Valec negocia empréstimo de trilhos

Já que a compra de trilhos não tem data para sair, o que resta é pedir emprestado. Pressionada pelo atraso crônico que compromete a construção de suas ferrovias, a estatal Valec decidiu apelar para a ajuda da Ferrovia Transnordestina, empreendimento tocado pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) em Pernambuco, Ceará e Piauí.

A Valec, conforme adiantou ontem o Valor PRO, serviço de informações em tempo real do Valor, negocia um empréstimo de trilhos com a Transnordestina Logística. Pelo acordo com a CSN, que pertence ao empresário Benjamin Steinbruch, a empresa emprestaria 20 mil toneladas de trilhos para a Valec. O negócio ainda não foi selado, mas só depende de uma sinalização do governo para que se concretize. O empréstimo não resolve a vida da Valec – que precisa comprar 243 mil toneladas de trilhos -, mas ajuda a aliviar a tensão sobre os cronogramas da Ferrovia Norte-Sul, com obras entre os Estados de Goiás e São Paulo, e da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), projeto de mais de 1 mil km de extensão, em fase preliminar na Bahia.

Procurada, a Transnordestina Logística se limitou a informar que “não comenta negociações em curso com o governo federal”. A Valec confirmou as negociações com a empresa, mas informou que ainda não há uma decisão tomada e que outras alternativas são avaliadas neste momento pela estatal, caso a compra de trilhos demore ainda mais para se concretizar. “É claro que nossa prioridade é comprar os trilhos, mas não podemos ficar parados, por isso estamos estudando alternativas. O empréstimo é uma dessas opções”, disse o presidente da Valec, Josias Cavalcante.

As alternativas não são nada simples. Dois caminhos são considerados pela Valec, em detrimento do empréstimo que poderá ser feito pela CSN. A estatal já estuda a possibilidade de transferir a compra de seus trilhos para as empreiteiras que atuam nas obras civis das ferrovias. Para que isso ocorra, no entanto, seria preciso aditivar os contratos das construtoras, saída que teria de contar com o aval do Tribunal de Contas da União (TCU). Depois dos escândalos que varreram a cúpula do Ministério dos Transportes há quase dois anos, nenhum contrato da Valec tem autorização para receber aditivos que ultrapassem 25% de seu valor de contrato. Há riscos, portanto, dessa alternativa não ser viável. Além disso, há o problema da economia de escala. Se a compra de trilhos for fatiada entre muitas construtoras, corre-se o risco de o preço dos lingotes de aço subir demais.

A última alternativa analisada é mais radical. A Valec assumiria a responsabilidade de concluir etapa de terraplenagem do traçado das ferrovias. A partir daí, ela concederia a malha para a iniciativa privada, que assumiria a responsabilidade de comprar os trilhos e instala-los. “São possibilidades. Estamos fazendo tudo o que é possível para levar nossos projetos adiante”, disse Cavalcante.

O drama da Valec teve início em 2011, quando a estatal tentou comprar 1.711 km de barras de aço de uma só vez. O leilão, vencido pelo consórcio formado pela empresa Distribuidora de Manufaturados (Dismaf) e a chinesa Pangang, foi parar na Justiça, após uma sequência de irregularidades apontadas pelo TCU e uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que anulou o certame e permitiu que a Valec retomasse o processo. A Dismaf e seus donos, por conta de suposto envolvimento em esquemas de corrupção nos Correios, acabaram impedidos de participar de novos contratos com a ECT. No início deste ano, a Valec voltou a fazer dois leilões internacionais para comprar trilhos. Mais uma vez, a família Dismaf – por meio de uma empresa criada pelos filhos de seus donos – se uniu à Pangang e foi a única a apresentar proposta no leilão. O TCU achou indícios de restrição à competitividade e suspendeu o negócio. Hoje, a Valec tenta cancelar esses leilões para refazer o edital. A Dismaf, porém, foi a justiça para exigir que sua vitória seja homologada.

Os problemas não se restringem a trilhos novos. Uma situação ainda mais delicada envolve aquilo que já foi comprado, entre 2007 e 2009, da própria Dismaf e Pangang. Em um relatório de julho do ano passado, o Ministério dos Transportes já questionava a Valec sobre defeitos nos lingotes assentados. O ministério, conforme relatório divulgado no mês passado pelo TCU, informava que “foi constatada uma alta incidência de defeitos superficiais nos trilhos e que tais defeitos não foram gerados por problemas causados pelo tráfego ferroviário, haja vista que ainda não há operação comercial de trens de carga”. A Pasta alegava ainda que, “mesmo que se venha a comprovar, através de documentos, a qualidade dos trilhos adquiridos, faz-se necessário registrar que a qualidade dos trilhos assentados na via não corresponde ao esperado” e que o tempo de vida útil dos trilhos de aço “poderá não ser a prevista pelo projeto”. A Dismaf tem negado qualquer irregularidade com seu material.

Fonte: Valor Econômico, 25/04/2013

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