A renovação antecipada da FCA (Ferrovia Centro Atlântica), concessão operada pela VLI, vive um momento decisivo. Caso não haja acordo entre governo federal e empresa até março, a prorrogação contratual tende a ficar no papel, e a ferrovia deverá seguir para nova licitação, dizem fontes que acompanham a discussão.
O contrato da VLI chega ao fim em agosto de 2026. Portanto, à medida que o tempo passa, a tese da vantajosidade da prorrogação antecipada perde força, já que o principal argumento da extensão é antecipar os investimentos, em relação à nova licitação.
Uma fonte estima que, mesmo que haja acordo hoje, o tempo mínimo até a assinatura é de nove meses a um ano. Será necessário fazer novas audiências públicas, consolidar as contribuições, enviar a proposta ao Tribunal de Contas da União (TCU), que por sua vez demandará alguns meses para a análise, e só então o contrato poderá ser finalizado. Por isso, se esse rito não for iniciado logo, a assinatura ficaria muito próxima da data de um novo leilão.
No governo passado – que assinou a renovação antecipada das concessões ferroviárias da Rumo, Vale e MRS -, a prorrogação da FCA empacou pela dificuldade de articulação junto aos Estados atravessados pela malha, em especial Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo, que travaram uma disputa pelos investimentos previstos na renovação.
Hoje, porém, o problema é outro. A percepção dos envolvidos é que a negociação com os Estados está equacionada. Agora, a principal resistência vem do Ministério dos Transportes, que assumiu uma postura mais dura em relação à gestão anterior e tem exigido valores maiores e obrigações mais detalhadas no contrato.
“A VLI conta com portfólio amplo para crescer independentemente das negociações”
Foto: Agência CNT de Notícias
Em 2020, o projeto da renovação da FCA previa R$ 14 bilhões em novos investimentos, além do pagamento de outorga de cerca de R$ 3 bilhões. Hoje, porém, os valores terão que aumentar “em alguns bilhões” para que o aditivo seja aceito, mas não há número fechado, diz uma fonte.
Um dos fatores que deverá elevar significativamente o valor devido pela concessionária é a forma de contabilizar a indenização pelos trechos da ferrovia que serão devolvidos (excluídos da concessão). O ressarcimento inicialmente incluído nos estudos estava muito abaixo do padrão previsto em normativos do governo, diz uma fonte. O valor também era inferior àquele usado na renegociação com a Rumo sobre a devolução de trechos da Malha Paulista, recentemente homologada pelo TCU. Agora, a ideia é adotar a mesma referência do caso da Rumo, o que já elevaria consideravelmente a indenização da FCA.
Outra demanda do ministério é um maior detalhamento do caderno de obrigações, principalmente em relação à compra de material rodante (locomotivas, trilhos etc). Uma fonte diz que o projeto não trazia uma especificação dos equipamentos adquiridos e o prazo para as entregas.
Em paralelo, o governo pediu a modelagem da nova licitação da FCA. Os estudos não ficam prontos até a conclusão das negociações, mas o ministério espera ter ao menos uma confirmação de atratividade do leilão em breve.
Diante da postura dura adotada pelo ministério, a VLI tem destacado que a concessão atualmente é deficitária, então não interessa à empresa manter a operação a qualquer custo. Em nota, a companhia afirmou que “segue comprometida com seu objetivo de prorrogar a concessão da FCA em termos que sejam atraentes para todas as partes envolvidas” e diz estar confiante na continuidade do processo, mas “esclarece que conta com um portfólio amplo para seguir sua trajetória de crescimento (…) independentemente do resultado final das negociações relacionadas à FCA.”
Apesar das negociações difíceis, fontes avaliam que tem havido avanços importantes e que há chances concretas de se chegar a um consenso neste trimestre.
Outro fator que gera ruído na negociação, na visão de uma pessoa a par do tema, é o fato de que o governo também negocia com a Vale, maior acionista da VLI, a repactuação das renovações antecipadas firmadas no governo passado, da Estrada de Ferro Carajás e da Estrada de Ferro Vitória Minas. A conversa com a Vale tem sido muito mais dura e não têm perspectiva de resolução. Porém, outra fonte próxima ao governo nega que haja interferência desse processo no caso da FCA. Questionada sobre as conversas, a Vale diz que segue “cumprindo com as obrigações decorrentes da renovação antecipada das ferrovias”.
A indefinição sobre o futuro da FCA também se tornou um entrave para as negociações de venda da fatia de 25,5% da Brookfield na VLI, noticiada pelo Valor em outubro. Para uma fonte, apenas com a conclusão das negociações a canadense poderá tomar uma decisão sobre ficar ou vender as ações, e definir a precificação.
A avaliação é que, sem a FCA, a VLI pode até ficar mais “redonda”, dado que a concessão tem provocado prejuízo, mas a operadora ficaria apenas com a o trecho norte da Ferrovia Norte-Sul e terminais portuários, e se tornaria um ator consideravelmente menor.
Procurada, a Brookfield diz que a FCA “vem gerando prejuízo para a VLI ao longo de vários anos”, mas afirma que “apoia a VLI na busca da renovação da FCA com base em termos que sejam atraentes” e que “a companhia continuará crescendo de forma intensa e sustentável independentemente do resultado.”
O Ministério dos Transportes destacou a importância da renovação antecipada e disse que está aperfeiçoando o processo.