Entre cidades americanas e sul-americanas, Rio de Janeiro e São Paulo estão na liderança quando o assunto é congestionamento. Pesquisa da TomTom, empresa europeia de tecnologia de transporte, aponta que os motoristas das duas capitais brasileiras perdem mais de 45 minutos para cada hora dirigida nos períodos de pico. Outras metrópoles brasileiras também começam a enfrentar problemas crescentes de infraestrutura.
Reverter essa situação vai exigir a criação de novos modelos de financiamento que atraiam o capital privado, a adoção de múltiplas opções de transporte público e uma política que consiga reduzir disparidades regionais e aumente a criação de empregos nas regiões periféricas das metrópoles, estimulando o uso racional do solo das maiores capitais brasileiras.
“O metrô, que tem sido a alternativa adotada pelas grandes metrópoles no mundo, é uma solução cara e pode ser lenta, mas seria a mais eficaz para as grandes cidades brasileiras, por ser um meio rápido, seguro e de alta capacidade de transportar pessoas”, observa Paulo Resende, da Fundação Dom Cabral.
O custo de implementação de um quilômetro de metrô com a construção da estação estaria em R$ 500 milhões, podendo exceder esse valor, dependendo do volume de desapropriações a ser feito para realizar a obra e da complexidade das intervenções subterrâneas.
Estudos realizados em Belo Horizonte apontam que a rede de linhas subterrâneas da cidade deveria ter 150 quilômetros de extensão para atender à demanda. Hoje a capital mineira possui menos de 30 quilômetros em operação. Para chegar à extensão necessária, seria preciso investir R$ 150 bilhões.
“Isso mostra o desafio que existe, o que mostra que não será o Orçamento da União ou orçamentos de Estados que farão o milagre. Será preciso adotar soluções diferenciadas, como a atração de investidores estrangeiros que possam operar as linhas”, observa Resende.
Em São Paulo, para aumentar a extensão da rede metroferroviária, uma das saídas tem sido firmar Parcerias Público-Privadas (PPP). A extensão da malha paulista deverá pular dos atuais cerca de 70 quilômetros para pouco mais de 150 quilômetros, sendo que pela primeira vez os passageiros que transitam em São Paulo terão os trilhos como opção para chegar aos dois principais aeroportos da capital paulista, Congonhas e o internacional de Guarulhos. Essas obras de expansão irão somar 78,2 quilômetros à rede metroferroviária, com novas opções de conexões e de trajetos à disposição da população.
Para atender a crescente demanda, os investimentos no período 2012-2015 chegam a R$ 45 bilhões. Com essa expansão, os trilhos deverão aumentar o número de passageiros transportados, para cerca de 12 milhões a 13 milhões de pessoas por dia em média até 2020. “O crescimento dos trilhos tem sido maior que o sobre as rodas”, afirma o secretário de transportes metropolitanos de São Paulo, Jurandir Fernandes.
Além do metrô, outras opções, como os projetos de Veículos Leves sobre Trilhos (VLT), monotrilhos e os corredores expressos de ônibus (BRT, na sigla em inglês), estão ganhando espaço nas cidades brasileiras. De olho na demanda por VLTs, a Alstom está investindo R$ 50 milhões na construção de uma unidade que será inaugurada nos próximos meses, em Taubaté (SP), focada na construção desses trens urbanos.
Um dos pedidos será para o VLT carioca, que terá cinco trens produzidos na França e o restante no interior paulista. Atualmente, cidades como Santos, Rio de Janeiro, Cuiabá e Goiânia estão com projetos de VLT em andamento, mas outros municípios estão estudando adotar essa alternativa também. “Maceió, Salvador, Recife, Osasco estão avaliando o modal, que deve ter presença crescente”, avalia Michel Boccaccio, vice-presidente sênior da unidade de transportes da empresa.
Para atrair o capital privado para os projetos, será preciso criar uma política tarifária realista e transparente, com subsídios limitados. “A cada dois anos, as prefeituras têm dificuldade para conceder reajustes”, aponta Fernando Mac Dowell, engenheiro especialista no setor de transportes e professor da PUC-Rio. Para ele, apesar dos desafios, a matriz de transportes das cidades brasileiras tenderá a ser mais flexível nos próximos anos, com a adoção de várias opções, como ciclovias e corredores expressos de ônibus. “Além de transporte de grande capacidade, como o metrô, será preciso ter opções intermediárias, mas é preciso focar na integração entre elas”, destaca.
Na equação da melhoria da mobilidade urbana, conforto e tempo são palavras essenciais para atrair as pessoas para os modais de transporte público.
Para Mac Dowell, tecnologia de trânsito é um ponto negligenciado pelas cidades brasileiras. Em Cingapura, os veículos rodam com tarjetas eletrônicas, enquanto, sob o asfalto, sofisticados equipamentos permitem que a autoridade de tráfego possa saber onde cada carro está, ou seja, podendo direcionar semáforos e usar equipamentos inteligentes melhorando o fluxo em cada horário. “Se cair uma árvore, os semáforos podem trabalhar com tempo de abertura diferenciado para reduzir os transtornos.”
Melhorar o cenário atual vai exigir atenção para outra frente: criar uma nova política de uso do solo nas grandes metrópoles. Exemplo disso está na maior cidade brasileira: em São Paulo, a oferta de empregos e vagas em escola na zona oeste da cidade é 20 vezes superior à da zona leste. As seis subprefeituras que formam o centro expandido da cidade (Sé, Pinheiros, Lapa, Vila Mariana, Santo Amaro e Mooca) reúnem 17% da população paulistana, mas 64% dos empregos. Já a zona leste concentra quase 40% da população da cidade, mas oferece apenas 15% dos empregos.
“Enquanto a política de uso do solo estiver em conflito com a de transportes, o problema persistirá”, afirma Eduardo Padilha, professor do Insper.
“A principal causa dos problemas de imobilidade urbana é a falta de um planejamento que evite a concentração da oferta de atividades como educação, saúde, comércio e produção industrial em poucas regiões, normalmente distantes das áreas com maior número de habitantes, obrigando a população a realizar longos deslocamentos diários, em um mesmo sentido e horário”, observa Riley Rodrigues, especialista em competitividade industrial e investimentos do Sistema Firjan.
A solução para os congestionamentos, além da ampliação do sistema de transporte público de massa, com maior cobertura territorial, está na adoção de medidas que reduzam o grande volume de viagens pendulares de longa distância, concentrado nos mesmos horários e sentidos. “A mudança passa, obrigatoriamente, pelo planejamento urbano. Esta é a forma mais eficaz e que exige menor investimento público direto para, de modo permanente, reduzir os congestionamentos. São Paulo está começando a fazer isso com seu novo Plano Diretor”, aponta.
Rio de Janeiro agiliza transporte de massas
O Rio de Janeiro está entre as cidades com o maior número de intervenções na infraestrutura de transporte urbano. Somente os BRTs (Bus Rapid Transit) estão demandando investimentos de R$ 5,7 bilhões em quatro corredores expressos que, até 2016, deverão transportar 1,4 milhão de passageiros por dia. Nas linhas já inauguradas – Transoeste e Transcarioca -, o tempo de viagem foi reduzido em 60%, em média.
Carlos Maiolino, subsecretário de planejamento da secretaria municipal de transportes, explica que a prefeitura é responsável pelos modais rodoviários, enquanto os modais ferroviários – trens e metrô – são atribuições do Estado, que investe na melhoria dos trens urbanos e na extensão do metrô na linha 4, até a Barra da Tijuca.
Antes dos BRTs, os sistemas de alta capacidade limitavam-se a trens e metrô, com uma rede muito concentrada na zona norte e abrangendo os municípios vizinhos da Baixada Fluminense e parte da zona oeste com o ramal de Santa Cruz. Juntos, metrô e trens respondem por apenas 17% das viagens.
“Em 2016, quando todos os BRTs estiverem operando, o percentual de viagens em transporte de alta capacidade subirá para 55%, isso considerando apenas os passageiros que hoje utilizam transporte público. Se houver uma migração – que estimamos em 5% a 10% – de usuários de carros particulares e de táxi, esse número será ainda maior”, diz Maiolino.
A Transoeste foi a primeira linha expressa, inaugurada em 2012, com investimentos de R$ 1 bilhão. A via liga o Terminal Alvorada, na Barra da Tijuca, até Santa Cruz na zona oeste, onde faz um Y até Campo Grande. O sistema será estendido em 2016 até o Jardim Oceânico, na Barra, onde fará conexão com a nova linha 4 do metrô. Hoje a demanda total é de 180 mil passageiros por dia.
Já a Transcarioca, inaugurada este ano, consumiu investimentos de R$ 1,7 bilhão para ligar a Barra da Tijuca à Ilha do Governador (Aeroporto do Galeão) e é o primeiro corredor de alta capacidade no sentido transversal da cidade. O sistema já transporta 192 mil passageiros por dia, mas, ao final da implantação da terceira e última etapa, a expectativa é de que 320 mil pessoas utilizem o corredor.
A Transolímpica está prevista para o primeiro semestre de 2016 e a expectativa é que tenha uma demanda de 70 mil passageiros por dia. Está consumindo R$ 1,6 bilhão de investimentos para ligar os bairros Recreio dos Bandeirantes a Deodoro, percurso onde serão instalados os equipamentos olímpicos.
A Transbrasil deve ser inaugurada em 2017, com investimentos de R$ 1,4 bilhão no trecho que liga Deodoro à Zona Portuária. Já o traçado referente à chegada do BRT ao Centro encontra-se em detalhamento pela Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto (Cedurp).
“Fizemos um estudo no horário de pico pela manhã e constatamos que 195 mil pessoas chegam ao Centro por ônibus, 50 mil por carro e táxi, 35 mil por trem, 25 mil por metrô e 10 mil por barca. Com a Transbrasil, isso vai diminuir.”
Fonte: Valor Econômico, 27/10/2014