As negociações conduzidas pela Vale para venda de uma parte dos ativos da empresa em Moçambique tendem a ficar mais difíceis com a conjuntura existente no país africano para a produção de carvão, na avaliação de especialistas ouvidos pelo Valor. A Vale questiona os altos custos para se produzir carvão em Moçambique, país novo nessa indústria extrativa, no momento em que os preços da commodity estão no patamar mais baixo dos últimos sete anos. O valor a ser capturado pela Vale [nas negociações] fica mais difícil na situação atual, disse um analista.
A Vale quer vender metade de sua participação no Corredor Nacala, formado por ferrovia de 912 quilômetros e por um porto, ambos em construção. A empresa estuda ainda a entrada de sócios com fatias minoritárias na produção de carvão, segmento em que tem minas em Moçambique e na Austrália. A mineradora vinha trabalhando para fechar as vendas no corredor e no negócio de carvão até o fim deste mês. Mas a venda dessas participações deve demorar mais um pouco. A expectativa é que as transações possam ser fechadas em julho ou agosto, embora não haja garantia de que isso vá ocorrer até essa data. No mercado, a aposta é que entre os potenciais parceiros da Vale estão investidores asiáticos, sobretudo japoneses e chineses, e fundos soberanos.
O interesse dos investidores nos dois ativos (minas e corredor), negociados separadamente, é diferente. A atratividade de cada ativo também é distinta. O investidor que resolver associar-se à Vale na produção de carvão correrá um risco maior. Mas terá a possibilidade de obter ganhos também maiores caso o preço do carvão se recupere. O preço do carvão metalúrgico, usado pelas siderúrgicas, situava-se, na sexta, na faixa de US$ 120 por tonelada tendo por base contratos trimestrais na Austrália, a principal referência do mercado. É uma queda de cerca de 60% em relação aos preços de 2011, que superaram US$ 300 por tonelada.
Ter a garantia de uma participação na produção de carvão interessa, sobretudo, a países que precisam assegurar acesso a recursos naturais, como os asiáticos. No Corredor Nacala, o risco para o investidor é menor, assim como o retorno sobre o investimento também deve ser mais baixo. O atrativo neste caso está no fato de que o corredor terá retorno mínimo garantido por contrato firme de transporte com a mina da Vale em Moatize, no norte do país.
Esse contrato envolve a Vale Moçambique, detentora da concessão de Moatize, e as quatro concessionárias do Corredor Nacala, cada uma responsável por um trecho da ferrovia. A mineradora detém 95% da Vale Moçambique e o governo local os outros 5%. O contrato entre a Vale Moçambique e as quatro concessionárias começará a valer em 2015 e os volumes vão crescer até atingir a capacidade de 18 milhões de toneladas de carvão por ano. Haverá ainda capacidade adicional no corredor para carga geral, grãos e passageiros.
Quando a mina de Moatize estiver duplicada no fim de 2015, terá capacidade de produzir 22 milhões de toneladas de carvão por ano, sendo 55% do tipo metalúrgico e 45% térmico, para geração de energia elétrica. Para escoar essa produção, a Vale pretende utilizar o Corredor Nacala e continuar valendo-se da ferrovia Linha do Sena até o porto da Beira, no centro do país. Nesse trecho, a Vale também tem contrato firme de transporte com a estatal Portos e Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM) válido até 2017 com capacidade para movimentar 4,5 milhões de toneladas de carvão por ano. Em 2014, a Vale vai produzir acima de 6 milhões de toneladas de carvão em Moatize, mas poderá embarcar somente até 4,5 milhões de toneladas, que é a capacidade no terminal portuário da Beira.
Os novos sócios da Vale no carvão deverão entrar diretamente na holding Vale Emirates, dos Emirados Árabes, holding que consolida as participações da Vale no carvão em Moçambique e também as ações que a mineradora tem nas quatro concessionárias do Corredor Nacala. Na soma das quatro concessionárias, considerando o valor investido em cada trecho, a Vale tem uma participação de 70% no corredor logístico. Os outros 30% pertencem à CFM. Após a venda, os investidores devem ficar com 35% do Corredor Nacala, a Vale com 35% e a CFM com 30%.
Operação no Corredor Nacala começa até o fim do ano
O objetivo da Vale é fazer passar o primeiro trem carregado com carvão pelo Corredor Nacala até o fim deste ano, mas o embarque comercial do produto pelo porto de Nacala-à-Velha, no oceano Índico, deve ocorrer somente em janeiro de 2015. Estamos indo bem, avançando nas obras dos diferentes trechos do corredor e também no porto, disse ao Valor Ricardo Saad, diretor de projetos da Vale na África, Ásia e Austrália.
A prioridade da empresa é concluir os trechos novos do corredor e fazer as reformas mais urgentes nos trechos existentes da ferrovia para começar a operação no último trimestre de 2014, disse Saad. O Corredor Nacala vai operar com composições ferroviárias de 120 vagões e terá capacidade de transportar 18 milhões de toneladas de carvão por ano, além de carga geral, grãos e passageiros. O transporte irá aumentando até atingir a capacidade plena, o que depende da sequência das obras e do plano de produção de carvão. Mas em 2016 o corredor deverá estar apto a operar a plena carga.
Na parte moçambicana, serão construídos 22 pátios de cruzamento para os trens. Haverá pátios também no Malawi, ex-colônia britânica vizinha de Moçambique por onde a ferrovia também passa. No total, o corredor é formado por quatro concessionárias, sendo duas em Moçambique e duas no Malawi. Uma delas é o Corredor Logístico Integrado do Norte (CLIN), responsável pela construção de trechos novos da ferrovia em Moçambique e também pela construção do terminal portuário em Nacala-à-Velha, na província moçambicana de Nampula, no norte do país, por onde o carvão será exportado. Na CLIN, a Vale tem 80% e a estatal Portos e Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM), 20%.
Osvaldo Adachi, líder do projeto do terminal marítimo de Nacala-à-Velha, disse que a Vale começou as obras no local em 2013. Os testes de descarga de carvão devem começar em setembro para fazer os primeiros embarques nos navios em janeiro de 2015. Recebemos todos os equipamentos do porto, com exceção dos carregadores dos navios, fabricados na China, que devem chegar em outubro, disse Adachi. Há seis mil trabalhadores diretos empregados nas obras do terminal portuário e na chamada seção 8 do corredor, trecho de ferrovia com quase 30 quilômetros. Do total de trabalhadores, 86% são moçambicanos.
Outra das concessionárias do corredor em Moçambique é o Corredor de Desenvolvimento do Norte (CDN), que está recuperando trecho de 583 quilômetros de uma ferrovia existente entre uma cidade moçambicana próxima do Malawi e localidade próxima de Nacala. A CDN é controlada em 51% pela Sociedade de Desenvolvimento do Corredor do Norte (SDCN), na qual a Vale tem 85% e investidores nacionais moçambicanos, 15%. A CFM tem os outros 49% da CDN.
No Malawi, existem duas concessionárias. Uma é a Vale Logistics Limited (V LL), 100% Vale, que está fazendo um trecho novo de ferrovia, de 138,5 quilômetros. E a outra é a Central East African Railway Company (Cear), responsável por recuperar 98,6 quilômetros de ferrovia existente também dentro da ex-colônia britânica. A Cear é controlada em 51% pela SDCN e tem os restantes 49% em mãos da CFM.
Fonte: Valor Econômico, 16/06/2014
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