Vicente Vuolo*
É inacreditável que hoje, com tantos recursos e tecnologias disponíveis, não exista um Plano Nacional Ferroviário para as cidades brasileiras. O trem, transporte ecologicamente mais correto, tem sido substituído ao longo do último século, pelo automóvel que polui e entope as nossas cidades, mas que impulsionou a indústria do petróleo e fez algumas das maiores fortunas do mundo.
Quais são as consequências da implantação dessa opção de transporte para a população? É evidente que o carro traz a poluição, gasto exorbitante de combustível, aumento dos acidentes e mortes no trânsito, engarrafamentos, stress e perda de tempo para o trabalho. Além disso, o carro é uma opção própria de uma sociedade que opta pelo individualismo. Essa foi a tendência do século passado. Neste século a tendência será outra, pelo menos em muitos países desenvolvidos.
Por que não seguimos o exemplo de outras cidades? Os grandes países da Europa já disseram sim a ferrovia. E nas últimas décadas as principais cidades europeias estão deixando o carro cada vez mais em segundo plano. Sem precisar comparar com os países mais ricos, que cada vez mais investem em ferrovias, levamos nossos olhos para Portugal, país irmão. Em Lisboa, os bondes elétricos ocupam o espaço das ruas com destaque, que ainda tem um metrô eficiente e combina tudo com trens intermunicipais de alta eficiência, conforto e rapidez. A cidade do Porto, do mesmo porte de Florianópolis, possui 60 quilômetros de linhas férreas em superfície e nove quilômetros subterrâneas. Pequim tem hoje 442 quilômetros de linhas de metrô enquanto a Cidade do México tem 200 quilômetros.
Até quando assistiremos este descalabro em nossas cidades? De acordo com dados do IPEA, no subsídio a automóveis, táxis e motos, o Brasil gasta a cada ano entre R$ 10,7 bilhões e R$ 24,3 bilhões – ou 86% de todos os subsídios das três esferas de governo. Sobra para o transporte público apenas 14% ou R% 2 bilhões. É sem dúvida, um grande incentivo para aumentar os engarrafamentos nas médias e grandes cidades e, com isso, gastar cada vez mais em duplicações de ruas, avenidas, túneis e viadutos. Tudo pelo automóvel. Ao final desta década, várias de nossas capitais vão parar, ficarão engarrafadas. Ao final da próxima, todas as cidades brasileiras de médio porte estarão inviabilizadas, se o modelo atual não for alterado.
O espaço público deve pertencer a toda a população, que na sua ampla maioria, não tem dinheiro para comprar um automóvel. O que existe é uma inversão de prioridades. Essa ordem precisa ser alterada. Ciclovias e linhas de trem – de superfície que são mais baratos – precisam ser criadas e ampliadas. O coletivo tem que prevalecer sobre o individual.
Pensar nas crianças, num mundo melhor, é governar como estadista. É se preocupar com as futuras gerações, onde o verde prevaleça sobre o concreto, as ciclovias ao invés dos carros, os trens e bondes elétricos substituindo o ônibus a diesel, num mundo onde as pessoas se confraternizem diariamente nas ruas, longe do individualismo do automóvel. Pensar coletivamente é trabalhar com ética! E ética é o cimento do desenvolvimento.
Cuiabá sempre teve o seu Rio como cartão postal, a fartura do peixe e o verde dos mangueirais. Se destruirmos essas riquezas, destruiremos o futuro dos nossos filhos e netos. A qualidade de vida da população depende de mobilidade urbana, de espaços públicos, de bons hospitais e escolas. E o trem é a melhor opção de transporte para o deslocamento de toda a comunidade.
Felizmente, o VLT chegou. E os que criticam hoje, com certeza irão aplaudir amanhã esse transporte mais rápido, econômico, seguro e ecologicamente correto. Vamos caminhar nessa direção, na luta cada vez mais por um transporte público eficiente. Não devemos parar. Temos que integrar vários tipos de transporte, com passagens mais baratas e que possam ser utilizadas por uma ou duas horas. Além disso, o transporte e toda infraestrutura a ele ligada devem estar integrados à preservação urbanística e do meio-ambiente. Isso é que é modernidade. O carro é sinal de atraso, de coisa passada. Ferrovia, sim!
* Vicente Vuolo é cientista político e analista legislativo do Senado Federal.
Fonte: Diário de Cuiabá, 03/05/2014