Com vagas para 40 pessoas, viagem custa entre R$ 170 mil e R$ 185 mil
Se no fim do século XIX o escritor francês Júlio Verne (1828-1905) calculou 80 longos dias de aventura para que o personagem Phileas Fogg desse a volta ao mundo, o argentino Pablo Bernhard, CEO da TT Operadora Lufthansa City Center, pretende realizar feito semelhante em 35 dias – valendo-se basicamente de trem como meio de locomoção. Desenhado ao longo de sete meses, o projeto será lançado na América Latina amanhã e prevê o embarque de 40 pessoas no máximo. Os passageiros terão de pagar € 39 mil (em torno de R$ 170 mil) por um assento na primeira classe ou € 42 mil (cerca de R$ 185 mil) pelo pacote VIP.
“Esta não é uma viagem apenas para aficionados por trens, mas para quem busca uma experiência única, que poderá ser lembrada por gerações”, afirma Bernhard, especialista da área ferroviária.
Marcada para ter início no dia 24 de agosto, a viagem dos sonhos de Sheldon Cooper (personagem da série televisiva “The Big Bang Theory”) começará a bordo do Sud Expresso na moderna estação do Oriente, projetada pelo arquiteto espanhol Santiago Calatrava em 1998, em Lisboa (Portugal), rumo a Paris (França). Na fronteira com a Espanha, a necessidade de troca de trem (é vez de partir em alta velocidade no TGV) servirá de desculpa para uma visita à cave Eguiazaval, com direito a almoço e degustação de vinhos. “Na volta, as malas já estarão devidamente reacomodadas no outro trem, como acontecerá em toda a viagem”, explica o executivo.
Como a atração é menos as cidades e mais as paisagens ao balanço dos vagões, a pausa na capital francesa não chega a um dia inteiro. Dali terá início a jornada pelo Leste Europeu. A bordo do Expresso Paris-Moscou, será percorrida em uma das mais longas rotas transeuropeias, passando por cinco países, entre eles Polônia e Bielorrússia, cuja entrada exige visto.
Durante duas noites será preciso fazer da cabine de 7 m2, com lavabo, chuveiro e cama de viúva (120 cm x 185 cm) – mordomias disponíveis na categoria VIP -, seu refúgio particular. Hora de recarregar as baterias absorvendo a paisagem, atualizar a leitura ou fazer novas amizades no bar ou no vagão-restaurante. “O trem dá uma possibilidade de locomoção e comunicação que não existe no avião ou no ônibus”, afirma Bernhard. Mas ele diz que tamanhos de bitola e modelos de máquina não são os únicos assuntos nessas horas, ainda que a cada estação seja praticamente impossível resistir à inspeção e aos registros fotográficos.
Antes de embarcar para a etapa mais aguardada da viagem, na lendária ferrovia transiberiana, será possível deslumbrar-se com a arquitetura russa e esticar o corpo confortavelmente no cinco estrelas Ararat Hyatt Hotel, ao lado da Praça Vermelha.
A jornada de 12 dias cruzando os Montes Urais percorre mais de 9 mil km em uma das áreas mais remotas do mundo, como Sibéria e extremo Oriente russo. Entre as paradas previstas no trajeto (algumas com pernoite em hotel) estão Iekaterinburgo, onde membros da última família imperial russa, os Romanov, foram executados pelos bolcheviques, em 1918; Irkutsk, cidade conhecida como a “Paris da Sibéria”, pelo comércio com a Mongólia e a China; o vilarejo de Listvyanka, às margens do lago Baikal, onde os corajosos poderão arriscar um mergulho nas águas geladas e degustar um típico churrasco russo; e Khabarovsk, cidade a apenas 30 km da fronteira chinesa.
“Temos guias falando em português para explicar a importância histórica da região e da ferrovia, que completa cem anos em 2016”, diz o executivo, que pretende contar com clientes vindos também do Chile, México, da Argentina e Colômbia.
O trem Rocky Mountaineer passa pelo lago Louise, no Parque Nacional de Banff, nas Montanhas Rochosas canadenses
A rota transiberiana termina em Vladivostok, uma das cidades mais fechadas até a dissolução da União Soviética, hoje grande polo cultural do Extremo Oriente. É de lá que o grupo dará um tempo nos trilhos para cruzar o Oceano Pacífico de avião até chegar em Vancouver (Canadá), ganhando 17 horas no cronograma graças à diferença de fuso horário. “Mesmo com um voo de quase 15 horas e uma conexão em Seul, vamos chegar em Vancouver no mesmo dia que partirmos da Rússia”, diz.
Um dia e meio para esticar as pernas em solo canadense – e de volta à estrada férrea. Desta vez, as estruturas clássicas de metal darão espaço à amplitude dos vagões panorâmicos do trem de luxo Rocky Mountaineer, que atravessa as Montanhas Rochosas até Kamloops e lago Louise. Ali, pausa para os homens, público-alvo do pacote, mostrarem seu lado mais selvagem no Parque Nacional de Banff (Patrimônio Mundial da Unesco). “As mulheres vão mais para fazer companhia”, afirma Bernhard.
Já em Jasper, após cruzarem a estrada cênica de Icefields de ônibus, será a vez de embarcar no trem The Canadian, da Via Rail, a caminho de Toronto. Destaque para as cabines Prestige, onde a cama de casal (a única da viagem fora de hotéis) fica colada à janela panorâmica, dando a impressão de que se flutua pela paisagem.
Da maior cidade do Canadá parte-se a bordo do Amtrak Maple Leaf rumo ao destino final, Nova York (EUA), passando pelas belezas do vale do rio Hudson, lago Finger e as proximidades das cataratas do Niágara. Um jantar em meio ao lago do Central Park encerra os 18 mil km rodados entre Europa e Ásia para América.
Caso a experiência dê certo, Bernhard pensa em criar novos pacotes de volta ao mundo, incluindo outras máquinas, paradas e rotas. “A cada ano podemos ter um roteiro com trechos inéditos”, diz.
Fonte: Valor Econômico, 16/02/2016