Prevista para funcionar a partir de 30 de dezembro de 2014, penúltimo dia da gestão da presidente Dilma Rousseff, a ferrovia Transnordestina não será inaugurada antes de 2015. A obra, iniciada em 2006, entrou em ritmo ainda mais lento neste segundo semestre, a partir do acirramento de um impasse financeiro já antigo entre o governo federal e a concessionária Transnordestina Logística S/A (TLSA).
Na assinatura do protocolo de intenções em 2005, foi anunciado que a ferrovia custaria R$ 4,5 bilhões. As obras começaram em julho do ano seguinte. Em 2008, já havia um novo preço firmado em contrato: R$ 5,4 bilhões. A TLSA vem alegando que esse valor, em razão de contratempos surgidos no decorrer da obra, está subdimensionado.
A concessionária quer agora R$ 8,2 bilhões. Sem esse aporte financeiro adicional, a TLSA argumenta que não haverá meios de entregar a Transnordestina completa a tempo de ser inaugurada por Dilma. A ferrovia é uma das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
A solicitação da TLSA, controlada pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), não é bem vista pelo governo. A concessionária quer que o Fundo de Desenvolvimento do Nordeste (FDNE), que já banca 50% dos recursos (R$ 2,7 bilhões), aumente a participação.
O fundo regional é gerenciado pelo Banco do Nordeste do Brasil (BNB), que recusou-se a divulgar os valores até agora liberados para a construção da ferrovia. Também envolvido no financiamento da ferrovia, o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) contribuiu com R$ 900 milhões, já liberados.
O governo resiste a dar o dinheiro requerido pela concessionária e insiste que a obra deve ser inaugurada ainda no governo Dilma. Mas deu à CSN a possibilidade de obter empréstimos nas instituições públicas.
“Para que os trabalhos da Transnordestina não sejam interrompidos, o governo federal, através da Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) e do BNB, autorizou a obtenção de empréstimo, por parte da Transnordestina Logística S.A, o que permitirá que as frentes de trabalho continuem mobilizadas e o cronograma das obras não apresente maiores postergações”, informou em nota o Ministério da Integração Nacional, sem revelar os valores dos empréstimos.
A ferrovia foi planejada para levar até os portos de Pecém (Ceará) e Suape (Pernambuco) a produção agrícola do cerrado do Piauí, especialmente soja. A linha férrea partiria da cidade piauiense de Eliseu Martins até Salgueiro, no sertão pernambucano. No município, a Transnordestina se dividiria. Um braço seguiria até o litoral pernambucano. Outro, dobraria à esquerda no rumo norte, até a costa cearense.
A primeira previsão é de que a ferrovia, no trecho Piauí-Pernambuco, seria inaugurada em 2010, ao final do segundo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O trecho Piauí-Ceará ficaria pronto em 2013.
Nada disso aconteceu. Foi dado um novo prazo, 2012, que se encerra sem que a obra tenha alcançado nem sequer 20% do trajeto. A nova previsão passou a ser dezembro de 2014. Embora faltem dois anos, o prazo não será cumprido, de acordo com avaliações reservadas tanto do governo quanto das próprias CSN e TLSA. Só falta tornar isso público. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
No ritmo atual, obra fica pronta em 2036
Muito aquém do esperado após seis anos de obra, o avanço dos trilhos é o principal indicativo de que algo não vai bem na construção da Transnordestina. Apenas 345 km de grade (termo empregado para designar a instalação de trilhos e dormentes), dos 1.728 km previstos, estão prontos. A se manter o avanço até agora registrado, de 57,5 km/ano, a ferrovia só estará pronta em 2036.
O ritmo de expansão diária da ferrovia é de 800 metros, embora o projeto original previsse 2,5 km vencidos a cada 24 horas. Com esse avanço, e não o anual, a perspectiva é um pouco melhor, pois os 1.383 km que faltam seriam completados em agosto de 2017. Isso se nenhum contratempo surgir até lá e o trabalho for realizado todos os dias, até mesmo sábados, domingos e feriados. Assim, a presidente Dilma Rousseff só poderia inaugurar a Transnordestina se disputar com sucesso a eleição de 2014.
A lentidão da obra não se deve apenas a obstáculos inesperados, uma das bases da argumentação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) na tentativa de conseguir mais dinheiro. A redução de pessoal nos últimos 12 meses influi na evolução dos trabalhos.
Há um ano havia 13.900 operários na obra, de acordo com levantamento do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Construção de Estradas, Pavimentação e Obras de Terraplanagem em Geral do Estado de Caerá. Hoje, são 4.700, segundo a própria Transnordestina Logística S/A (TLSA), controlada pela CSN e responsável pela construção.
O projeto definiu Salgueiro, no sertão de Pernambuco, como ponto de partida da obra, pela equivalência de distâncias em relação às três frentes programadas. Até o porto de Suape, no município pernambucano de Ipojuca, são 522 km. Até Pecém, porto na cidade de São Gonçalo do Amarante (Ceará), são 608 km. Até Eliseu Martins, município no sul do Piauí, onde a viagem até o litoral deverá começar, são 598 km.
A frente de obras do Piauí está bem longe da divisa do Estado. O trabalho parou na altura de Parnamirim, ainda em Pernambuco. Foram percorridos até agora 73 km. Faltam 525 km, justamente no trecho fundamental da ferrovia. Sem a ligação com o Piauí, não haverá como escoar a soja produzida no cerrado. Ou seja, a Transnordestina perde importância.
A grade no Ceará avançou 124 km dos 608 km previstos. A obra está semiparalisada em Missão Velha, município já no território cearense. Para que os trilhos e dormentes (a chamada superestrutura) sejam instalados é necessário que a infraestrutura (terraplanagem, aterros, bueiros, viadutos e pontes) esteja bem adiante, o que não ocorre.
A frente que mais avança é a pernambucana, com 148 km até a cidade de Flores. Nela estão concentrados os maiores contingentes de operários, equipados com maquinários modernos, que permitem a colocação de dormentes de concretos e trilhos de ferro de forma mecanizada.
No primeiro semestre, o avanço da ferrovia chegou a 1,6 km por dia, evolução interrompida a partir do início das demissões. O presidente do Sintepav-CE, Raimundo Gomes, reclama que os operários são os mais prejudicados pela falta de entendimento entre a TLSA, a construtora Odebrecht (contratada há três anos para tocar a obra) e o governo.
Outro problema que atrapalha a obra é a morosidade nas desapropriações, a cargo dos Estados. O Piauí é o mais atrasado dos três Estados. Cerca de 400 pequenas propriedades terão que ser desapropriadas, mas parte dos proprietários não consegue provar documentalmente a posse da terra, o que impede o ressarcimento.
Favelas e enchentes no traçado da ferrovia
A ferrovia Transnordestina enfrenta obstáculos cuja origem pode ser creditada tanto ao acaso quanto a um planejamento açodado, feito às pressas na tentativa de agradar ao então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Neste segundo caso, está a aprovação de um traçado, que, ao aproveitar a antiga malha ferroviária de Pernambuco, esbarrava em favelas crescidas junto aos trilhos abandonados. Barracos foram construídos na faixa de domínio da linha férrea, que é de 15 metros de cada lado.
Apontado como possível postulante à sucessão da presidente Dilma Rousseff (PT), o governador Eduardo Campos (PSB) recusou-se a atender a requisição da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) de remover as 1.019 famílias invasoras nos municípios de Ribeirão, Gameleira e Escada, próximos a Recife.
No momento, os entendimento entre a Transnordestina Logística (TLSA) e o governo pernambucano apontam para a realocação de 600 famílias para imóveis do programa Minha Casa, Minha Vida. Mas são negociações difíceis, já que parte dos moradores não aceita a transferência. Os envolvidos na busca de solução estimam que o problema não será resolvido antes do fim de 2013.
Pode ser posta na conta do acaso a necessidade de construção de barragens contra enchentes no sul da Zona da Mata de Pernambuco. Cheias registradas em 2011 em terras margeadas pelos rios Ipojuca e Una levaram o governo estadual a planejar com urgência a construção das barragens em áreas pelas quais a Transnordestina passaria. Está sendo necessário modificar a rota da ferrovia, com desvio de 45 km, o que implicará em mudanças na relação de terras passíveis de desapropriação.
Empecilhos inusitados surgiram a partir do início da obra. Na cidade de Custódia, no sertão de Pernambuco, a linha do trem passaria em cima de uma igreja do século 18. Para agradar aos fiéis, a concessionária construiu uma nova igreja, para substituir a antiga. Só que o Ministério Público recorreu e a Justiça Federal proibiu a demolição do patrimônio histórico e religioso.
O jeito foi planejar um desvio de 9 metros, distância que, garante a empresa, não afetará a construção. Quem vai definir se afeta ou não é o Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal, que prepara um laudo sobre os possíveis efeitos da passagem do trem próximo a uma igreja centenária.
Fonte: O Estado de S.Paulo, 30/12/2012