Como colocar o transporte ferroviário de volta aos trilhos?

Não é de hoje que o transporte ferroviário segue aos trancos e barrancos no Brasil. Durante décadas, as rodovias prevaleceram sobre os trilhos, que seriam uma opção muito mais adequada em um país com uma extensão territorial tão grande como o nosso. Resultado: temos uma malha de aproximadamente 29 mil km. Só para comparação, a África do Sul, que é pouco menor que o Pará, tem 31 mil km. Já nos Estados Unidos, a malha ferroviária tem 200 mil km de extensão.

Temos uma matriz de transporte equivocada, e isso afeta nossa capacidade produtiva e logística, segundo o economista Carlos Campos, técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas). “Embora a construção de ferrovias seja mais cara do que a de rodovias, depois de pronta, ela é uma alternativa bem mais econômica. De modo geral, o custo do transporte ferroviário chega a quase metade do preço do transporte rodoviário”, diz.

Mas como colocar a logística brasileira nos trilhos? Para Campos, a resposta depende de uma revisão do marco regulatório do setor ferroviário. Em entrevista ao site Caminhos para o Futuro, ele comentou as metas traçadas no PIL (Programa de Investimento em Logística). A segunda etapa do programa, lançada em junho deste ano, projeta investimentos de R$ 86,4 bilhões no transporte ferroviário – valor acima do previsto para rodovias (R$ 66,1 bilhões), portos (R$ 37,4 bilhões) e aeroportos (R$ 8,5 bilhões).

Quase metade do valor estimado para o setor ferroviário tem como destino a linha Bioceânica, que ligará o Centro-oeste e o Norte do Brasil ao Peru, o que permitiria escoar a produção agrícola para a Ásia por meio do Oceano Pacífico. Estima-se que a empreitada receba R$ 40 bilhões. Para que o plano se concretize, porém, é preciso que o setor privado manifeste interesse em estabelecer parcerias público-privadas. O problema, segundo Campos, é que, quando se fala de novas ferrovias, as empresas ainda não se sentem seguras no modelo de gestão proposto.

CPOF: Tendo em vista o setor ferroviário, como o senhor avalia a primeira fase do PIL (lançada em agosto de 2012)?

Campos: Antes, acho importante fazer uma retrospectiva histórica. Em 1997, o governo federal concedeu quase toda a malha ferroviária ao setor privado. Eram cerca de 30 mil quilômetros, ou seja, já era menos do que existia na década de 1950 – época em que se implantou o rodoviarismo, já que a construção de rodovias era mais fácil e prática do que de ferrovia. Houve alguma melhora operacional, mas sem ampliação da malha ferroviária.

Após 2007, com o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), a ideia passou a ser expandir essa malha com recursos públicos. Porém, as dificuldades foram muito grandes. Talvez não por falta de verba, mas por falta de planejamento, problemas com licenciamento ambiental, gestão de projetos, etc. Como não estava andando, decidiu-se passar para o setor privado, e veio o PIL. Para isso, foi preciso mudar o marco regulatório no setor ferroviário brasileiro. Nas primeiras concessões, a empresa era “dona” da linha e do material rodante [locomotivas e vagões]. Já para essa nova malha ferroviária, haveria uma separação: quem constrói a linha não é a mesma empresa que a opera. Mas o setor privado não teve confiança nessa ideia, e ela não foi para frente. O PIL avançou em relação aos aeroportos, mas o avanço foi zero na ampliação da malha ferroviária brasileira.

CPOF: Nesse sentido, o que pode mudar com a segunda etapa do PIL?

Campos: Não houve grandes diferenças. A ideia é a mesma: atrair investimento privado e fazer com que ele construa a expansão da malha ferroviária. Mas quem administraria a concorrência entre operadores seria a Valec [empresa pública vinculada ao Ministério dos Transportes]. E há uma desconfiança na capacidade de a Valec gerenciar esse projeto.

O setor privado construiria a nova linha férrea, o que significa um investimento pesadíssimo. A Valec contrataria empresas para operar essa via férrea. E, com a receita proveniente desse aluguel, pagaria quem construiu a linha. Mas o setor privado não confia que a Valec seja capaz de garantir que, caso não entrem recursos, ela bancaria a diferença.

Além disso, a crise fiscal dificulta o investimento público. O BNDS [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] também passa por dificuldades, e não tem a mesma situação para financiamento que tinha na primeira etapa do PIL. As perspectivas não são boas.

CPOF: Mas não existe já uma demanda para esses trechos? Em que linhas esse retorno financeiro é mais provável?

Campos: Para várias linhas já existe uma demanda assegurada. Há duas mais atraentes. A primeira é a expansão da Norte-Sul de Açailândia (MA) em direção a Barcarena (PA). Trata-se de uma linha para a qual já tem bastante estudo. A principal demanda seria para o transporte do minério de ferro produzido pela Vale, assim como da soja, que iriam para os portos perto de Belém [PA]. A segunda linha vai de Lucas do Rio Verde (MT) em direção a Campinorte (GO), para encontrar a ferrovia Norte-Sul. Essa região tem muita soja, o que viabilizaria o investimento.

CPOF: Como avalia a proposta da Bioceânica?

Campos: A Bioceânica é um conjunto de algumas dessas ferrovias, incluindo a que passa por Lucas do Rio Verde. Vários trechos estão em estudo, mas ainda é algo para daqui a muitos anos. Se a gente viabilizar a primeira parte [de Lucas do Rio Verde a Campinorte], seriam mais ou menos 900 km – trecho pequeno em relação ao total [estimado em 3.500 km]. E, se começasse agora, esse trecho só ficaria pronto no fim desta década. A Bioceânica seria uma opção para 2030, no mínimo.

CPOF: Algumas das maiores empreiteiras do Brasil estão sendo investigadas na Operação Lava Jato. Como isso afeta os planos para a ampliação da malha ferroviária?

Campos: Ter as principais empreiteiras do país envolvidas em um escândalo traz consequências para o PIL como um todo. Empresas que sempre estiveram à frente desses processos agora terão dificuldade para prestar serviço ao poder público. Como resposta, está sendo elaborado um projeto de lei para facilitar a participação de empresas estrangeiras no Brasil.

CPOF: Os chineses já manifestaram interesse pela Bioceânica, firmando acordos com o governo federal.

Campos: Sim, mas eu ainda não estou muito seguro da participação deles. Prefiro esperar um pouco.

CPOF: Se a malha ferroviária não for ampliada, quais os principais impactos econômicos para o país?

Campos: Vejo duas grandes consequências. Uma delas é um impacto enorme sobre o custo de transporte. Isso afeta nossa capacidade competitiva na exportação, principalmente de commodities. Em segundo lugar, o limite de malha leva a um limite da expansão produtiva no Brasil. A fronteira agrícola cresce rumo ao Norte, região que precisa de mais hidrovias e mais ferrovias. Se tivéssemos uma estrutura logística melhor, a produção agrícola teria crescido muito mais do que cresceu.

Fonte: Época Negócios, 12/11/2015

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