RIO – Anunciado pela prefeitura como um dos ícones da revitalização da Zona Portuária, o teleférico do Morro da Providência ficou pronto em maio de 2013. Passados oito meses desde a conclusão da obra, no entanto, moradores ainda enfrentam as íngremes ladeiras do lugar — onde surgiu a primeira favela do Rio — para chegar em casa. O transporte, que custou R$ 75 milhões, fará a ligação entre a Cidade do Samba, a Central do Brasil e a Providência, mas até hoje não entrou em operação. E ainda não há data para inaugurá-lo. As 16 gôndolas, com capacidade para dez pessoas cada, permanecem guardadas e empoeiradas numa das estações. O atraso é motivo de revolta entre moradores, que apelidaram o espaço de “museu do teleférico”.
O consórcio responsável pela construção, formado por Odebrecht, OAS e Carioca, garante que o equipamento está pronto e já foi testado. O primeiro teste, inclusive, foi acompanhado pelo prefeito Eduardo Paes, em dezembro de 2012. Com 721 metros de extensão, o teleférico tem capacidade para transportar até mil pessoas por hora e representaria um alívio para quem mora na parte mais alta do morro, como é o caso do pintor Roberto Garcia, de 33 anos.
— Não consigo entender. O teleférico já estava sendo testado, diziam que ia ser inaugurado, mas até agora nada — diz o pintor. — Eu moro numa das últimas casas do morro, levo uns 30 minutos a pé, mas nesse calor nem é bom subir porque a gente passa mal.
Prefeitura: sem data
A expectativa é que os moradores tenham direito a duas passagens gratuitas por dia, e que o teleférico também seja usado como atração turística, já que, do alto da favela, pacificada desde 2010, é possível ter uma bela vista do Porto. O trajeto entre as três estações será feito em oito minutos.
A prefeitura não explicou por que não se planejou para operar o equipamento tão logo ele ficasse pronto. Em nota, informou apenas que está “finalizando o modelo de operação para atender à comunidade”. Ainda de acordo com a prefeitura, não há licitação em curso e, portanto, não é possível dizer quando o sistema entrará em funcionamento ou quem vai operá-lo.
Sem usuários, as três estações que compõem o sistema parecem abandonadas. Na que fica ao lado da Cidade do Samba, por exemplo, as cinco lojas permanecem vazias. No terceiro andar, estão as 16 gôndolas, todas encobertas pela poeira. Confeccionado pela empresa austríaca Doppelmayr, o sistema é inspirado no dos Alpes Suíços. As cabines são feitas de acrílico e alumínio. A única diferença é o assento em madeira, como um banco de praça. Cada gôndola pode transportar oito passageiros sentados e dois em pé.
A estação da Providência, no alto do morro, é a que mais sofre com a falta de manutenção. Lixo, entulho e fezes de animais estão por toda a parte, dando um aspecto negativo ao espaço que seria o cartão-postal do morro. O mirante, com uma linda vista da Zona Portuária, está repleto de cacos de vidro. E a encosta logo abaixo, pouco a pouco, vai se tornando um lixão.
— É o próprio museu do teleférico, é só para a gente ver — ironiza a moradora Luciana Ribeiro.
Mãe de um casal de gêmeos de 6 anos, ela reclama que não tem o que fazer com as crianças nas férias:
— Perdemos a Praça Américo Brum, a única área de lazer da Providência, para dar lugar ao teleférico. E agora? Ficamos sem nada. Pensei em levar as crianças à Vila Olímpica, mas quem aguenta andar debaixo desse sol?
A perda do espaço esportivo seria compensada pela Secretaria municipal de Habitação com a construção de outra praça num terreno próximo dali. Mas o projeto não deslanchou devido a uma liminar obtida na Justiça, que, em 2011, paralisou todas as obras da favela, com exceção do teleférico. Elas fazem parte do programa Morar Carioca, num pacote de investimentos de R$ 163 milhões.
A ação foi movida pela Defensoria Pública do estado a pedido de moradores que seriam reassentados. São pessoas que vivem em áreas de risco ou no local onde seria construído um plano inclinado de 70 metros de altura, ao lado de uma escadaria.
Na ação, a Defensoria Pública argumentou que a prefeitura não apresentou documentos comprovando que o projeto contava com Estudo de Impacto Ambiental (EIA/Rima), impacto de vizinhança e licença ambiental. Pelos cálculos da Defensoria, seriam reassentadas 600 famílias, das 1.500 que vivem na Providência. A Secretaria de Habitação, porém, informa que esse número está sendo revisto e vão ser mantidos apenas os reassentamentos nas áreas consideradas de risco, o que reduzirá consideravelmente o número de desapropriações. O município recorreu da decisão, mas só conseguiu que a Justiça liberasse a conclusão do teleférico, já que havia o risco de os equipamentos se deteriorarem.
No alemão, 12 mil usuários/dia
No pacote de obras, estão incluídas, além de moradias, novas redes de água, esgoto e drenagem; implantação de um centro esportivo coberto; alargamento de ruas e reforma da pavimentação. Segundo a secretaria de Habitação, já foram entregues uma creche para 200 crianças; um Centro de Trabalho e Renda, a reforma de uma escola, além de 34 unidades habitacionais, na Rua Nabuco de Freitas, para famílias que precisaram sair da Providência em função das obras.
Enquanto isso, no Complexo do Alemão, o teleférico, que custou R$ 253 milhões, leva em média 12 mil passageiros por dia. Durante a semana 70% dos usuários são moradores do Alemão. Nos fins de semana, 60% são de fora, como turistas, trabalhadores ou visitantes de famílias que vivem na área.
Eficiente em países vizinhos
Os teleféricos do Complexo do Alemão e do Morro da Providência foram inspirados numa experiência implantada na Colômbia e copiada também por Caracas, na Venezuela. Em 2004, Medellín inaugurou a primeira linha, o Metrocable, que interliga os bairros mais pobres às linhas de metrô e às áreas mais desenvolvidas. Desde o início, ficou definido que a operação ficaria com a estatal Metro de Medellín. O projeto integrava medidas de segurança e urbanização para tentar reduzir a violência e as desigualdades culturais da cidade, que já foi uma das mais violentas do mundo.
— Esses bairros ficam em encostas, a exemplo de comunidades do Rio. Antes dos serviços implantados, as pessoas perdiam horas para se deslocar por Medellín. O sistema integrou as áreas mais pobres a espaços desenvolvidos, gerando mais oportunidades de emprego. Os usuários não pagam a mais por isso — explica o engenheiro colombiano especializado em transportes e desenvolvimento urbano, Darío Hidalgo.
O especialista, porém, ressalta que há diferenças para a experiência no Alemão. Segundo ele, em Medellín houve uma preocupação maior do que no Rio em melhorar a infraestrutura das comunidades para facilitar a circulação da população. Hoje, Medellín conta com três linhas de teleféricos — duas voltadas para atender a população e uma terceira destinada a passeios turísticos.
Fonte: Jornal O Globo, 20/01/2014
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