Folha de S. Paulo – A obra da estação Gávea passou quase uma década paralisada. Desde 2016, quando o Tribunal de Contas do Estado suspendeu pagamentos e obras por suspeita de superfaturamento, o canteiro virou sinônimo de risco e desperdício. Em 2017, para estabilizar o terreno e minimizar a chance de colapso, a cratera foi deliberadamente inundada com o equivalente a 24 piscinas olímpicas. Não era um capricho: o risco de desabamento poderia atingir 14 condomínios residenciais, o campus da PUC-Rio, o Planetário e até a ligação Lagoa–São Conrado/Barra. A solução hidráulica, porém, tinha prazo de validade — e o risco geotécnico aumentaria a partir do fim de 2026.
O erro estratégico foi claro: parar uma obra de metrô. Em experiências internacionais, quando há controvérsia técnica, financeira ou jurídica, o canteiro segue em frente enquanto os responsáveis resolvem os problemas em paralelo. Aqui, fez-se o oposto —e a conta social recaiu sobre o usuário, que ficou sem a expansão do sistema com um passivo e risco no coração da cidade.
No papel, o caso virou o maior imbróglio jurídico da infraestrutura brasileira. Eram mais de 400 processos, entre administrativos e judiciais: diversos processos administrativos no estado, mais de 40 no Tribunal de Contas, mais de 30 ações na Justiça, quatro ações de improbidade, diversas ações civis públicas, duas anulatórias propostas pelas construtoras contra o estado e 21 execuções fiscais contra as empreiteiras. Um labirinto contencioso que, por si só, inviabilizava qualquer retomada sustentável.
A virada começou em 2022. Após firmar acordo de leniência, a Odebrecht, que era uma das construtoras da obra, apresentou uma proposta para suprimir o risco de desabamento, sem, contudo, colocar a estação em operação. A Carioca Engenharia, outra empresa que participou da construção e tinha também feito acordo de leniência, foi chamada à mesa.
A Secretaria de Transportes, então sob a gestão André Nahass, ensaiou um memorando de entendimentos —insuficiente para abarcar o contencioso e envolver o Ministério Público. A solução madura veio com o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC): instrumento vinculante, executável e homologável em juízo, capaz de pacificar frentes administrativas e judiciais e fixar obrigações técnicas, prazos, garantias e governança.
O TAC, assinado em outubro do ano passado, só saiu porque houve coordenação e concessões recíprocas. Dentro do Estado, é preciso destacar o trabalho da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, com interfaces internas ao Governo e nos órgãos de controle, que viabilizaram a condução do processo. Do lado do Ministério Público, o promotor Décio Luiz Alonso Gomes adotou postura pró-consenso e renegociação. Do ladotécnico-operacional, o vice-presidente da Riotrilhos, Rafael Fernandes Lira, liderou ajustes que reduziram o orçamento sem sacrificar a segurança. Na esfera política, o secretário Washington Reis condicionou a assinatura à entrega efetiva de uma estação operacional para a população, o que exigiu um rearranjo do projeto originário, que, como mencionei, previa a estabilização da obra, sem operação da Estação.
A concessionária MetrôRio foi integrada às discussões, assumindo a maior parte do esforço financeiro: investimento de R$ 600 milhões, e, para remunerar esse aporte, o seu contrato de concessão, que envolvia as linhas 1 e 2, foi estendido até 2048. Além disso, incorporou-se ao contrato do MetrôRio a linha 4, o que resolve os problemas de integração da linha 4 com as linhas 1 e 2, que eram um nó histórico do sistema. A solução priorizou a conexão da Gávea ao Jardim Oceânico e abandonou a ligação Gávea–Leblon, cara demais —mais de R$ 1 bilhão— para um ganho estimado de apenas 11 mil passageiros por dia.
Duas lições ficam. A primeira: não se para obra de metrô —o custo para o usuário é enorme, qualquer que seja o problema. A segunda: imbróglios com dezenas ou centenas de ações e órgãos de controle só se resolvem por acordos multiconsensuais, com responsabilidades claras e fiscalização permanente.
Com as frentes de trabalho reiniciadas na semana retrasada, a expectativa oficial é inaugurar a estação Gávea em 2028. Não apaga o passado, mas atualiza o que realmente importa: segurança para o entorno, previsibilidade para a operação e expansão do metrô e a esperança –que nunca morre– de que o Rio aprenda com os próprios erros.