O governo tem feito uso intensivo e indiscriminado de recursos bilionários de fundos de telecomunicações, arrecadação que, por lei, deve cobrir apenas despesas ligadas às áreas de telefonia e comunicação. A comprovação do desvio financeiro foi levantada por uma recente auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
O relatório aponta uma série de situações em que os recursos foram aplicados em ações estranhas à finalidade original dos fundos, além de serem alvo de uma diferença gritante sobre os valores das arrecadações, quando confrontados os dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), responsável pela administração dos fundos, da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) do Ministério da Fazenda e da Secretaria de Orçamento e Finanças (SOF) do Ministério do Planejamento.
As informações da SOF apontam que o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) teria arrecadado R$ 16 bilhões entre 2001 e 2015, conforme dados fornecidos ao tribunal. Desse total, somente R$ 192 mil, ou 1,2%, teria sido aplicado em “universalização”, enquanto outros 14% foram usados em ações sem ligação com a missão do Fust.
“Embora as informações apresentadas não permitam identificar todas as ações em que foram empregados os recursos do Fust, pode-se concluir que R$ 10,14 bilhões, o que corresponde a 69,39% da arrecadação (medida pela STN), foram empregados em outros fins que não a universalização dos serviços de telecomunicações”, apontam os auditores.
Ao analisar a situação do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel), com dados disponíveis apenas entre 2010 e 2015, o TCU concluiu que o fundo passou a bancar uma série de contas sem ligação com o setor, em saques que totalizaram R$ 11,47 bilhões. Parte do dinheiro foi usado para bancar trechos de construção das Ferrovias Norte-Sul e Oeste-Leste, em 2010, projetos que são tocados pela estatal Valec.
Do Fistel saíram recursos para pagar a conta da “modernização e revitalização” de aviões da Aeronáutica em 2010, além de aposentadorias e pensões de servidores nos anos de 2012, 2013 e 2014. Os números da Fazenda e do Planejamento apontam que, do total de R$ 82,27 bilhões que teriam sido arrecadados pelo Fistel entre 1997 e junho de 2015, apenas R$ 4,09 bilhões, o equivalente a 4,97%, foram aplicados na fiscalização das telecomunicações.
Em setembro de 2014, um parecer do TCU reconheceu a possibilidade de uso mais amplo para recursos do Fistel, mas não em relação ao Fust, que deveria ser utilizado apenas para bancar iniciativas de ampliação das telecomunicações.
Historicamente, os dois fundos sempre foram alvos de críticas, por serem utilizados pelo governo apenas para engordar os cofres públicos e facilitar as metas para as contas públicas. O que a auditoria do TCU revela é que parte desses recursos tem sido frequentemente sacada sem a menor transparência.
Contradições.
Há divergências básicas sobre a administração do Fistel e do Fust, a ponto da Fazenda e do Planejamento baterem cabeça com a Anatel sobre a arrecadação. Ao tribunal de contas, o Tesouro declarou que a arrecadação bruta do Fistel chegou a R$ 82,2 bilhões entre 1997 e 2015. Nas contas da Anatel, o valor correto é de R$ 67,2 bilhões. Não há entendimento sequer sobre o saldo do fundo. Em 30 de junho de 2015, declarou a secretaria, havia R$ 15,5 bilhões na conta do Fistel. Já a Anatel enxergou R$ 64,8 bilhões no fundo.
A confusão se repete no Fust. Enquanto o Tesouro contabilizou R$ 16 bilhões de arrecadação entre 2001 e 2015, para a Anatel o resultado chegou a R$ 19,4 bilhões. A Anatel aponta uma execução de apenas R$ 192 mil do fundo, mantendo o saldo praticamente inalterado até junho deste ano, mas nas tabelas do Tesouro o Fust possuía somente R$ 4,72 bilhões.
Resposta.
Questionada sobre as divergências de dados dos fundos, a Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda informou que os valores de arrecadação do Fistel e do Fust passados ao TCU foram obtidos do Sistema de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi).
A respeito do uso indiscriminado de recursos, o Tesouro declarou que “as dúvidas quanto à destinação dos recursos devem ser encaminhadas à Secretaria de Orçamento e Finanças (SOF) ”.
Já a SOF, ligada ao Ministério do Planejamento, reafirmou os valores repassados ao tribunal e lembrou que o TCU, em processo de setembro, “reconheceu que é legal a aplicação de recursos do Fistel em despesas gerais do Tesouro e determinou à Anatel que passe a elaborar planejamento plurianual para embasar tais aplicações”. A secretaria não fez menção a respeito do uso de recursos do Fust.
Os mesmos questionamentos foram enviados à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que não se manifestou sobre o assunto.
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/12/2015
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