Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) liberou a SuperVia, que gere o serviço de trens da região metropolitana do Rio de Janeiro, de responder a um processo da época em que a malha ferroviária do Estado era operada pela estatal Flumitrens. O caso, analisado em recurso repetitivo, é importante porque deve guiar as demais instâncias da Justiça em processos similares. A SuperVia responde na Justiça, segundo seu advogado, a mais de 400 ações semelhantes.
O caso analisado pela Corte envolve um pai que pede em ação judicial danos morais e materiais pela morte do filho, atropelado por um trem. O acidente ocorreu em maio de 1996, quando o sistema ferroviário era gerido pela Flumitrens. Em 1998, o controle passou à SuperVia.
O processo, que originalmente foi proposto apenas contra a Flumitrens, foi julgado de forma favorável ao autor da ação. Na fase de execução (cobrança), entretanto, a SuperVia foi inserida como parte no processo. “Quando chegou a fase de execução, essa empresa [Flumitrens], por não ter patrimônio, não conseguiu honrar o devido. O credor pediu então que a SuperVia assumisse a dívida”, afirma o advogado da SuperVia, Bernardo Anastasia, presidente da comissão de estudos regulares da seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ) e membro do escritório Antonelli e Associados. Ele diz que a empresa foi enquadrada como parte em cerca de 500 casos similares ao julgado pelo STJ, e as condenações juntas chegam a R$ 1 bilhão.
No caso analisado pelo STJ, a Flumitrens foi condenada a pagar pensão mensal ao pai. O benefício, correspondente a um terço do salário do autor da ação, deve ser pago por 39 anos a partir da data do acidente. A decisão estipulou ainda que a empresa deve pagar danos morais no valor de cem salários mínimos.
Apesar de a SuperVia ter sido mantida como parte da ação em primeira e segunda instância, o STJ entendeu que não houve sucessão empresarial entre as empresas e, portanto, a SuperVia não poderia pagar a conta pelos processos deixados pela estatal. “O leading case vai ter aplicação quase imediata sobre os recursos que existem entre SuperVia e Flumitrens com o mesmo objeto, e a decisão já está firmada nos Tribunais de Justiça para ações com esse mesmo contorno jurídico” diz o advogado Flávio Barreto, do Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra Advogados. O advogado afirma que discussões sobre sucessão empresarial são comuns entre concessionárias.
A Companhia Estadual de Engenharia de Transportes e Logística – Central – empresa que assumiu a gestão de investimentos ferroviários no Estado, após a liquidação da Flumitrens – informou que não foi notificada sobre o caso, e que quando for informada verá a possibilidade de realização de um acordo com o autor da ação.
O ministro Raul Araújo, da 2ª Seção do tribunal, relator do processo, informou na decisão que o STJ anteriormente considerava que a SuperVia era responsável pelos processos movidos contra a Flumitrens. Segundo ele a partir de 2010 o entendimento foi alterado. “Descabe imputar à SuperVia o cumprimento de sentença na qual foi condenada a Flumitrens em decorrência de ato ilícito havido durante a concessão anterior, tendo em vista não existir relação sucessória entre ambas” afirmou Araújo.
O advogado da Supervia diz que em outros processos a empresa chegou a ter bens penhorados para quitar dívidas da Flumitrens. Ele salienta que a decisão traz maior segurança para futuras licitações. “Qual investidor vai querer pagar uma dívida milionária [da empresa anterior]? Ele pode até tentar entrar com ações contra o Estado, mas vai receber em precatório”, afirma.
O advogado Rodrigo da Fonseca Chauvet, do Trigueiro Fontes Advogados, concorda que a decisão trará maior segurança. “As empresas precisam saber com quais obrigações precisarão se preocupar antes de entrarem na licitação”, diz.
Para Álvaro Villaça Azevedo, diretor da Faculdade de Direito da Faap, o fato de a empresa ter sido colocada como parte na ação apenas na fase de execução “é um verdadeiro absurdo”. “Ela deveria ter sido citada desde o começo, mas entrou de gaiato depois e não teve a possibilidade de se defender ou produzir provas”, afirma.
Fonte: Valor Econômico, 04/02/2013