Se o critério for o peso, tome um Boeing 747 como exemplo. O Tatuzão, com suas 2.700 toneladas, pesa nove vezes mais.
Se o critério for o comprimento, tome como parâmetro uma barca que liga o Rio a Niterói. O Tatuzão, com seus 123 metros, mede três vezes mais.
E, por fim, se o critério for a altura, compare-o a um ônibus urbano, dos que fazem ponto final na Central do Brasil. O Tatuzão, com seus 11,5 metros, é quatro vezes maior.
— Ele veio da Alemanha em três navios. Foram 92 peças grandes e 23 contêineres — explica o engenheiro Aluísio Coutinho, de 51 anos, gerente de produção do consórcio Linha 4 Sul. — É parecido com um avião em termos de complexidade.
Encomendado em 2011, montado em 2012 e entregue em meados deste ano, o Tatuzão — ou Tunel Boring Machine, para os íntimos — é a máquina de proporções colossais que, a partir de dezembro, destruirá pedra, areia, terra e o que mais pintar pela frente nas profundezas que unem os bairros de Ipanema e Gávea.
Comprado por R$ 100 milhões pelo consórcio formado por Odebrecht, Queiroz Galvão e Carioca Engenharia, a engenhoca, fabricada pela empresa alemã Herrenknecht (que já enviou outros “tatus” para Ásia, Europa e Oriente Médio), foi feita sob medida para o solo carioca. É a única com capacidade simultânea de deglutir terrenos rochosos (Copacabana e Morro Dois Irmãos) e arenosos (Ipanema e Leblon).
— Foi tudo feito sob medida para o trajeto, a partir de pesquisas sobre o solo — diz Coutinho. — O Tatuzão vai escavar entre oito e 15 metros abaixo do asfalto.
Os primeiros a “sentirem” a presença dessa indústria móvel subterrânea (90 funcionários se revezando em três turnos) serão os moradores da Rua Barão da Torre, em Ipanema. Depois que atingir a Praça Nossa Senhora da Paz, o Tatuzão seguirá sob a Avenida Visconde de Pirajá e a Ataulfo de Paiva. O trajeto final, até a estação a ser construída na Gávea, passará sob o Alto Leblon. As previsões mais otimistas sugerem que o metrô estará pronto até o fim de 2015.
— A rapidez depende do tipo de rocha ou areia — explica Coutinho, garantindo que não haverá transtornos para quem estiver acima do solo. — Devemos cavar cerca de 15 metros por dia.
Alemão de sangue e brasileiro de alma (dado o enorme “RJ” tatuado na lataria), o Tatuzão tem, por assim dizer, ascendência britânica. A primeira máquina do tipo foi inventada no começo do século XIX pelo engenheiro Marc Brunel, que sonhava em construir um túnel sob o rio Tâmisa, em Londres. Reza a lenda que certa feita, observando uma larva corroer a madeira de um barco, Brunel percebeu que o bicho, ao mesmo tempo em que engolia a matéria-prima, liberava uma substância que encobria o caminho percorrido. Nascia ali a ideia da primeira tuneladora moderna — máquina que perfura e cria um escudo à sua volta, seja de metal ou concreto. Inaugurado em 1843, o túnel, de 400 metros, foi o primeiro escavado por máquinas sob a água.
Projetado no final da década de 1960, o metrô do Rio jamais se valeu de tuneladoras do tipo para alcançar os 46 quilômetros de malha que possui. A primeira linha, que ia da Glória à Praça Onze, foi escavada a céu aberto, com a abertura de enormes buracos rasgando as ruas do Centro. A partir da década de 1990, quando chegou a Copacabana, a expansão foi feita à base de explosivos, detonados sem risco para os moradores, sob a cadeia montanhosa que emoldura o bairro.
Mas quando o metrô atingiu a Praça General Osório, em 2009, os engenheiros se depararam com um novo problema. O solo, muito arenoso, não comportaria explosões do tipo. Várias soluções foram estudadas. Dentre elas, a do Tatuzão — não necessariamente a mais barata: a previsão é de que a escavação até a Gávea, bancada pelo governo do estado, consuma R$ 3,6 bilhões (outros R$ 4,9 bilhões serão gastos para chegar até a Barra, sem a ajuda do Tatuzão).
— O critério da escolha foi o que fosse menos custoso para a sociedade — resume Coutinho. — Seria inviável abrir um buraco na Rua Visconde de Pirajá.
Movido a energia elétrica, o Tatuzão é composto de uma roda de manganês e cromo, na parte da frente, que corta, tritura e engole o solo em pedaços de até 40 centímetros. Uma vez “deglutidos”, os nacos de terra são enviados, por uma esteira, até a estação de apoio, localizada sob o Túnel Sá Ferreira, em Copacabana. Dali, seguem de caminhão para uma antiga pedreira em Senador Camará, Zona Oeste. Ao mesmo tempo em que escava, a máquina se encarrega de cobrir o espaço com placas de concreto de 8,5 toneladas.
— As placas estão sendo feitas na Leopoldina. Já temos o suficiente para dar conta de 1.400 metros de túnel. A escavação é rápida. Tem que ter um “pulmão” para preencher — explica Coutinho.
Foi na Estação Leopoldina, inclusive, que o Tatuzão foi pré-montado, quando desembarcou da Alemanha, antes de ser remetido, em 92 viagens de caminhão, até o subsolo carioca. Passados quatro meses desde que a primeira peça chegou a Copacabana, a engenhoca, que tem enfermaria e refeitório, está em fase de testes. A coordenação fica por conta do engenheiro de produção Alexandre Mahfuz, de 30 anos, que já trabalhou no metrô paulistano.
— As mesmas pessoas que montaram vão trabalhar na operação. Asim já sabem onde está cada peça, para o que serve etc. — ele diz. — Fora isso, vem gente de Portugal, da Alemanha e da França.
O Tatuzão vai funcionar de segunda-feira a sábado, com um intervalo diário de quatro horas para conserto e troca de peças. Finda a missão carioca, poderá ser usado em outras cidades ou ser revendido para a empresa alemã. Se assim for, terá de trocar o nome de guerra que recebeu por aqui — e que leva pintado na lateral, junto com a bandeira do Brasil e do estado do Rio.
— É uma tradição dar nome no feminino. Ele se chama Barbara, em homenagem à padroeira dos tuneleiros — conta Coutinho. — Queríamos que fosse Santa Barbara, mas os alemães disseram para não colocar nome de santo. Superstição. Com esse tipo de coisa é melhor não brincar.
Fonte: O Globo, 23/11/2013
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