Seja qual for o resultado das eleições municipais no próximo dia 7 de outubro, ou num eventual segundo turno, vinte dias depois, já dá para perceber uma mudança sensível no nível dos debates. Temas como tratamento de esgoto, mobilidade urbana, reciclagem de lixo e ocupação do território, que nas últimas campanhas passaram ao largo das discussões, estão começando a ganhar cada vez mais espaço.
Isso ficou claro na série de entrevistas que O GLOBO fez com os candidatos a prefeito do Rio na semana passada. A começar pela proposta da candidata do Partido Verde, Aspásia Camargo, de municipalizar a coleta e o tratamento de esgotos da cidade, hoje a cargo da Cedae. A ideia teve tanta repercussão que acabou sendo incorporada por quase todos os outros candidatos, inclusive o prefeito.
Na verdade, não importa muito se o esgoto será municipal, estadual ou privado, o que não dá é para a cidade, no século XXI, continuar convivendo com um problema do século XIX. Num ranking do saneamento, feito recentemente pelo Instituto Trata Brasil, o Rio aparece num lamentável 37o lugar. Atrás de capitais como Brasília, Curitiba e Belo Horizonte. Terminamos o ano de 2010 com 91,1% de cobertura de água, 70,12% de coleta de esgoto e apenas 53,23% de tratamento.
São quase dois milhões de cariocas que vivem sem esgoto em casa. Uma massa de eleitores que deve estar feliz com o destaque que o assunto passou a receber nas campanhas. Afinal de contas, não faz tanto tempo assim que obras debaixo da terra tiravam votos. Mas nem só de esgoto e água vive o saneamento, a reciclagem de lixo, outrora papo de ecochatos e de países desenvolvidos, ganhou o seu quinhão.
Hoje, a cidade recicla menos de 1% do lixo gerado, número bem inferior à média nacional. O Plano de Gestão de Resíduos Sólidos, publicado no início de agosto pela prefeitura, prevê que a reciclagem chegue a 5%, no final de 2013, e 25%, em 2016. Na entrevista ao jornal, o prefeito falou em 35% daqui a quatro anos. Vamos torcer para que não seja apenas um engano.
Ainda no capítulo saneamento básico, o candidato do PSOL, Marcelo Freixo, sugeriu a instalação de biodigestores nas favelas para tratar o lixo orgânico e o esgoto e transformá-los em energia que seria utilizada na própria comunidade. A ideia é boa e pode ser uma experiência interessante. Onde o candidato errou feio foi na discussão sobre a ocupação do Jardim Botânico. Ele divide a área em espaços para pesquisas, a serem preservados, e o resto, onde admite manter as famílias que ocupam o local. Se um candidato tem dúvidas sobre o que fazer com um patrimônio como o Jardim Botânico, o que fará com outras áreas de preservação ambiental?
Não se trata de escolher entre as pessoas e o meio ambiente, mas de entender que um não sobreviverá sem o outro. O medo de perder votos ainda faz com que o tema das remoções continue sendo um tabu. São poucos os postulantes que admitem publicamente que quem vive em área de risco não tem área alguma, só o risco. O muro tende a ser o lugar mais confortável: “vamos analisar caso a caso”, “temos que pensar nas pessoas”, e por aí vai.
Já a questão da mobilidade urbana tem aparecido como uma quase unanimidade nesta campanha. Todos defendem investimentos maiores em transporte público. As divergências estão na forma. Os BRTs devem rodar sobre pneus ou sobre trilhos? O metrô é fundamental para a cidade. Mas deve passar por Ipanema ou pelo Humaitá? E os trens urbanos? Precisamos que eles sejam melhores e em maior número.
É claro que sempre há espaço para a briga política. E, neste caso, a licitação dos ônibus é um prato cheio. Foi bem feita, mal feita, houve cartel, cancelar, intervir. Tudo isso é importante e precisa ser resolvido. Mas, no final, interessa saber também quanto tempo o carioca levará para chegar até sua casa, quanto vai pagar e que nível de conforto terá. E aí volta o tabu da remoção. Só que, desta vez, é a remoção dos carros das ruas. Tema chave para qualquer grande cidade do planeta.
Além da remoção dos moradores de áreas de risco e dos veículos de ruas centrais, outros temas ainda precisam ser removidos das gavetas. Como as emissões de gases de efeito estufa, a poluição das praias, a limpeza da Baía de Guanabara, dos rios e lagoas da cidade, a eficiência energética dos nossos prédios, o uso adequado da água, entre outros. Mas isso vai ficar para as próximas eleições. Quando a situação se tornar mais grave e os nossos políticos, um pouco mais conscientes.
Fonte: O Globo, 20/09/2012