Os planos de SP para o transporte sobre trilhos

Privatizações, metrô fora da capital e linha até Guarulhos e ABC: os planos de Tarcísio para o transporte sobre trilhos

Governador de São Paulo há seis meses, Tarcísio de Freitas tem apostado nas privatizações como sua grande marca, e a concessão do transporte sobre trilhos a empresas privadas está em seu radar. O governo já autorizou estudos para privatizar todas as quatro linhas da CPTM que ainda são operadas pelo poder público, mas, nas próximas semanas, já deve anunciar os estudos também para a concessão das linhas 1, 2 e 3 do metrô. Com isso, todos os ramais de metrô e trem de São Paulo poderiam ser transferidos à iniciativa privada.

Essa mudança poderia significar o fim do metrô e da CPTM como são hoje, mas a ideia do governo não é extinguir as empresas públicas e sim dar “um novo papel” a elas, que sairiam da operação diária das linhas e ficariam responsáveis pela estruturação do sistema e pelos projetos de expansões. Tarcísio ainda aposta em uma interiorização do trem, sendo que a primeira etapa para isso é o trem intercidades (TIC) da capital até Campinas, cuja licitação deve ser publicada no fim do ano.

— Nós estamos transferindo linhas já em operação, mas nada impede que as empresas possam fazer novos investimentos. A CPTM, por exemplo, é vocacionada para resolver a questão dos trens regionais. O metrô tem o papel estruturador e pode desenvolver novas linhas junto com a iniciativa privada. Nada impede o trabalho conjunto — explica Alberto Epifani, coordenador de Planejamento e Gestão da Secretaria dos Transportes Metropolitanos.

Obras por fazer

A prioridade do governo é terminar as obras de expansão já em andamento para só depois, nos últimos anos da gestão e após estudar as possibilidades de concessão, anunciar novas linhas. Estão em andamento a construção de duas novas estações na Linha 15/Prata, na Zona Leste, para levar o ramal até Jacu-Pêssego; e a expansão da Linha 2/Verde até a Penha, também na Zona Leste, que envolve a inauguração de oito novas paradas. A ideia é reduzir os custos públicos com as linhas já existentes em troca de conseguir, entre 2025 e 2026, tirar do papel projetos ambiciosos e cobrados há décadas: levar o metrô até o ABC e Guarulhos.

Uma mudança que Tarcísio pretende implementar em relação a seus antecessores é colocar as empresas privadas para investirem na infraestrutura do transporte sobre trilhos. Isso porque as linhas já concedidas foram construídas pelo poder público e as concessionárias pegaram tudo pronto. A exceção é a Linha 6/Laranja, que ligará a Brasilândia, na Zona Norte, até São Joaquim, no Centro. A obra é tocada pela Acciona e será operada pela mesma empresa quando pronta.

Tarcísio articula mudar essa lógica no que já foi concedido na Linha 4/Amarela para que a própria ViaQuatro toque a expansão até Taboão da Serra, na Zona Oeste da região metropolitana. Seria a primeira vez que o metrô sairia da capital. A obra é considerada relativamente simples, já que seriam apenas duas novas estações. O acordo para que a própria empresa arque com a obra vem sendo negociado pela Secretaria de Parcerias em Investimentos, comandada por Rafael Benini, assim como a eventual expansão da Linha 5/Lilás, operada pela ViaMobilidade, para o Jardim Ângela, na Zona Sul. A concessionária avalia as possibilidades.

Atualmente, há duas linhas de trem (8/Diamante e 9/Esmeralda) e duas de metrô (4/Amarela e 5/Lilás) concedidas à iniciativa privada. As quatro linhas são operadas pela CCR, por meio de seus braços de mobilidade ViaQuatro e ViaMobilidade. Em função de falhas constantes especialmente nos dois ramais de trem, a empresa é alvo de investigação do Ministério Público paulista, que cobrou do governo a rescisão do contrato. A concessionária apresentou um plano de redução de problemas que deve ser concluído até agosto.

Em nota, ViaMobilidade afirmou que, desde desde o início de sua operação nas linhas de trem já investiu mais de R$ 1,7 bilhão em modernização da infraestrutura e em melhorias e que está gradualmente trocando trilhos, fazendo a manutenção da rede aérea de energia e reformando estações e que já trocou 9.570 metros de trilhos.

Tarcísio recusa-se a rescindir o contrato. Pesa em sua avaliação, de acordo com fontes ouvidas pelo GLOBO, que tirar os ramais da ViaMobilidade e devolvê-las a CPTM não resolveria o problema porque são necessárias grandes reformas estruturais nas duas linhas que custariam bilhões ao governo, já que a empresa pública tem situação financeira precária — em 2022, foram R$ 432 milhões de prejuízo — e não conseguiria arcar com as obras. Por isso, tem pressionado a concessionária para fazer as reformas o mais breve possível. Da mesma forma, o governo vê dificuldade do Metrô em tocar as obras já previstas, por isso quer ampliar a atuação do privado.

No entanto, o governo sabe que não será fácil atrair o mercado para assumir os riscos de novas obras. No caso do TIC Campinas, a licitação será um pacote que incluirá a Linha 7/Rubi da CPTM, já em operação, como meio de garantir que o privado já terá alguma receita enquanto as obras não ficarem prontas. Hoje, a gestão estadual divulga que poderá financiar cerca de 50% do projeto, mas a reportagem apurou que, conforme avançam as conversas com o setor, o poder público já trabalha com a possibilidade de ter que pagar até 75% do projeto, cerca de 9,5 bilhões, valor que viria de financiamentos de bancos nacionais e internacionais.

Público ou privado?

Rafael Calabria, coordenador de Mobilidade Urbana do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), afirma que a privatização não resolve o problema de custeio do transporte público. Isso porque, tanto no caso dos ônibus quanto do metrô e trem, o padrão no país é o custeio basicamente pela tarifa paga pelo usuário. O governo entra com recursos adicionais para completar o restante necessário, já que há gratuidades para idosos e descontos para estudantes.

— A gestão privada não vai corrigir os problemas que tem no transporte público e talvez até agrave alguns. O que precisa ser feito para melhorar o metrô e o trem principalmente, que tem uma infraestrutura mais antiga, é investimento. Não importa se a gestão é pública ou privada, o problema é recurso. Basear a arrecadação só na tarifa está se mostrando insuficiente há algum tempo. A CPTM e o metrô não têm condições de fazer novos investimentos porque o recurso tem sido reduzido ao longo dos anos. A privatização não vai trazer recursos novos, o privado não vai investir mais dinheiro do que ele receber e se a receita for só a tarifa, vai ser insuficiente, a exemplo do que aconteceu na SuperVia no Rio de Janeiro — aponta Calabria.

Em abril, a SuperVia informou ao governador Claudio Castro que não tinha mais interesse em operar os trens no Rio, alegando desequilíbrio financeiro pela queda no número de passageiros. Por isso, não conseguiria mais fazer os investimentos e melhorias que estavam previstos em contratos.

Joubert Flores, presidente do conselho da Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos), que representa empresas públicas e privadas de mobilidade, ressalta que o problema de custeio exclusivamente pela tarifa ficou mais evidente nos últimos anos, já que a pandemia da Covid-19 provocou uma queda no número de passageiros que ainda não foi recuperada. Ele afirma que, na média nacional, hoje há 75% dos passageiros que havia pré-pandemia.

— O transporte de passageiros é uma obrigação do Estado, que pode prestar por meios próprios ou sob concessão. Em muitos lugares, o passageiro paga 100% do custo, mas se você for em outras cidades do mundo o passageiro paga entre 30 e 50% do custo da viagem integrada e outros recursos públicos fazem o resto — destaca.

Metrô no ABC e em Guarulhos

O Metrô e a CPTM têm diversos projetos sobre novas linhas e expansões, mas dois ramais que são considerados mais relevantes e prioritários para a estruturação do transporte sobre trilhos são as linhas 19/Celeste e 20/Rosa. A primeira é o projeto mais avançado do metrô, e deve ligar Guarulhos até o Anhangabaú, no Centro da capital. Guarulhos é a segunda cidade mais populosa do estado, mas foi colocada nos mapas dos trilhos em 2018 e apenas com duas estações, somente para ligar São Paulo até o aeroporto internacional. Já a Linha 20 ligaria Santo André, no ABC, até a capital. Paulo Amalfi Meca, diretor de engenharia e planejamento do Metrô, conta que “há um grande interesse” nas linhas 19 e 20.

Foto: Divulgação/Governo SP

Fonte: O Globo, 26/06/2023

 

Rolar para cima