O Globo – Atualmente, são transportados em média 300 mil passageiros por dia — o mesmo número de quase três décadas atrás
A SuperVia assumiu o transporte ferroviário de passageiros na Região Metropolitana do Rio em novembro de 1998. Após quase 27 anos, a concessionária deve entregar o serviço ao governo estadual até o fim de setembro, como foi definido no acordo judicial assinado entre as partes em dezembro de 2024. E vai devolvê-lo mais lento: o usuário hoje gasta mais tempo dentro das composições do que na época em que a empresa venceu a licitação. Em alguns casos, a diferença, para pior, chega a ser de 28 minutos, levando em conta apenas os horários de pico. Não é só. Além de rodar com trens das décadas de 50 e 60 do século passado em trechos não eletrificados, a concessionária não conseguiu atingir a meta de dois milhões de usuários transportados diariamente em cinco anos — estabelecida por Marcello Alencar, que governou o estado entre 1995 e 1999.
Atualmente, são transportados em média 300 mil passageiros por dia — o mesmo número de quase três décadas atrás. O tempo de viagem praticado em 1998 consta nos anexos do contrato de concessão. Segundo o documento, o percurso da Estação Pedro II (Central do Brasil) até Santa Cruz era feito em 75 minutos. Hoje, o mesmo trajeto dura 98 minutos. No ramal Belford Roxo, a distância entre o município da Baixada e a Central era vencida em 53 minutos, contra os 64 da grade atual. Fechada, a antiga Estação Barão de Mauá, na Leopoldina, era ponto de partida do ramal Gramacho, que, em 37 minutos, avançava por trilho até a estação de mesmo nome. A viagem agora sai da Central do Brasil e dura 59 minutos. Quem recorre às composições do ramal Japeri perde ainda mais tempo: no fim da década de 90, o trem fazia o percurso até a Central em 75 minutos, contra os atuais 103. A menor diferença ficou com Deodoro, que passou de 40 minutos para 50.
Superlotação é problema diário nos trens da Supervia — Foto: Domingos Peixoto
— Ando de trem há mais de 30 anos. Antigamente era ruim, não tinha ar-condicionado nem nada. Mas o tempo de viagem parecia mesmo ser menor — lembra a cuidadora Celeste Dorneles, de 58, usuária do ramal Japeri.
Valmir de Lemos, presidente do Sindicato dos Maquinistas, observa que o maior tempo de viagem nos trens vem da obrigatoriedade de redução da velocidade, que, por sua vez, se deve ao estado da via permanente — termo técnico para definir instalações e equipamentos que permitem a passagem do trem.
— Há problemas na via permanente e de sinalização. Os trilhos não estão em bom estado, e há dormentes de madeira apodrecidos. Os trens têm de circular entre 40 e 50 quilômetros por hora para que acidentes não ocorram — diz ele.
Opinião parecida tem o engenheiro ferroviário Hélio Suevo Rodriguez, vice-presidente e diretor da Associação de Engenheiros Ferroviários:
— Os trilhos de modo geral necessitam de substituições em trechos localizados. Agora, a situação mais crítica se refere à substituição de dormentes. Com restrições e dormentes podres, ocorre uma diminuição da velocidade operacional. Não só pela via permanente, mas também pela decadência do sistema de sinais e do furto de cabos. Tem certos trechos em que a velocidade operacional dos trens é de 40 quilômetros por hora. Antes, dependendo do trecho, chegava a 60km/h ou até 70km/h.
Problemas no caminho
A reportagem do GLOBO viajou por três semanas nas composições da SuperVia, entre os últimos dias 6 e 25, por cinco ramais e três extensões. Além do descontentamento dos passageiros, flagrou trens superlotados nos horários de pico, aglomeração nas estações para esperar a abertura das portas, na tentativa de encontrar um lugar para viajar sentado, e defeitos apresentados durante as viagens.
Um deles aconteceu quase no fim do trajeto de uma composição que fazia a ligação entre Central do Brasil e Belford Roxo, na noite do dia 6. Pouco após sair da estação Coelho da Rocha, o trem parou a cerca de 600 metros de distância da última estação do trecho. Quando as portas abriram, os passageiros desceram e caminharam pelos trilhos para completar a viagem.
Outro sufoco foi no início da manhã do dia 17 de junho. Na décima estação do trajeto, em Anchieta, a composição, que estava lotada, apresentou pane em uma das portas dos vagões logo na partida, que seguiu aberta até duas estações depois, em Deodoro. Lá, um funcionário fez a manutenção necessária.
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Números da Agência Reguladora de Transportes Públicos do Rio de Janeiro (Agetransp) revelam uma rotina de atrasos sobre trilhos. Em 2024, 4.990 viagens foram canceladas ou interrompidas por motivos não justificados em todos os ramais e extensões. Em média, significa que foram registradas 13 ocorrências por dia no ano passado.
Uma das heranças que a SuperVia deixará será um cemitério ferroviário, onde 79 composições repousam enfileiradas num pátio entre o muro da estação de Japeri, na Baixada Fluminense, e uma passarela. Um relatório feito pelo Departamento Técnico de Patrimônio da Companhia Estadual de Transporte e Logística, empresa pública que substituiu a Companhia Fluminense de Trens Urbanos (Flumitrens), considerou-as inservíveis ou não operacionais. O maquinário teve peças retiradas, como cabos de alta e baixa tensão, tubulações do sistema de freio, componentes elétricos e portas.
As composições são das séries 500, 700 e 900, fabricadas entre os anos 70 e 80. Para os moradores, a presença dos trens parados virou sinônimo de perigo. Uma rápida olhada para o interior dos vagões, em sua maioria sem portas, sugere que o movimento por lá é maior durante a noite — e, no mínimo, suspeito. No interior de uma composição havia restos de utensílios usados no consumo de crack. Do lado externo de outra, a frase “viva a maconha” foi pichada com tinta preta.
— Durante a noite isso aqui fica perigoso. Tem muito assalto — confirma uma moradora.
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Em um pátio próximo da estação Deodoro, 113 vagões de composições antigas, que transportavam passageiros pela extinta Flumitrens, aguardam algum destino. Foram penhorados numa ação judicial de 1997, anterior à gestão da SuperVia, originada por um pedido de indenização de uma mulher que caiu do trem. Procurada, a Central Logística informou que os 79 trens de Japeri serão retirados da lista de bens da SuperVia, e leiloados. Já no caso dos vagões um acordo foi feito para que sejam leiloados e vendidos como sucata. O dinheiro arrecadado vai servir para quitar parte do pagamento da indenização à vítima.
Agora, o governo estuda como será a escolha da empresa que vai administrar o sistema de trens e o modelo de gestão.
Fonte: O Globo, 29/06/2025
Por: Marcos Nunes