A segurança nos cruzamentos entre a linha férrea e vias urbanas, as chamadas passagens em nível, é o principal problema enfrentado pelo sistema ferroviário no país. Se você tiver um projeto que resolva a questão ou reduza os índices de incidentes, poderá receber até R$ 200 mil. Encara?
É o que prevê a Rumo, maior concessionária de ferrovias do país, que lançou um edital aberto a startups, empreendedores e estudantes para que apresentem projetos com soluções inovadoras para melhorar a segurança nesses cruzamentos e reduzir as colisões entre trens e veículos e atropelamentos.
O problema é um grande desafio às operadoras ferroviárias e mais comum do que se imagina no país. Dados da concessionária apontam que, no ano passado, foram registradas 195 colisões entre trens e veículos, além de 108 atropelamentos, o que indica alta em relação ao ano anterior. Em 2018, foram 179 batidas e 98 atropelamentos.
A solução precisa ser factível. Não vale, por exemplo, propor a construção de túneis ou pontes em todos os milhares de cruzamentos ferroviários no país, o que é economicamente inviável. E também não resolve propor somente uma ideia, é preciso mostrar como essa proposta se transformará em realidade.
Atuamos com facilidade nos problemas internos da ferrovia. Essa é uma solução que não fica só na mão da ferrovia, por mais que ela siga completamente a legislação quanto à sinalização, ainda assim tem seres humanos que fazem essa interface. A melhor forma de acabar [com o problema] é perguntando para os envolvidos, afirmou Roberto Rubio Potzmann, diretor de tecnologia da Rumo.
O edital foi lançado na última semana e o prazo para a apresentação de projetos termina em 26 de junho.
A Rumo, com mais de mil locomotivas e 28 mil vagões, administra cerca de 14 mil quilômetros de trilhos nos estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Minas Gerais, Goiás e Tocantins.
Os conflitos ferroviários atuais são uma herança ainda do surgimento das ferrovias no país, a partir da segunda metade do século 19.
Elas foram criadas, caso do interior paulista, para atender interesses de cafeicultores e têm traçados sinuosos em muitos locais, com rampas inadequadas, e os trens são obrigados a trafegar em baixa velocidade principalmente nos trechos urbanos -muitas cidades surgiram a partir de estações ferroviárias.
Só que, mesmo contando com trechos urbanos em que a velocidade média é de apenas 30 quilômetros por hora, ainda há acidentes e atropelamentos. Como posso atuar impedindo que alguém entre com um carro no trilho a três metros do trem? Como impedir alguém de andar com fone de ouvido e de costas nas margens dos trilhos? questionou.
Um incidente ferroviário gera impactos em toda a cadeia ferroviária, devido à paralisação da circulação da composição, ao processo de investigação e à necessidade de socorro e atendimento aos envolvidos.
Ao contrário de uma rodovia, em que o trânsito segue na outra faixa, no trem para tudo, o impacto para a nossa operação é muito grande, disse Potzmann.
Ele afirmou que ações já tomadas pela concessionária têm dado resultado, que o aumento no total de casos se deve também ao maior número de composições em operação e que o objetivo é que não ocorra nenhum acidente.
Nas passagens em nível, só a sinalização adequada não é suficiente, tanto que as colisões e atropelamentos são registradas. Falta algo, esse é o ponto. O fator cultural também impacta muito. No Japão, pare é pare. O latino tem perspectiva diferente, o europeu tem outra.
Segundo a Rumo, depois das etapas de qualificação serão selecionadas quatro ideias para assinatura de um contrato de até R$ 200 mil em investimentos para o desenvolvimento do protótipo.
O programa não contempla participação societária da concessionária ou assinatura de contrato de exclusividade entre a Rumo e os projetos selecionados.
Potzmann disse não esperar apenas a participação de engenheiros, pois dificilmente, conforme ele, receberá uma resposta somente técnica. Talvez receba [propostas] de psicólogos, de estudiosos da mente humana.
Os projetos selecionados receberão 30% do valor no início. Ao final, serão pagos os outros 70%. A decisão sobre como usar o dinheiro é do empreendedor. Nenhuma ideia é pequena ou simples o suficiente para não ser ouvida.
Fonte: Folha de São Paulo, 27/05/2020