Um aumento de 20 centavos no preço do transporte urbano em São Paulo deflagrou uma onda nacional de protestos que levou 2,5 milhões de pessoas às ruas em 438 municípios. Diante da turbulência do tráfego paulistano, sobretudo na hora do rush, muitos afirmam que a mobilidade é um problema insolúvel na capital.
Essa não é, porém, a opinião de Jorge Wilheim. Arquiteto e urbanista nascido na Itália, mas paulista- no desde 1940, o pesquisador acha que a situação urbana geral melhorou em São Paulo, embora a cidade onde mora e trabalha há 73 anos tenha muitos defeitos, a começar pelo crescimento desordenado.
Até por obrigação profissional – a relação dos cargos públicos que já ocupou inclui a Secretaria Municipal de Planejamento nas gestões dos prefeitos Mário Covas (1983-86) e Marta Suplicy (2001-04) –, Wilheim pensa São Paulo há décadas, sempre buscando respostas para problemas complexos. Em São Paulo: uma interpretação (Editora Senac, São Paulo, 2013), seu mais recente livro, dá um exemplo disso ao descrever a história da cidade, interpretá-la e apontar alternativas para melhorá-la.
No futuro, na década de 2020, Wilheim vislumbra a capital paulista como o centro de uma gigantesca metrópole que se estenderá a Campinas, Sorocaba, Baixada Santista e São José dos Campos, por onde transitarão 26 milhões de pessoas diariamente. Ele vê com otimismo essa antevisão de megalópole.
As maiores manifestações de massa no Brasil tiveram como estopim um aumento da tarifa do transporte de São Paulo. A questão da mobilidade urbana, sobretudo a de São Paulo, chegou a um limite?
Sempre houve reações mais ou menos violentas quando ocorre um reajuste no custo da passagem, haja vista o “quebra-quebra” que deu origem a essa expressão, após um aumento na passagem do bonde em São Paulo na década de 1940. Não se trata só de atingir um limite, mas do fato de que o transporte atinge a vida de todos os cidadãos. O limite atingido hoje não advém só do custo do transporte. Constitui um índice de insatisfação que abrange e desperta manifestações de rechaço a muitos temas. Há riscos, mas também há oportunidades de mudanças desejáveis.
Há quem compare São Paulo a um paciente próximo de um enfarte.
Cidades não morrem, a não ser por catástrofes telúricas. Elas mudam.
O metrô é a melhor opção em São Paulo, mas sua cobertura é pequena e o serviço de ônibus, precário.
Transporte é um sistema em que se juntam diversos modos: pedestre, ciclista, motociclista, automóvel, ônibus, trólebus, bonde, metrô, trem. É imprescindível o entrosamento dos modais. O ciclista, por exemplo, deve poder estacionar com segurança sua bike no terminal de ônibus ou na estação de metrô. Dentro do sistema, o metrô deve ser implantado sob forma de malha, como uma rede em que os cruzamentos de linhas constituem estações de transferência. O atraso na montagem desse sistema está ligado à ausência de planejamento e à falta de vontade política. O metrô paulistano começou em 1968, graças ao então prefeito Faria Lima. No mesmo ano, a Cidade do México iniciou o seu. Atualmente, há mais de 200 quilômetros implantados lá; aqui, são pouco mais de 60 quilômetros.
Adianta reivindicar melhoras no transporte urbano vandalizando ônibus e estações de metrô?
Nada justifica vandalismo e destruição. Em movimentos de massas, porém, costumam acontecer oportunismos diversos, desde os políticos até os emocionais e os criminosos.
Qual a política necessária para a cobertura vegetal de São Paulo?
É fundamental ter formação de viveiros ou viveiros particulares contratados para selecionar boas mudas. Além disso, plantio adequado, vistorias frequentes e combate aos cupins.
Como lidar com o problema do ar?
A poluição atmosférica de São Paulo é causada sobretudo pela poeira levantada por 7 milhões de veículos. Do ponto de vista do dióxido de carbono, não estamos mal, porque a mistura do álcool na gasolina diminui a presença desse poluente. O diesel usado aqui ainda é de má qualidade, mas sua melhoria já está a caminho. A eletrificação de veículos seria uma medida importante! O Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores, o IPVA, deveria ser aumentado para veículos com motor a explosão.
Como lidar com as favelas e a falta de moradia?
A principal síndrome do subdesenvolvimento é a heterogeneidade econômica da população, isto é, a manutenção do grande e histórico distanciamento entre ricos e pobres. Embora tenha diminuído no Brasil nos últimos dez anos, essa brecha ainda é grande. Todas as políticas de desenvolvimento devem conter medidas para homogeneizar a renda das famílias e as oportunidades. As favelas são resultado da heterogeneidade da sociedade, da migração para as cidades grandes, pois só lá se encontram empregos e serviços, e do fato de que o migrante é um conquistador que precisa ancorar-se na cidade de qualquer jeito. A falta de recursos o induz a adquirir seu espaço ilegalmente, se acomodando em “áreas sem valor comercial”, várzeas que inundam, encostas que deslizam, áreas verdes que deixam de ser preservadas. O que fazer? Urbanizar as favelas existentes, proporcionar habitação para os que estão em área de risco, pagar melhores salários…
Gerar emprego na periferia para eliminar longas jornadas para o trabalho é utopia?
Muda-se esse quadro equipando com serviços e infraestrutura as periferias, de forma planejada, a fim de atrair empregos e investimentos privados.
O sr. foi um dos autores do Plano Diretor de São Paulo de 2002. Vários artigos não foram regulamentados. Por que não é cumprido?
Discordo. A lei não foi descumprida. Mas há que regulamentar o que deixou de ser feito. Deve-se prosseguir elaborando os Planos de Bairro em cada subprefeitura.
Estão se expandindo condomínios que tentam suprir todas as necessidades dos moradores. Por quê?
A promessa mercadológica de segurança é uma propaganda enganosa, pois o fechamento da área de condomínio resulta em segurança para o assaltante que lá penetra e fica à vontade. Deve-se proibir o fechamento de áreas privadas com altos muros (acima de 1,5 metros), pois criam um paredão, ruas feias e privatizam uma paisagem verde que poderia ser usufruída por todos. O conceito de grande área fechada é uma declaração de guerra à cidade como espaço público. Ele pretende declarar que “o resto” – isto é, as ruas e demais espaços públicos – não é de todos, mas sim de ninguém!
O sr. trabalhou com políticos diversos – Paulo Egydio Martins, Mário Covas, Marta Suplicy e Orestes Quércia. O que aprendeu?
Minha trajetória em cargos públicos foi acidental, porém coerente: militei contra a ditadura, apoiando a abertura (“lenta e gradual”) do período Ernesto Geisel e Paulo Egydio, como membro do MDB. Depois, como apoiador do PMDB (Covas, Quércia e Luiz Antônio Fleury) e por fim apoiando o PT (Marta Suplicy). Nas Nações Unidas, projetei e organizei a Conferência de Istambul sobre o futuro da cidade. Mas sempre fui convidado e nomeado por motivos técnicos. A política é um enorme aprendizado, com muita tensão.
Curitiba é tida como a cidade mais verde da América Latina. Ela tem avançado ou estagnou?
Curitiba foi governada por Jaime Lerner, mas seu Plano Básico foi implantado pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba, ambos criados em 1964 pela empresa Serete e pela Jorge Wilheim Arquitetos. Parte do verde curitibano é consequência do amplo vale do Rio Iguaçu. No entanto, é verdade – e mérito do Jaime prefeito – que vários parques foram equipados e mantidos. Hoje, o problema é a necessidade de mudança de escala: há uma região urbanizada metropolitana e não dá para deixar de rever alguns conceitos do Plano Diretor que já cumpriram seu papel. É preciso pensar de novo.
O sr. antevê uma macrometrópole integrando São Paulo, Campinas, Sorocaba, Baixada Santista e São José dos Campos, em 2020. O sistema não vai travar?
É preciso implantar o sistema de transporte sobre trilhos: o trem de alta velocidade (TAV ), mais a rede metropolitana da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). Os parques metropolitanos devem receber preservação e ser adequados ao uso. O saneamento deve considerar essa escala macrometropolitana, mas também deve buscar tecnologias que prescindam da construção de redes coletoras.
Existe um exemplo de macrometrópole funcional que permita bom nível de vida a seus habitantes?
Países que já atingiram uma boa homogeneidade social descentralizam-se com facilidade e têm qualidade de vida bem melhor. Na região da Grande Paris (França), no corredor entre Tóquio e Osaka (Japão) e na faixa entre Boston e Filadélfia (Estados Unidos), a qualidade de vida, em média, é melhor, embora também existam núcleos pobres.
Até que ponto os protestos públicos podem trazer benefícios concretos para as cidades brasileiras?
O que ocorreu e continuará a ocorrer no Brasil também ocorre em outros países: movimentos dos indignados na Espanha, os mais de 100 “Occupy” nos Estados Unidos, etc. Trata-se de sintomas da vontade e da possibilidade de mudança nos formatos existentes das práticas democráticas e da representatividade. São sintomas positivos, embora também possam conter riscos e desvios.
Pingback: ภาพระบายสี