Gargalos em rodovias ajudam trem a competir

O trem de carga ganhou um aliado inesperado no país: os congestionamentos em grandes cidades como Rio e São Paulo e nas estradas que cortam as regiões metropolitanas. Mesmo em trechos de apenas 90 quilômetros já há empresas que optaram por usar o trem em São Paulo, no lugar do tradicional caminhão. Os especialistas em transportes dizem que o trem costuma ser competitivo para distâncias superiores a 500 quilômetros, mas os gargalos rodoviários criaram uma situação anômala no Brasil. Ao atravessar aglomerações urbanas, o trem anda devagar, geralmente a uma velocidade de 20 a 30 quilômetros por hora; mas passa e chega ao destino em horários razoavelmente previsíveis. Foi o que aconteceu na viagem que testemunhamos, de um comboio da concessionária MRS, com mais de 130 vagões (quase 1,5 quilômetro de comprimento) entre Bom Jardim de Minas e Barra do Piraí (RJ).

Bom Jardim de Minas é um ponto estratégico da ferrovia. A partir de lá, os trens carregados de minério de ferro e outros produtos (gusa, placas de aço, tubos,cimento, equipamentos pesados, contêineres etc.), procedentes do Quadrilátero Ferrífero mineiro e da capital Belo Horizonte, começam a descer a Serra da Mantiqueira em direção ao Rio de Janeiro ou a São Paulo. Máquinas que auxiliaram o comboio durante a subida são desconectadas ali apenas uma possante locomotiva conduz o trem. Se na subida chega a consumir dois mil litros de óleo diesel, na descida, não gasta mais de 200. Maquinistas bem treinados assumem o comando nesses trechos de descida, pois o trem, carregando 13 mil toneladas de minério de ferro (ele próprio pesa outras três mil toneladas) prossegue a viagem só no freio, quase sem que seja preciso acelerá-lo.

É uma descida suave, pois a ferrovia é relativamente moderna. Projetada e inicialmente construída na segunda metade dos anos 1970, e era chamada no governo militar do presidente Ernesto Geisel de Ferrovia do Aço. Foi polêmica, porque a obra custou muito mais caro do que se previa, e a obra parou no meio. Só foi concluída com o adiantamento de recursos de uma mineradora privada (a então MBR).

Hoje, poucos têm o privilégio de conhecer esse trajeto, pois o seu traçado evita passagens por áreas urbanas. Cruzando 46 túneis (o maior deles tem oito quilômetros, quase três vezes o tamanho do Rebouças, no Rio) e incontáveis viadutos no trecho de descida, o trem viaja a uma velocidade máxima de 50 quilômetros por hora. Com tolerância por apenas sete minutos admite-se que acelere a 53 quilômetros. Esse limite é uma questão de segurança. Preserva a via permanente (trilhos, dormentes e lastro) da ferrovia e reduz a possibilidade de acidentes. Um trem desses precisa de pelo menos 600 metros entre começar a frear até parar completamente.

Por isso, quando atravessa aglomerados urbanos, geralmente anda mais devagar, a 30 quilômetros. A descida da Serra da Mantiqueira termina próximo a Quatis e a Porto Real, já no Estado do Rio. Na direção de Barra do Piraí (ou no caminho para São Paulo), a ferrovia se aproxima do Rio Paraíba do Sul. Já nos bairros periféricos de Barra Mansa, a estrada de ferro é margeada, dos dois lados, por casas, prédios, ruas e fábricas. E vai assim até depois de Volta Redonda. E como há cada vez mais trens de carga circulando pela via, e as passarelas para pedestres não dão conta para o movimento, um motociclista segue à frente do trem, por caminhos paralelos (ruas e becos) para ajudar a fechar as passagens de nível. Moradores dessa região, habituados ao movimento do tem, muitas vezes se arriscam, correndo, na travessia. E motoristas idem. Qualquer descuido, então, é motivo de acidente. Um tropeço, uma paralisação súbita do motor do carro. E aí a via para.

Um trem de minério de ferro, como o que testemunhamos, carrega mercadorias com valor aproximado de US$ 1,6 milhão, considerando-se a cotação do procuro na faixa de US$ 120 no mercado internacional. O frete ferroviário custa cerca de US$ 8 por tonelada de minério. Qualquer interrupção temporária da linha férrea pode provocar um efeito cascata, físico e financeiro, pois há uma programação de carregamento nas empresas e descarregamentos nos portos e terminais ferroviários. Os trens da MRS geralmente fazem um circuito meio oval, descendo com carga para o Rio pela ramal moderno da “Ferrovia do Aço” e retornando pela antiga Linha Centro, originária da Estrada de Ferro Central do Brasil. Na volta estão quase sempre vazios. Se não há problemas nessas vis ou atrasos nos carregamentos, o trem leva um dia para completar o circuito.

A MRS, concessionária de parte da malha Sudeste da extinta Rede Ferroviária Federal, circula por 1.674 quilômetros de linhas, transportando 155 milhões de toneladas por ano. O que a Rede levava quatro meses para transportar nessa malha agora é carregado em apenas um mês. A principal carga continua sendo o minério de ferro, hoje principal produto de exportação do país, que só deverá ser desbancado pelo petróleo em 2015 ou 2016. Aproximadamente 4% do minério de ferro (e 18% do total das exportações brasileiras) passam pelos trens da MRS, num conjunto de 469 locomotivas e 8429 vagões.

As locomotivas estão sendo novamente fabricadas no Brasil (pela GE, na fábrica de Contagem), assim como os vagões. Acidentes com trens sempre são graves, mas felizmente desde 1996 o índice diminuiu em 80% por conta de sistemas de controle computadorizados, e de um investimento acumulado de R$ 9 bilhões, desde o início da concessão, na via permanente e em equipamentos.

Fonte: O Globo, 21/09/2013

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