ANTT quer definir concessões das ferrovias

Folha de S. Paulo – A ANTT (Agência Nacional de Transportes) começou a consolidar o novo marco regulatório das ferrovias, tanto das concessões atuais quanto de futuros trechos que serão repassados à iniciativa privada, incluindo transporte de cargas e de passageiros.

Trata-se de um conjunto consolidado e padronizado de regras infralegais, ou seja, medidas que não dependem da publicação de uma nova lei ou de tramitação no Congresso. O plano da ANTT é usar uma lei de 2021 (Lei das Ferrovias) para definir como é que as concessões passarão a ser reguladas daqui para a frente.

Na prática, o novo marco pretende atualizar normas sobre contratos de concessão e autorizações de operação ferroviária que, hoje, estão envolvidas por uma colcha de retalhos de resoluções e regras individuais, além de cláusulas contratuais antigas.

A leitura é que a maior parte da regulação ferroviária está hoje “dentro dos contratos” de concessão, com regras pulverizadas entre aqueles que foram iniciados nos anos 1990, além de resoluções esparsas da ANTT. Isso torna cada contrato uma “ilha regulatória”, com alto custo para fiscalização e gestão.

 

 

Foto: Adriano Vizoni / Folhapress

O novo sistema normativo foi estruturado em cinco eixos e vai começar a entrar em vigor de forma progressiva, ainda neste ano, para ser concluído em 2026. O primeiro tema que será abordado vai estabelecer parâmetros padronizados para os contratos, com regras claras sobre temas como limites de faixa de domínio da ferrovia, compromissos mínimos de operação, obrigações de manutenção e investimentos.

O segundo eixo vai se concentrar nos direitos dos usuários. Isso vai incluir uma lista de obrigações das operadoras e critérios objetivos para avaliação da qualidade do serviço prestado.

Os dois primeiros eixos estão em fase de discussão interna na ANTT, com meta de serem aprovados ainda neste ano. As etapas seguintes incluem a elaboração de minutas, apresentação em consulta pública, análise jurídica e, por fim, aprovação interna. O que se busca, na prática, é mais previsibilidade, equilíbrio regulatório e segurança jurídica entre empresas e o órgão regulador.

Em 2026, o cronograma prevê a consolidação de regras atreladas à gestão de bens, obras e operações ferroviárias; processos de equilíbrio econômico-financeiro dos contratos; e normas sobre a fiscalização e reversibilidade dos bens para a União, incluindo casos de intervenções graduais, como advertência, termos de ajuste, intervenção e extinção de acordos.

Dentro da ANTT, as discussões sobre o novo marco, chamado de “Regulamento Geral das Condições de Transporte Ferroviário”, não se limitam a integrar regras que já existem, mas também em revisar e ampliar esses dispositivos regulatórios.

“O modelo atualmente adotado pela ANTT para fiscalização contratual exige a consulta e interpretação de múltiplas fontes —contrato, resoluções específicas, pareceres— o que torna o processo custoso, lento e sujeito a erros”, afirma a agência reguladora. “A mudança de modelo permitirá à agência exercer um papel regulador mais eficiente, com menor custo transacional e maior capacidade de resposta frente aos riscos reais do contrato.”

A criação do marco regulatório infralegal é aguardada pelas empresas do setor. À Folha o diretor-presidente da ANTF (Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários), Davi Barreto, disse que a entidade não só apoia a iniciativa, como tem expectativa positiva em relação à revisão regulatória.

“Há muito espaço para aperfeiçoar a regulação atual, tornando-a mais flexível e, ao mesmo tempo, mais eficiente. Isso visando estimular a oferta de mais incentivos para construção e exploração de ferrovias, que resultará no necessário aumento da participação ferroviária na matriz de transporte e logística do país”, disse Barreto.

Na avaliação da ANTF, é preciso reduzir o “fardo regulatório”, trazendo mais segurança jurídica a investimentos em infraestrutura sobre trilhos. “Que os temas mais relevantes e caros ao nosso setor sejam extensamente debatidos, sempre com muita transparência e tecnicidade. É fundamental ouvir os diferentes interessados para que se faça a construção de um novo modelo de arcabouço normativo cada vez mais sólido, moderno e adequado a todas as partes envolvidas”, afirmou.

Atualmente, o Brasil possui 14 concessões ferroviárias em operação, as quais passam por um processo de renovação contratual, repactuação, devolução de trechos ou declaração de caducidade. Há, ainda, projetos de autorização de novas ferrovias em andamento ou em fase de estudos.

PRINCIPAIS TEMAS E MUDANÇAS PREVISTAS

Base da regulação
Como é hoje: dispersa entre contratos e resoluções
Como deve ficar: norma unificada com força regulatória

Concessões X autorizações
Como é hoje: tratamento separado
Como deve ficar: núcleo comum de regras gerais

Equilíbrio financeiro
Como é hoje: disperso e sem parâmetros claros
Como deve ficar: regras explícitas e parametrizadas

Gestão de ativos e obras
Como é hoje: regras difusas e manuais avulsos
Como deve ficar: consolidação normativa e mais clareza

Fiscalização e sanções
Como é hoje: modelo reativo e de alta complexidade
Como deve ficar: modelo responsivo, gradual, baseado no posicionamento do regulado

Encerramento de contratos
Como é hoje: pouco normatizado
Como deve ficar: procedimentos objetivos e estruturados

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br, 19/04/2025

Rolar para cima