Em 1863, no auge da Revolução Industrial, Londres ganhou sua primeira linha de metrô. Nossa vizinha Buenos Aires inaugurou a sua em 1913, ainda antes da 1.ª Guerra Mundial. Já São Paulo, a primeira cidade do Brasil a ter metrô, passou a oferecer essa opção aos habitantes apenas em 1974 – mais de um século depois da capital inglesa.
A demora foi grande, mas as capitais brasileiras agora querem tirar o atraso de décadas em poucos anos. Caso todos os projetos prometidos saiam do papel, o total da rede de metrô do País deverá dobrar até 2018.
Atualmente, sete capitais de Estados no País têm rede de metrô em funcionamento comercial: São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro, Recife, Porto Alegre, Belo Horizonte e Teresina. Juntas, elas compõem uma rede de 276,4 km de trilhos – menos do que várias cidades sozinhas ao redor do mundo, como Nova York (337 km) e Tóquio (328 km), e apenas um pouco mais do que a Cidade do México (225 km). Até mesmo Xangai, cidade chinesa que inaugurou sua primeira linha apenas em 1995, tem mais quilômetros de metrô do que todas as redes brasileiras somadas: 424 km.
As autoridades nacionais, porém, prometem uma reviravolta nesse quadro. O principal motivo apontado por especialistas é o estrangulamento do tráfego e da mobilidade urbana nas grandes e médias cidades do Brasil. O aumento na frota nacional de automóveis ocorrido nos últimos anos, impulsionado pelo crescimento da renda e da classe C, criou engarrafamentos em locais que antes nunca haviam tido tal problema – e o pior: ficou mais grave nas capitais que já sofriam com o excesso de veículos há algumas décadas.
Atraso. Os gargalos impulsionaram novos investimentos municipais, estaduais e federais em mobilidade urbana que demoraram anos para sair. Agora, a promessa é que 253,5 km de metrô sejam construídos até 2018, o que elevaria a malha brasileira para cerca de 530 km. Os moradores de três cidades que até hoje não têm operação comercial desse meio de transportes já deverão ter recebido suas primeiras linhas até lá. São elas Curitiba, Fortaleza e Salvador.
A capital baiana é talvez o caso mais drástico de problemas de investimentos. As obras da primeira linha de metrô da cidade começaram a ser feitas ainda em 1997. Quinze anos depois, entretanto, o meio de transporte ainda não funciona, por causa de erros na execução do projeto e da falta de verbas para solucioná-los. Com cerca de novos R$ 3,5 bilhões de investimentos, a expectativa é que Salvador tenha 36 km de linhas em operação entre 2014 e 2015.
Já Curitiba, onde o sistema de ônibus em via segregada virou modelo regional de transporte, a piora no trânsito levou a cidade a optar pelo metrô, que deve ser inaugurado em 2016. Fortaleza já tem um pequeno trecho em testes e sua operação comercial deve começar no ano que vem.
A maior ampliação, porém, ocorrerá em São Paulo, onde 126 km deverão estar prontos até 2018, segundo promessa do governador Geraldo Alckmin (PSDB). O número contempla também os polêmicos monotrilhos. Só até 2015, estão previstos investimentos de R$ 45 bilhões, distribuídos entre governos e iniciativa privada por meio de Parcerias Público-Privadas (PPPs) – modelo de financiamento que está se tornando popular e também explica o aumento nos investimentos.
Monotrilho é nova aposta em São Paulo
Um trem que corre sobre uma linha elevada, com apenas um trilho, corta uma grande avenida paulistana pelo alto. Suspenso em grandes pilares, continua o trajeto por ruas residenciais arborizadas e cheias de casas, em um cenário futurista que era impensável há apenas dez anos pelos gestores públicos. Os polêmicos monotrilhos, que são defendidos ou atacados com veemência por quem os ama ou odeia, tornaram-se a mais nova aposta de São Paulo para resolver seu problema crônico de mobilidade.
Atualmente, o monotrilho só se tornou opção séria de transporte público em cidades asiáticas, como Tóquio (Japão), Kuala Lumpur (Malásia) ou Xunquim e Xangai (China). No mundo ocidental, poucos modelos foram construídos fora de aeroportos ou parques temáticos – um dos mais famosos é o da Disney, em Orlando, inaugurado em 1971. No Brasil, uma linha particular de monotrilho chegou a ser aberta em Poços de Caldas (MG) há 30 anos, mas está abandonada.
A capital paulista planeja fazer o monotrilho com a maior capacidade já existente no mundo. Atualmente, o recorde é de Tóquio, com cerca de 300 mil passageiros por dia. O da Linha 15-Prata, ramal já em obras que ligará a Vila Prudente a Cidade Tiradentes, na zona leste, terá capacidade para 510 mil passageiros diários – metade do que transportam hoje as linhas Azul e Vermelha do metrô, para efeito de comparação. A capital paulista deverá ganhar dois outros ramais do modal: a Linha 17-Ouro, ligando Jabaquara ao Morumbi, que também está em obras, e a Linha 18-Bronze, que passará por cidades do ABC Paulista como São Bernardo e Santo André, prevista para 2015.
Especialistas em transportes discutem as razões alardeadas pelo governo para adotar o modal: preço mais barato que o metrô e execução mais rápida. O metrô é a única solução. Ele não é caro nem é demorado. O monotrilho pode custar metade do preço do metrô, mas, se transportar um quarto dos passageiros, significa que o metrô tem benefício duas vezes maior, afirma o especialista em transportes Sérgio Ejzenberg.
Já Luis Ramos, diretor de comunicação da Bombardier – empresa que está construindo os monotrilhos – na América Latina, afirma que a capacidade entre os dois sistemas é similar.
Para ele, a questão estética não é problema e não deve causar os problemas de outro elevado famoso na cidade, o Minhocão, cujas marquises viraram abrigo para moradores de rua. No caso do monotrilho, não teremos marquise. A parte superior será vazada e o piso abaixo da linha será usado como ciclovia.
4 perguntas para Marcos Bicalho, presidente da ANTP
1. Como o sr. enxerga essa evolução na construção de metrôs?
O metrô é uma boa solução para lugares que tenham alta demanda. Mas é preciso que o uso realmente justifique, porque a obra é cara e demorada. O sucesso do metrô em São Paulo criou um fetiche de que é a única solução que funciona, e não é. Um bom sistema é aquele que faz com que a cidade ande.
2. O importante é integrar…
Exatamente. E isso não acontece. Na maioria das cidades, o metrô não conversa com os ônibus, que não conversam com as bicicletas. E essa ausência de diálogo é resultado não só da falta de entrosamento dos modais, mas também da falta de uma integração tarifária.
3. E o serviço de ônibus?
O ônibus é o primo pobre, as pessoas o veem como um mau serviço. E a qualidade não é boa, isso é fato, porque ele tem de disputar espaço com o carro e com o asfalto esburacado. Melhorar o transporte de ônibus significa diminuir o espaço dos carros, e essa é uma decisão de gestão política que os prefeitos sempre postergam.
4. Com a redução do IPI, o governo até incentiva usar carro.
O caminho certo é exatamente o oposto. Para isso, vale o pedágio urbano, o aumento no preço dos combustíveis e do estacionamento. Não se pode esquecer que parte do mau desempenho dos ônibus é culpa dos carros. E ninguém vai deixar de andar de carro se não pesar no bolso.
Fonte: O Estado de S.Paulo, 12/11/2012