O Brasil está iniciando um novo modelo para o financiamento das concessões de infraestrutura, após a falência do modelo que prevaleceu na última década. Este novo modelo – mais próximo do padrão internacional – requer ajustes em instrumentos contratuais, em políticas de crédito e de garantias, e na modelagem dos projetos pelo poder concedente para sua operacionalização.
As concessões de infraestrutura nos últimos anos tiveram forte dependência das linhas subsidiadas do BNDES (sobretudo em logística) e da CEF (saneamento e mobilidade urbana) para o financiamento de longo prazo. Não havia espaço para fundos de pensão, fundos de investimento, investidores internacionais e outros financiarem os recursos no longo prazo, pois ninguém conseguia bater os juros subsidiados destes bancos públicos. Os bancos comerciais participavam apenas concedendo empréstimos-ponte, por prazos de 12 a 18 meses, desde o início da concessão até a liberação do financiamento de longo prazo.
Nos dois últimos anos observou-se a falência deste modelo de financiamento, por três motivos. O primeiro, a crise fiscal impediu novos aportes de recursos do Tesouro nos bancos públicos. Em segundo lugar, os financiamentos de alguns projetos das últimas rodadas de concessões ainda enfrentam problemas de liberação junto ao BNDES, por frustração de demanda na concessão ou por restrições cadastrais a acionistas envolvidos na Lava-Jato. Em terceiro lugar, os bancos comerciais não se dispõem mais a conceder empréstimos-ponte, pois os últimos concedidos não estão tendo solução de continuidade, em virtude da não liberação do financiamento do BNDES.
Ciente da nova realidade, o Conselho do PPI (Programa de Parcerias de Investimentos) reuniu-se em setembro de 2016, definindo uma nova governança para as concessões e privatizações de infraestrutura. As diretrizes contemplam maior maturidade nos projetos a serem licitados (inclusive na questão de licenças ambientais), incentivo à competição internacional e de players médios, maior racionalidade nos investimentos exigidos (com uso de gatilhos de demanda), maior transparência nos indicadores de nível de serviços a serem prestados e na matriz de risco.
No novo modelo de financiamento aprovado pelo Conselho do PPI se buscará 1- a redução da participação de linhas subsidiadas, como já anunciado pelo BNDES em sua nova política; 2- a maior utilização de instrumentos de mercado de capitais, especialmente debêntures e bonds, a taxas de mercado; 3- uma ampliação das fontes de financiamento, permitindo que fundos de pensão, investidores internacionais, bancos privados e multilaterais, além de pessoas físicas, também participem.
Está em curso uma mudança no perfil dos concessionários de infraestrutura, para a qual os financiadores precisam urgentemente se ajustar. No passado, via-de-regra, cada consórcio era liderado por uma grande construtora. Estas empresas tinham um balanço com ativos de elevado valor, permitindo-lhes satisfazer as demandas de garantias corporativas que as políticas de empréstimos do BNDES e CEF pedem.
Contudo, após a Lava-Jato, torna-se mais difícil sua participação nos consórcios. É provável que os consórcios que disputarão as próximas concessões sejam formados por empresas operadoras de infraestrutura, construtoras médias e fundos de investimento. Tais entidades não possuem balanços amplos o suficiente para oferecer garantias corporativas em grandes volumes. Estes novos players, contudo, trazem boa expertise na operação, capacidade financeira (equity) e representam uma salutar desconcentração e diversificação do mercado de concessionárias.
No modelo antigo os bancos públicos financiavam a quase totalidade da dívida de longo prazo e com custos subsidiados. Para tanto, pediam garantias em excesso das concessionárias (“overcollateral”), deixando-as inclusive com poucas garantias a ofertar aos bancos que faziam os empréstimos-ponte ou outras operações financeiras. Porém, para sua operacionalização, o novo modelo requer o compartilhamento de garantias entre credores, pois todos serão essenciais para a financiabilidade do projeto.
Assim, as instituições financeiras, ao constatar que o perfil de sua clientela mudou, precisam reduzir os pedidos de garantias corporativas e bancárias dos acionistas. Em substituição, deveriam melhor explorar as garantias dos projetos – como direitos emergentes da concessão e contas segregadas da geração de caixa -, bem como aceitar garantias externas no caso de grupos internacionais.
Destacam-se, a seguir, algumas implicações deste novo modelo. Em primeiro lugar, a elevação das taxas de retornos (e WACC) a serem consideradas na modelagem dos projetos, pois haverá diminuição dos subsídios.
Em segundo lugar, haverá um incremento das fontes potenciais de financiamento de longo prazo. Com a premissa de financiamento a custos de mercado, a concessionária poderá explorar outras fontes, inclusive no exterior. Isto coloca a questão da cobertura de riscos cambiais também como alternativa a ser desenvolvida.
Em terceiro lugar, aumentará o interesse de participantes nos leilões, pois a obtenção de financiamento pode ocorrer com maior número de fontes. Note-se que, para vários operadores e investidores internacionais, o financiamento via TJLP não era atrativo, pois esta é uma taxa fixada arbitrariamente pelo Conselho Monetário Nacional, cujo subsídio pode ser retirado a qualquer momento. Assim, o retorno esperado de uma concessão poderia ser fortemente prejudicado por uma decisão exógena.
Em quarto lugar, as políticas de garantias requeridas pelas instituições financeiras precisarão ser atualizadas, especialmente as do BNDES.
Estas amplas mudanças em andamento na governança das concessões e em seu modelo de financiamento permitirão novos ares no desenvolvimento da infraestrutura que o Brasil tanto precisa.
Fonte: Valor Econômico, 07/02/2017