O trecho cearense da ferrovia Transnordestina, de 527 km entre a cidade de Missão Velha e o Porto do Pecém, na Grande Fortaleza, só tem 4% das obras concluídas, segundo o Ministério dos Transportes, e deveria ter sido entregue em 2010. Ainda de acordo com o ministério, a nova previsão de entrega do trecho é setembro de 2016.
As obras de artes especiais (OEAs) – que incluem pontes, túneis e escavações – estão ainda mais atrasadas, com 3% de execução.
O G1 visitou o ponto onde terminam os 4 km de trilhos instalados a partir de Missão Velha e encontrou a obra parada. Não há máquinas ligadas ou homens trabalhando. Materiais como trilhos, dormentes e tubulações estão abandonados perto do fim da linha. A passagem feita para ligar a zona rural à cidade durante a execução dos serviços da ferrovia está destruída, deixando moradores sem acesso. Equipamentos da prefeitura tentam consertar o caminho danificado.
A Transnordestina começou a ser construída em junho de 2006, no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e deveria ter ficado pronta quatro anos depois, ao fim do mandato. Segundo o governo federal, o projeto prevê 2.304 km de ferrovia, beneficiando 81 municípios – 19 no Piauí, 28 no Ceará e 34 em Pernambuco – com a melhoria do escoamento de grãos, minérios e outros produtos. A obra no trecho cearense só começou em 2010, quando toda a ferrovia deveria estar acabada.
O orçamento total para a construção nos três estados, que era de R$ 4,5 bilhões em 2007, saltou para R$ 7,5 bilhões em 2013. Até janeiro, segundo o Ministério dos Transportes, já haviam sido liberados R$ 4,7 bilhões para o empreendimento. A ferrovia é financiada 100% com verbas públicas. As obras entre Missão Velha-Pecém custariam inicialmente R$ 1,6 bilhão, mas a previsão atual é que sejam investidos R$ 2,1 bilhões, sendo que R$ 145 milhões já foram consumidos.
O Ministério do Transportes não detalhou o que já foi feito no trecho cearense com o dinheiro. Já o Tribunal de Contas da União (TCU) disse que não encontrou irregularidades na obra.
O trecho de ferrovia que liga Missão Velha até Salgueiro (PE), também parte da Transnordestina, foi concluído em fevereiro de 2013. São 96 km de trilhos, 50 deles no Ceará (veja no mapa acima). Em janeiro, o G1 mostrou que as obras da ferrovia Transnordestina no sertão do Piauí, que já consumiram R$ 1,075 bilhão e deveriam ter sido entregues em 2010, estão paralisadas e abandonadas desde setembro de 2013.
Segundo o Ministério dos Transportes, a construção do trecho entre Missão Velha e Pecém parou em outubro de 2013, depois que a construtora Odebrecht rompeu contrato com a concessionária Transnordestina Logística S.A., responsável pela ferrovia. Procurada diversas vezes pelo G1 por telefone e e-mail para falar sobre o rompimento, a Odebrecht afirmou que não responde mais pelo empreendimento e disse que não irá se pronunciar.
Em 2011 e 2012, os trabalhadores da obra reivindicaram aumento para dar continuidade aos trabalhos. De acordo com o Ministério dos Transportes, a construtora alegou não poder arcar com a elevação dos salários e rescindiu unilateralmente o contrato. O ministério disse que a concessionária ”está em fase final de contratação de empreiteiras para a execução do trecho” e que o trabalho “está em ritmo adequado até sua conclusão em setembro de 2016”.
‘Liga o nada a lugar nenhum’
A parte da ferrovia que sai de Missão Velha em direção ao litoral já construída acaba na chamada Ponte 1, “que liga o nada a lugar nenhum”, como afirmou o líder comunitário Francisco Ferreira. A ponte não está ligada a nenhum dos lados sobre o Rio Salgado.
Abaixo dela, a passagem provisória sobre o rio foi destruída pelas chuvas e impede o fluxo de veículos a dois distritos – Morro Dourado e Papada da Areia – deixando os moradores isolados. A Odebrecht construiu a passagem – como dito acima, a empresa disse que não irá se pronunciar.
“A empresa deixou o local e agora nós estamos tentando acelerar essa reforma junto com a prefeitura. Se demorar muito e começar o período de aulas, os alunos vão ficar sem ter como ir às escolas”, disse Francisco Ferreira, que está impossibilitado de chegar à zona rural de Missão Velha por carro.
Sem a presença de uma empresa responsável pela obra, o reparo da passagem destruída está sendo realizado pela Prefeitura de Missão Velha, com máquinas doadas pelo Governo Federal.
A prefeitura diz que espera ter crescimento do fluxo de veículos após a conclusão da ferrovia Transnordestina. “Vamos fazer o melhoramento das estrada vicinais. Temos que melhorar o acesso para que as pessoas possam vir em uma estrada menos problemática. E a Transnordestina deve aumentar o fluxo de veículos nas nossas estradas”, disse o subsecretário de Infraestrutura de Missão Velha, Cláudio Lacerda.
Ferrovia antiga desativada
Os antigos trilhos que cruzavam a cidade de Missão Velha foram desativados por causa das intervenções no local necessárias para a obra. Os trilhos são um prolongamento da linha ferroviária Sul do Ceará. Foram usados no transporte de passageiros até os anos 1980 e, mais recentemente, eram usados para levar carga de combustível. Com o atraso, a região tem agora uma ferrovia desativada e outra inacabada, sem opção para escoar os produtos por via férrea.
Os comerciantes da cidade, que tiveram aumento nas vendas enquanto havia trabalhadores na obra, cobram o retorno das atividades e torcem por um novo crescimento. A Prefeitura de Missão Velha estima que o comércio local cresceu 10% durante o período em que a ferrovia estava sendo construída, com a presença de cerca de 400 funcionários.
“De início, houve mudanças porque se instalaram novas pessoas na cidade, mas não foi um grande impacto. Esperamos que, com as novas contratações, venham mais clientes”, disse a gerente de loja de eletrodomésticos Cláudia Amorim.
Casas danificadas
Da última vez em que operários trabalharam na área, há cerca de quatro meses, foram feitas implosões de terrenos para nivelar o solo com a Ponte 1. Moradores tiveram de ser retirados das casas até a conclusão das implosões e, quando voltaram, encontraram problemas. Maria das Dores, por exemplo, disse que percebeu danos em sua residência por conta da força dos explosivos.
“Eles foram muito educados, nos trataram muito bem quando pediram para nós sairmos de casa, porque foi tudo explodido aqui por perto. Mas, quando voltamos, minhas paredes estavam rachadas, meu telhado foi danificado. E agora não tem ninguém aqui para gente cobrar o reparo”, afirmou.
Sem ter a quem recorrer, Maria das Dores conta que fez a reforma da casa com dinheiro do próprio bolso. Procurada pelo G1 para falar desse aspecto da obra, a construtora Odebrecht disse que não iria se pronunciar sobre o assunto.
As desapropriações para a construção da ferrovia no Ceará foram realizadas pelo governo do Estado, com a maior parte dos valores repassado pelo governo federal. O custo foi de R$ 14.833.383,93, dos quais R$ 13.350.048,24 foram liberados pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) e R$ 1.483.338,68 pela contrapartida do governo do Estado.
De acordo com proprietários de terras ouvidos pelo G1, o acordo foi feito de forma “tranquila” e “com preço justo”. “Toda terra desapropriada aqui [em Missão Velha] fica em área rural, então ficou mais tranquilo, porque tem muita terra no interior do Ceará que ainda é improdutiva”, disse o agricultor Augusto Rodrigo.
Fonte: G1 CE, 14/03/2014
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