Para consertar e construir novas estradas, melhorar e fazer novos aeroportos, reduzir o caos portuário e ampliar a malha ferroviária, hoje muito abaixo de suas necessidades, o país precisa investir nada menos que R$ 1 trilhão em obras no setor, conforme apontam duas pesquisas sobre infraestrutura de transportes no país recentemente concluídas.
Estudo feito por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e que será apresentado daqui alguns dias na 14ª Conferência Internacional da Latin American Real Estate Society (Lares), no Rio, sugere que o país precisa investir R$ 1,09 trilhão até 2030 para melhorar sua infraestrutura de transportes de forma que diminuísse a distância em relação à de países com “grande competitividade econômica” e de dimensões continentais, como a China. A pesquisa da USP corrobora a da Confederação Nacional do Transporte (CNT), que finalizou há cerca de 15 dias o Plano CNT de Transporte e Logística 2014. A confederação chegou, por vias diferentes, a um valor muito próximo, de investimento de R$ 987 bilhões, elencando 2.045 projetos.
Os dois estudos mostram que o atraso na infraestrutura brasileira já deixou de ser contado em bilhões de reais e ganhou um novo dígito. O R$ 1,09 trilhão da pesquisa “Infraestrutura de transportes no Brasil: aspectos que sugerem a necessidade de investimento privado no país”, da USP, refere-se a R$ 607 bilhões que deveriam ser investidos em rodovias; R$ 364 bilhões em ferrovias; R$ 85 bilhões em portos e R$ 33 bilhões em infraestrutura aeroportuária.
O valor estimado não representa o ideal de investimento, mas, segundo Flávio Abdalla Lage, um dos autores da pesquisa, aquilo que seria “factível”, dado o histórico nas últimas décadas. “Não adianta falar em 700 mil km de rodovias em 16 anos, porque não será feito. O Brasil levou 86 anos para construir quase 220 mil km de rodovias”, diz ele, que estimou 40,7 mil km de novas rodovias até 2030.
A CNT também deu peso maior às ferrovias e rodovias. Ela dividiu a necessidade de investimentos, sem estimar prazo para a execução, da seguinte forma: R$ 448,8 bilhões em ferrovias, R$ 361,7 bilhões para rodovias, R$ 24,9 bilhões em aeroportos, R$ 61 bilhões em navegação interior (hidrovia); infraestrutura portuária no valor de também R$ 61 bilhões, além de R$ 29,7 bilhões para terminais multimodais.
O estudo da USP foi coordenado pelo professor Claudio Tavares de Alencar, do núcleo de Real Estate da Escola Politécnica. Além do mestrando Lage, ele tem coautoria do professor João da Rocha Lima Júnior, do mesmo núcleo.
Entre os países usados para comparação em diversos indicadores do estudo da USP, como malha ferroviária total, contêineres por viagens e malha viária total, estiveram, por exemplo, Austrália, Canadá, China e Estados Unidos. “São economias vultosas e onde a gente quer chegar. Não adiantaria olhar para países muito pequenos”, explica Lage sobre as comparações. Segundo ele, o estudo privilegiou, quando possível, países de grande dimensão territorial para comparar com o Brasil.
No estudo da CNT, estão não só projetos de rodovias, portos, aeroportos, hidrovias, ferrovias e terminais, mas também projetos urbanos voltados ao transporte público. Os investimentos prioritários da CNT estão organizados por regiões do país, como Eixo Nordeste-Sul, Eixo Litorâneo, Eixo Norte-Sul, Eixo amazônico, entre outros.
Não foram feitas comparações do Brasil com outros países, mas o diretor-executivo da CNT, Bruno Batista, diz que, se forem realizados os investimentos propostos, eles representariam um “grande salto quantitativo e qualitativo”, levando o Brasil a uma posição mais próxima das nações desenvolvidas. A CNT propõe quase 24 mil km de novas ferrovias, o que dobraria a malha ferroviária existente. Na parte rodoviária identifica a necessidade de mais 14 mil km de duplicação. Ambas as pesquisas convergem na defesa de que para haver avanços é necessária uma maior participação do setor privado nos investimentos diante das limitações dos recursos públicos. Segundo Lage, a capacidade de investimentos públicos em infraestrutura é de R$ 815 bilhões frente a uma necessidade mínima de R$ 1,09 trilhão.
“O governo sozinho dificilmente vai conseguir dar uma virada para agilizar a execução de projetos. A participação da iniciativa privada é cada vez mais necessária, por isso é preciso dessarmar entraves burocráticos”, concorda Batista, da CNT. Ele citou que mesmos os leilões de concessões de rodovias tendo saído do papel, isso é ainda muito “aquém do que o país precisa”.
Lage entende que o Brasil necessita superar três grandes problemas. O primeiro deles é a dependência do transporte rodoviário, o meio mais caro se comparado aos outros. O segundo é o fato que o governo não consegue investir em infraestrutura de transportes na mesma velocidade que a economia necessita. E como um terceiro aspecto ele diz que é preciso desenvolver um mercado de capitais maduro para fornecer financiamento ao setor, para que ele não fique dependente do funding do BNDES, que é limitado.
Alencar, que coordenou a pesquisa da USP, lembra que o país precisa de investimento em infraestrutura para poder crescer. “Se a gente imaginar que o carro-chefe da economia brasileira hoje são as commodities e outros produtos agrícolas, se não há uma infraestrutura eficiente para escoar e exportar isso – e tudo depende de transportes -, o país fica limitado na sua capacidade de crescer”, diz.
“É algo circular. Para crescer, você precisa de infraestrutura e a infraestrutura, por sua vez, te ajuda a crescer. Os países mais desenvolvidos têm um estoque de infraestrutura muito grande, mas para continuarem a crescer, e eles crescem a partir de ganhos de produtividade, eles têm que melhorar permanentemente a infraestrutura”, disse Alencar. Para ele, o problema do Brasil é diferente. Além de estoque baixo, o estoque existente não tem muita qualidade.
Cálculos da consultoria Inter.B mostram que os investimentos em transportes neste ano devem somar R$ 61,8 bilhões, uma alta de 22,35% em relação aos R$ 50,51 bilhões de 2013. A CNT prefere analisar apenas aquilo efetivamente pago pelo governo federal, e chega a um valor de apenas R$ 13,7 bilhões investidos em transportes em 2013. “Apesar de ter sido feita uma série de anúncios, grande parte dos investimentos não se concretizou”, diz Batista.
Claudio Frischtak, presidente da Inter.B, destaca diferenças dentro do próprio setor de transportes no último ano. “Se você olha para o setor de transportes tem um bloco que andou melhor, outro que andou pior e um que nem andou”, constata. Ele explica que o bloco que andou melhor é o composto por rodovias e aeroportos. O bloco de portos e ferrovias andou pior e o de hidrovias não andou, continuando a ser o “patinho feio”.
Rodovias, explica o consultor, teve avanços a partir de setembro de 2013 porque houve, na sua opinião, um “convencimento do setor privado a investir”, com flexibilização das regras das concessões.
Na avaliação de Frischtak, hidrovias é o setor mais deficiente e é justamente o que deveria ser uma prioridade para o país transportar cargas, por custos mais baixos. “Nós [o Estado brasileiro] subsidiamos o uso de automóveis e de caminhões a partir de combustíveis, e o combustível para cabotagem não é subsidiado. Esse é um viés contra a cabotagem”, destacou sobre o descaso histórico com esse setor.
“Enquanto a questão da infraestrutura não for equalizada, o país vai sempre esbarrar em ciclos curtos de crescimento”, acredita Batista, da CNT.
Fonte: Valor Econômico, 11/09/2014
Pingback: 8 carat diamond price