O imbróglio do cartão de transporte público Jaé

O Globo – A instalação de validadores do Jaé em estações do metrô está em andamento. Mas, até que isso acontecesse, foram meses de silêncio e ofícios ignorados — num deles, Maína Celidonio, titular da Secretaria municipal de Transportes (SMTR), alegou haver uma “resistência infundada” —, até que o Governo do Estado tivesse que intervir. A Secretaria estadual de Transporte e Mobilidade (Setram), por sua vez, não viu impedimentos para a adoção do novo sistema de bilhetagem no metrô, o que abriu caminho para um acordo entre estado, município, Jaé e Metrô Rio. Um estudo encomendado pela pasta estadual ainda reconheceu que poderia haver queda do número de passageiros, além de um eventual aumento de tarifa, se o Jaé não fosse aceito no metrô. É o que mostram documentos obtidos pelo GLOBO.

Anunciado em julho de 2023, o sistema Jaé teve ao menos quatro adiamentos até a transição total ocorrer, conforme está marcado para acontecer no próximo sábado (dia 2). Desde o início deste mês, beneficiários de gratuidade que usam os modais municipais do Rio — ônibus, BRTs, VLTs, vans e cabritinhos — foram obrigados a migrar do Riocard para o Jaé. Nesta próxima etapa, marcada para este fim de semana, o Jaé passará a ser o único bilhete aceito nesses transportes. A exceção será para beneficiários do Bilhete Único Intermunicipal (BUI) e da Tarifa Social, que seguirão usando o Riocard.

Um dos entraves para essa transição era justamente a integração de passageiros com o metrô. Atualmente, o modal estadual tem integração tarifária com o BRT — nas estações Vicente de Carvalho e Jardim Oceânico — e as vans da Rocinha e do Vidigal. Desde o fim do serviço de Metrô na Superfície, as linhas de ônibus 538, 539, 548, 583 e 584 também passaram a ter integração tarifária com o metrô. Todos esses transportes municipais, a partir de sábado, só aceitarão o Jaé. De acordo com o MetrôRio, “foi necessário o desenvolvimento de uma solução de integração entre o sistema estadual e municipal de bilhetagem para evitar qualquer perda de benefícios aos passageiros” e que, por isso, “aguardava as orientações do Governo do Estado”.

Foto: Conrado Portella/Prefeitura do Rio

12 de novembro: Maína diz que Jaé no metrô foi ‘condição fundamental’ em acordo para substituir Metrô na Superfície

Um dos ofícios de Maína Celidonio endereçados a Guilherme Ramalho, presidente do MetrôRio, em 12 de novembro do ano passado, já exigia a implementação de ao menos um validador do Jaé em cada estação do metrô até o fim de 2024, número que seria ampliado no ano seguinte. De acordo com a secretária municipal na ocasião, “a inclusão dos validadores do Jaé no metrô era condição fundamental do acordo de integração” com as linhas que substituíram o Metrô na Superfície. Caso não fosse cumprido, ressaltou Maína, o acordo poderia ser revogado.

9 de dezembro: ‘preocupação’ da SMTR, sem resposta

Em 9 de dezembro, em novo ofício, a secretária reiterou o envio anterior, alegando que não havia recebido resposta, além de pedir evidências que comprovassem a instalação dos validadores nas estações, ressaltando a “preocupação” com a aproximação da data de transição do sistema de bilhetagem na capital, que, até então, ocorreria em 1º de fevereiro de 2025 (o que acabou adiado).

11 e 17 de junho: alerta de descontinuidade na integração e ‘obstáculos’ do metrô

Já no último dia 11 de junho, a secretária municipal de Transportes voltou a endereçar um documento ao presidente do MetrôRio, alegando que estava, até aquele momento, “sem resposta formal” por parte da concessionária sobre a instalação de máquinas do Jaé nas estações.

“Dessa forma, cumpre alertar para a iminência da descontinuidade da política de integração entre os modais” até 2 de agosto “caso os validadores não estejam integralmente operacionais até a data prevista”, ressaltou Maína Celidonio, titular da SMTR, que enviou mais um ofício seis dias depois, elevando o tom. No novo documento, a secretária alegou que o MetrôRio apresentava “obstáculos” para a instalação dos validadores, sem “razões técnicas e jurídicas que justifiquem tal recusa”.

16 de julho: pedido de apoio ao Governo do Estado para tratar do assunto ‘urgente’

Dois dias antes da assinatura do acordo que permitiu, enfim, a instalação dos validadores nas estações, a secretária municipal se dirigiu, então, à recém-empossada secretária estadual de Transporte e Mobilidade (Setram), Priscila Sakalem, solicitando “apoio ao Governo do Estado para intervir junto ao MetrôRio” para que o Jaé fosse aceito no metrô, alegando que não havia retorno por parte da concessionária e que esse era um assunto “urgente” para a “manutenção da integração tarifária”.

18 de julho: Estado diz que não vê impedimentos e faz acordo com prefeitura

Em 18 de julho, Priscila Sakalem enviou uma carta ao presidente do MetrôRio afirmando que o tema foi “objeto de análise pela área técnica” da Setram e que a pasta “não vislumbra óbices quanto à implantação dos validadores”. Ainda no documento, foi informado que havia uma tratativa para a assinatura de um Termo de Cooperação Técnica: ainda naquela data, um acordo foi firmado entre Jaé, Estado, município e o metrô.

Em nota enviada nesta terça-feira, o MetrôRio informa que mais da metade dos validadores — que começaram a ser instalados no último dia 21 — já foram implementados e que, a partir de sábado, “todas as 41 estações passam a aceitar o cartão Jaé para pagamento da tarifa metroviária”. A concessionária ressalta que todos os meios de pagamento atualmente aceitos seguirão valendo: Giro, Riocard, pagamento por aproximação (cartões de crédito e débito com NFC) e QR Code.

22 de julho: sem Jaé, preço da tarifa do metrô poderia ser aumentado, avaliou órgão da Agetransp

Apesar do acordo firmado, possíveis impactos dessa implementação foram ainda analisados pela Agência Reguladora de Serviços Públicos Concedidos de Transportes do Estado (Agetransp). Em documento assinado por Sandra de Mattos Dias Valle, gerente da Câmara de Política Econômica e Tarifária da agência, no último dia 22, foi destacado que a implementação do Jaé “associada à falta de interoperabilidade com o sistema de bilhetagem estadual” poderia gerar “aumento do custo de deslocamento” de mais de 40% para os passageiros, que teriam que pagar “tarifas cheias”.

“Isto poderá provocar a troca do modal Metrô para outros modais que utilizem o sistema de bilhetagem eletrônica Jaé – e ocasionar, com isso, a redução de passageiros”, destacou a gerente, que lembrou ainda do 10º Termo Aditivo de contrato — que permitiu a retomada das obras da estação Gávea, paralisadas desde 2015, e a unificação da operação de todas as linhas do metrô, além de extensão do contrato até 2048 — assinado em abril, que levou em conta “uma projeção de demanda que considerava as integrações ora em foco”. Na prática, se o metrô não aceitasse o pagamento com o Jaé, poderia haver “perda de passageiros, decorrente da falta de integração tarifária”, “desequilíbrio contratual” e possíveis impactos, “como aumento do preço da passagem do metrô” e redução de investimentos, conforme ressaltado no documento da Câmara de Política Econômica e Tarifária da Agestransp.

23 de julho: metrô devia realizar esforços para implementar Jaé, analisa Setram, pelo risco de queda de passageiros

Por fim, em 23 de julho, um despacho da Subsecretaria Executiva da Setram — assinado pelos assessores Fernando Silva Azevedo e Anderson Costa Reis — explicou que a instalação do Jaé tem “potencial de aumentar a impedância para usuários do sistema de transportes” fluminense, definindo o termo como a “resistência ou dificuldade” para as pessoas se deslocarem, que tem como um dos fatores o “custo monetário da(s) tarifa(s)”.

Sem integração tarifária, usuários teriam tarifas menores nos meios municipais — que podem usar até três modais cariocas por R$ 4,70, no total —, enquanto um deslocamento entre Campo Grande e a Urca, por exemplo, custaria R$ 20,20, detalhou o documento.

“Portanto, mesmo os deslocamentos pelo Jaé levando mais tempo, a não instalação nos modos de Transporte de alta capacidade do Estado pode promover fuga de demanda do transporte metroviário, aquaviário e ferroviário, o que agravaria ainda mais o atual cenário de baixa demanda”, destacou o despacho, citando ainda os sistemas de trem e barcas, que, até o momento, não aceitam Jaé. Conforme O GLOBO noticiou nesta terça-feira, o prefeito Eduardo Paes afirmou que “a conversa melhorou muito” com o Estado para que o sistema de bilhetagem municipal também seja aceito nos trens e nas barcas, o que, de acordo com a Setram, “está em tratativa”.

O despacho ressaltou ainda que o MetrôRio devia “realizar todos os esforços” para a implementação do Jaé. Entre os argumentos, foi destacado que uma possível diminuição da demanda poderia onerar o Estado, enquanto “qualquer iniciativa que tenha o potencial de promover o impacto positivo na demanda, incrementando-a, pode gerar possibilidades de ganhos” ao Governo do Rio, poder concedente.

Cronologia para instalação do Jaé no metrô

  • 12 de novembro de 2024: Maína Celidonio lembra o presidente do MetrôRio que instalação do Jaé nas estações “era condição fundamental” para que linhas de ônibus substituíssem Metrô na Superfície – e que acordo poderia ser revogado caso sistema não fosse implementado no modal estadual;
  • 9 de dezembro de 2024: Secretária municipal de Transportes fala em “preocupação” com transição e alega falta de resposta do metrô em novo ofício a Guilherme Ramalho;
  • 11 de junho de 2025: SMTR afirma que ainda estava “sem resposta formal” do metrô e alerta concessionária para risco de “descontinuidade da política de integração” com ônibus municipais;
  • 17 de junho de 2025: em novo ofício ao MetrôRio, Maína cita “obstáculos” do metrô “sem razões técnicas e jurídicas que justifiquem tal recusa”;
  • 16 de julho de 2025: SMTR pede “apoio ao Governo do Estado para intervir junto ao MetrôRio”, para que Jaé fosse aceito em estações;
  • 18 de julho de 2025: após apelo da prefeitura, secretária estadual de Transporte e Mobilidade diz ao metrô que “não vislumbra óbices quanto à implantação dos validadores” nas estações. Na data, é assinado acordo entre Jaé, Estado, município e metrô, para instalação dos validadores;
  • 22 de julho de 2025: Câmara de Política Econômica e Tarifária da Agetransp analisa que falta de integração do Jaé poderia afastar passageiros, gerando aumento do valor da tarifa do metrô e desequilíbrio contratual, por exemplo;
  • 23 de julho de 2025: Subsecretaria Executiva da Setram pontua que a falta de integração com o Jaé poderia “promover fuga de demanda” e “agravaria ainda mais o cenário atual”. Como recomendação, foi destacado que o MetrôRio devia “realizar todos os esforços” para a implementação do Jaé.
  • 2 de agosto de 2025: Jaé passará a ser o único bilhete aceito nos modais municipais (ônibus, BRT, VLT, vans e cabritinhos). Nesta data, começam a funcionar os validadores do Jaé instalados nas estações do metrô.

Fonte: https://oglobo.globo.com, 30/07/2025

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