurdo e decidi ir de ônibus, leito cama, que, com todo conforto, me leva de São Paulo ao Rio em, aproximadamente, seis horas de viagem. Como tinha um compromisso pessoal em Campinas, decidi comprar Campinas, Rio de Janeiro, São Paulo, gastando a bagatela de R$ 488,00.

Passagem marcada, me dirigi à rodoviária de Campinas, de onde o ônibus partiria às 23h59 de um sábado. Feliz porque iria passar o domingo no Rio de Janeiro, o quê, convenhamos, é uma das melhores coisas a se fazer na vida.

Passava da meia noite e vinte, sem sinal do ônibus, decidi perguntar ao atendente o que estava acontecendo. O moço vira para mim e diz: “Vixe! Esse ônibus vem de longe! Talvez chegue aqui lá por duas da manhã!” Em nenhum lugar, antes de comprar a passagem, fui alertado que era um ônibus que vinha de tão longe. Me senti enganado. Sem muitas alternativas, decidi esperar o tal carro que vinha de longe. Às 3h30 da madrugada o ônibus estacionou na gare da Rodoviária de Campinas. Cadeiras não higienizadas e sem fornecimento de travesseiro e cobertor. O ônibus não estava limpo. Desisti de embarcar.

Voltei para São Paulo de ônibus e vim para casa onde adormeci, depois de uma noite em claro. Às 10h despertei e comprei uma nova passagem de ônibus, leito cama, para às 13h. Ao menos chegaria para jantar com amigos na cidade maravilhosa.

A viagem transcorria tranquila e confortável, até a região de Volta Redonda, quando o ônibus foi tragado para um monstro engarrafamento que nos deteve por mais de três horas. Ao fim, cheguei ao Rio de Janeiro quase 24 horas depois da minha primeira tentativa de empreender a viagem. Não tive domingo no Rio e nem jantar com amigos!

Esse caos de conexão entre as duas maiores cidades do Brasil escancara o drama decorrente da ausência de uma conexão ferroviária entre elas.

Me lembro dos primeiros anos deste século, quando o Governo Federal anunciou uma conexão ferroviária de alta velocidade, ligando Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro, com paradas intermediárias. À época, muitos perfilaram contra o projeto, alegando, entre outras razões, a megalomania de um trem de alta velocidade em um país com tantas carências.

Ignoramos que a conexão ferroviária entre São Paulo e Rio de Janeiro teria um impacto imenso no desenvolvimento econômico e social dos dois maiores centros urbanos do país e, também, de outras áreas lindeiras e beneficiadas pelo projeto.

Gosto muito do conceito de Cidades Diamantes. É a ideia de que cidades, ao invés de seguirem crescendo indefinidamente, se conectam a outras cidades para potencializar o uso dos seus recursos, ampliar seus horizontes, criando alianças que dinamizam os seus próprios desenvolvimentos.

No caso de São Paulo e Rio, caso estivéssemos conectados de forma confiável, acessível e com um tempo de viagem inferior a três horas, poderíamos criar uma sinergia com imenso potencial econômico, social e urbanístico, cada cidade se valendo do potencial da outra. Tanto as duas capitais como todas as demais cidades lindeiras. Poderíamos facilmente redesenhar áreas urbanas para desenvolvimento de novas centralidades. Seria fácil morar em São José dos Campos e trabalhar em São Paulo ou no Rio de Janeiro.

Além disso, esse projeto poderia contribuir para a retomada do desenvolvimento da cidade do Rio de Janeiro, contribuindo para que a cidade mais bonita do mundo voltasse a ter pujança econômica, incrementando o turismo, a segurança e o desenvolvimento urbano.

Quando nos apequenamos e descartamos projetos que podem parecer gigantescos, renunciamos ao crescimento econômico e às oportunidades de desenvolvimento e diminuição das desigualdades. Se Juscelino e Getúlio tivessem ouvido os arautos do pessimismo, ainda seríamos um país agrícola e acanhado. Quando Getúlio anunciou a construção da primeira siderúrgica ao sul do Equador, ouviu que o projeto jamais seria viável. Segundo os detratores, era impossível fundir o ferro nas bandas austrais.

Recentemente, um grupo de corajosos empreendedores obteve autorização do Governo Federal para a retomada do projeto da conexão ferroviária entre Rio e São Paulo. Deveríamos, como sociedade, estar unidos para que o projeto se viabilize. Os prefeitos do Rio, São Paulo e de todas as cidades lindeiras, os respectivos Governadores, o Governo Federal, associações empresariais e a sociedade civil deveriam se unir para uma grande aliança em torno deste projeto. É uma oportunidade única de alavanca para a conexão e sinergia entre duas das maiores metrópoles do continente.

Sérgio Avelleda – sócio-fundador da Urucuia: Mobilidade Urbana e coordenador do Núcleo de Mobilidade Urbana do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper

 

https://revistaferroviaria.com.br/2024/04/voce-foi-contra-o-tav-em-2008/

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