Apagão nos transportes: briga política trava licitações, integração entre modais e redução de tarifas
Em Botafogo, na linha 548, que faz a integração do Metrô com o Terminal Alvorada, os passageiros ficam indecisos sobre o uso dos cartões Jaé e Riocard. Passageira desce do ônibus após erro de leitura do cartão — Foto: Gabriel de Paiva/Agência O Globo
Diante do embate eleitoral envolvendo o presidente da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), Rodrigo Bacellar (União), e o ex-secretário estadual de Transporte e Mobilidade Urbana Washington Reis (MDB) — com o governador Cláudio Castro em silêncio —, projetos importantes para facilitar o deslocamento da população estão travados à espera de decisões estratégicas. Enquanto isso, quem depende do transporte público aguarda a prometida redução de tarifa e melhorias que tornem menos tortuoso o seu dia a dia.
No meio desse apagão estão, por exemplo, o sistema de trens, um novo modelo de bilhetagem eletrônica que integre os transportes estaduais com o Jaé (do município do Rio) e a concessão das linhas de ônibus intermunicipais. A promessa anunciada por Reis de implementar a tarifa de R$ 4,70 em trens e metrô também está à deriva. As próprias obras da estação Gávea do metrô, mesmo sendo tocadas, são motivo de preocupação, em especial da Associação de Moradores e Amigos da Gávea (Ama-Gávea).
— Não tem como voltarem atrás, porque há um acordo judicial, mas pode ter atraso. Neste momento, vemos serem feitas vistorias nos imóveis vizinhos à estação. Quando começa a retirada da água dos piscinões? Não se sabe o que vai acontecer. Queremos a logística — diz o presidente da Ama-Gávea, René Hasenclever.
Há uma semana, Reis foi exonerado por Bacellar, no seu primeiro ato oficial como governador em exercício, durante viagem de Castro a Lisboa. A medida foi tomada após atritos entre o presidente da Alerj, pré-candidato ao governo do Rio, e o ex-secretário, que tem se aproximado publicamente do prefeito do Rio, Eduardo Paes, possível adversário de Bacellar nas eleições de 2026. Ontem à noite, por carta, Castro teria posto um ponto final na briga, ficando ao lado do deputado, mas quem trabalha na Secretaria de Transportes (Setram) ainda não vê luz no fim deste túnel.
— Troquei mensagem com uma pessoa do segundo escalão da secretaria que me disse que todos estão trabalhando, mas que não tomam nenhuma decisão importante neste momento, aguardando os acontecimentos — conta o engenheiro Licínio Machado Rogério, diretor do Fórum de Mobilidade Urbana.
Na tarde de ontem, uma equipe do GLOBO esteve na Setram e constatou que o órgão segue seu funcionamento com aparente normalidade, com portas abertas e trânsito de funcionários. Em conversas informais, servidores disseram que o secretário interino, André Moura, não estava no prédio. Procurado, o presidente da Alerj não quis falar sobre a contenda.
Licitações sem data
A obrigatoriedade do uso do Jaé na capital tem gerado apreensão entre os usuários, já que a integração do novo sistema com os transportes estaduais ainda não tem data para acontecer. A prefeitura não conseguiu, até o momento, firmar um acordo com o governo do estado para que o Jaé seja aceito também em ônibus intermunicipais, metrô, trens e barcas — como ocorre com o Riocard. Por isso, a partir de 2 de agosto, só poderá usar o validador do Riocard nos veículos municipais quem tiver utilizado um transporte intermunicipal na mesma viagem e possuir o Bilhete Único Intermunicipal (BUI).
Em nota, a Setram afirma que “a nova modelagem da bilhetagem proposta pelo estado aguarda análise e validação na Justiça”. E que “o convênio para a integração dos sistemas de bilhetagem está em fase final de negociação”.
Outra licitação ainda sem data é a da concessão das 1.100 linhas de ônibus intermunicipais, embora os processos dos 12 editais tenham sido finalizados. Restam, diz o Detro-RJ, “os últimos trâmites jurídicos” entre o órgão e a Setram. “O próximo passo será o envio de toda a documentação à Procuradoria-Geral do Estado (PGE), órgão que irá validá-los para publicação em Diário Oficial”, acrescenta.
Quanto aos trens, o prazo fixado por acordo judicial para a SuperVia deixar de gerir o sistema acaba em setembro, sem que uma nova licitação para a escolha do futuro operador tenha sido formatada. Extraoficialmente, há quem fale em adiamento do acordo, estendendo a mudança de mãos para o fim do ano. Por e-mail, sem citar data, a Setram diz que “o estado vai buscar uma empresa que forneça maiores índices de qualidade, garantindo deslocamentos seguros e eficientes”.
Já o preço de R$ 4,70 para trens e metrô — que têm tarifas cheias de R$ 7,60 e R$ 7,90, respectivamente —, outra promessa de Reis, também segue sem definição. Segundo a secretaria, “o resultado dos estudos para a implementação da tarifa pública dos transportes está em avaliação”. Quanto às obras da Estação Gávea, a pasta e a concessionária MetrôRio garantem que seguem dentro do cronograma.
‘Situação indesejável’
Para Marcus Quintella, diretor da FGV Transportes, a indefinição sobre projetos é indesejável, “ainda mais numa cidade que sofre com o transporte público”.
— A tarifa subsidiada de R$ 4,70 seria fundamental para a população e também para as operadoras do metrô e do trem, que continuariam recebendo a tarifa técnica, e por que haveria aumento do número de passageiros. No caso dos trens, o aumento de passageiros acarretaria melhoria na oferta e no intervalo entre as composições, cabendo ao estado fiscalizar e cobrar qualidade — diz.
O especialista faz um alerta ainda para o atraso na licitação da bilhetagem, “o que impactará a integração física e tarifária, muito importante para atender às necessidades econômicas da população”.