Pai do primeiro pacote de concessões em infraestrutura da presidente Dilma Rousseff e idealizador de uma estatal de transportes que nasceu poderosa, mas foi desidratada depois de sua saída, o economista Bernardo Figueiredo tem ressalvas ao plano recém¬lançado pela antiga chefe.
Para o ex¬presidente da Empresa de Planejamento e Logística (EPL), as ideias anunciadas na terça¬feira podem destravar as novas concessões de ferrovias que jamais foram adiante, mas correm o risco de não entregar o principal: uma redução dos custos logísticos. “E aí vem a pergunta: para que, afinal, estamos fazendo tudo isso?”, questiona Figueiredo, que deixou o governo no fim de 2013 e hoje atua como consultor de empresas privadas.
Sem aperfeiçoamento regulatório e garantia do direito de passagem de operadores ferroviários independentes, ele teme um reforço do poder das atuais concessionárias de trilhos, o que impediria a queda dos fretes cobrados para o transporte de cargas.
Assegurando que não carrega mágoas, Figueiredo também nota aperfeiçoamentos no novo programa de concessões. Um dos principais aspectos positivos, segundo ele, é a ausência de prazos detalhados para cada passo dos leilões ¬ lançamento dos editais, audiências públicas, aprovação dos estudos pelo Tribunal de Contas da União (TCU). “Agora, já que não existe mais um prazo irrealista na cabeça de todo mundo, é preciso mergulhar nos estudos.”
Figueiredo lamenta, no entanto, uma oportunidade desperdiçada: os projetos das ferrovias “não avançaram um milímetro” nos quase três anos decorridos entre os dois pacotes. “Por trás de toda obra superfaturada ou paralisada no Brasil, existe um projeto mal feito”, acrescenta o ex¬homem forte dos transportes.
De acordo com o especialista, houve um “falso debate” em torno das taxas de retorno para os investimentos. Para defender sua visão, ele lembra os lances dados pelos grupos que participaram dos leilões de rodovias. Antes da disputa, queixavam¬se das baixas taxas que constavam dos estudos oficiais. “Depois, nos leilões, nenhuma rodovia teve deságio inferior a 30%”, ressalta.
As ressalvas de Figueiredo ao novo programa se concentram no aparente abandono do modelo aberto de concessões de ferrovias. Naquele pacote, as novas ferrovias teriam toda sua capacidade de transporte comprada pela estatal Valec, que depois ofereceria o direito de passagem para quem quisesse passar. Essa proposta nunca foi bem aceita pela iniciativa privada e o governo parece ter enterrado a ideia.
“O modelo verticalizado cria facilidades, mas uma série de dificuldades junto”, diz Figueiredo, referindo¬se ao formato das privatizações feitas na década de 1990, por meio do qual as empresas operam a infraestrutura ferroviária e também oferecem os serviços de transporte das cargas. “É um modelo que não deu certo. Vamos carregá¬lo por mais 30 anos?”, afirma o especialista, referindo¬se aos investimentos de R$ 16 bilhões negociados com as atuais concessionárias na malha existente, em troca de extensão dos contratos vigentes.
Figueiredo critica a comparação feita por Robert Willig, contratado pelo Banco Mundial para analisar o modelo brasileiro de ferrovias, para quem o país deveria seguir os Estados Unidos e fugir do exemplo europeu, que separou donos de vias e operadoras.
“Nos EUA, há 360 ‘short lines’ [linhas de curta distância] em que os transportadores se assemelham aos operadores ferroviários independentes no Brasil. Recolhem a carga em pequenos ramais e circulam nos trilhos que cortam o país. Com um detalhe: o trem tem pelo menos quatro opções diferentes para chegar aos portos. Há verdadeiros corredores logísticos. Por isso, dizer que o modelo americano é ideal para o Brasil significa comparar realidades diferentes”, disse Figueiredo.
Na avaliação dele, há formas de evitar os problemas do modelo verticalizado, reforçando o direito de passagem de operadores independentes na malha existente e nas futuras concessões.
Fonte: Valor Econômico, 12/06/2015
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