Vivendo uma crise de reputação sem precedentes e tendo boa parte de seus donos arrastada para o centro da Operação Lava-Jato, as gigantes nacionais da construção enfrentam outra séria ameaça para o futuro de suas atividades. Em situação de penúria orçamentária, a União e os Estados não celebraram um único contrato com as maiores empreiteiras do país em todo o ano passado. O jejum de novas obras públicas continua no primeiro trimestre de 2016 e potencializa o desemprego em um dos setores mais intensivos em mão de obra.
A reportagem do Valor consultou sete grandes construtoras sobre o número de contratos assinados com governos ou estatais desde o início de 2015. O teor das respostas foi unânime: zero.
Os dados publicados em seus últimos balanços indicam que Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, OAS, Galvão Engenharia e Constran têm pelo menos 31% de suas receitas no Brasil provenientes de obras públicas. Algumas chegam a ter mais de dois terços do faturamento atrelados a projetos das três esferas de governo.
Os efeitos da paralisia já são visíveis no mercado de trabalho: 175 mil vagas na construção pesada foram eliminadas no ano passado. Com isso, o contingente de empregados no setor recuou para os níveis mais baixos desde 2008.
Os tempos de grandes obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), estádios reluzentes para a Copa do Mundo e projetos bilionários de mobilidade urbana ficaram definitivamente para trás. Além da falta de oportunidades para abrir novos canteiros, as empreiteiras sofrem agora com atraso de pagamentos e uma sequência de rescisões contratuais.
Uma das construtoras afetadas foi a Andrade Gutierrez. A empresa saiu do consórcio responsável pela montagem eletromecânica da usina nuclear de Angra 3 e rescindiu o contrato para a execução de em um dos lotes da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol). Não deve parar por aí. Sua participação nas obras da Linha 17-Ouro do Metrô de São Paulo – o monotrilho que atenderia ao aeroporto de Congonhas – depende de uma improvável revisão do contrato.
“Em última instância, tememos pela destruição das empresas nacionais”, diz Pedro Celestino Pereira, presidente do Clube de Engenharia, instituição que congrega profissionais do ramo. Para o dirigente, é um erro encarar a dificuldade financeira das grandes empreiteiras como um problema localizado. O atual modelo de negócios facilita a ocorrência de um efeito-cascata. “Hoje elas são, acima de tudo, organizadoras de contratos. Subcontratam fornecedores, projetistas e construtoras menores.”
Celestino ressalta que o drama do setor se deve mais à crise fiscal do que aos desdobramentos da Lava-Jato. Por isso, ele defende mais moderação nos ajustes orçamentários e a retomada de obras públicas. “Ou muda a política econômica ou a indústria da construção pesada no país vai para o ralo”, alerta o presidente.
Para atenuar os efeitos da crise, uma das apostas tem sido buscar mais obras fora do Brasil. Algumas incursões deram resultado. A Odebrecht conquistou, no ano passado, contratos para a construção dos metrôs de Quito e da Cidade do Panamá. Para a OAS, um negócio fechado no Peru impediu que o ano tivesse passado em branco, mas não dá para comemorar. Trata-se de um projeto modesto: a reforma de uma praça no centro histórico de Lima.
Outras iniciativas esbarraram em dificuldades de financiamento e na piora da economia internacional. Empreiteiras que miravam negócios na Venezuela e em Angola, dois mercados tradicionalmente férteis para os grupos brasileiros, precisaram colocar o pé no freio. Com o tombo no preço do petróleo, esses países diminuíram o ritmo de contratações.
Outro exemplo de dificuldade no mercado externo é vivido pela Queiroz Galvão. Há anos o grupo tenta iniciar as obras da usina hidrelétrica de Tumarín, na Nicarágua, mas sofre com a falta de crédito. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) não aprovou o financiamento solicitado pela empresa, que tem a estatal Eletrobras como sócia no empreendimento.
O temor generalizado no mercado é com a “queima” dos contratos atuais com governos e estatais. Até agora, as receitas que entram no caixa das construtoras ainda refletem projetos em execução. À medida que essas obras forem sendo concluídas, a tendência é que o faturamento minguará se não houver reposição. “Quem não conseguir se equilibrar com obras do setor privado ou em outros países, corre o risco de quebrar”, comenta o executivo de uma grande empreiteira.
A Constran, do empresário Ricardo Pessoa, já sofre com a queda no fluxo de pagamentos dos governos. Ela está à frente de duas obras da Valec: um lote da Fiol e outro da Ferrovia Norte-Sul. Para manter o cronograma original dos contratos, deveria receber da estatal entre R$ 20 milhões e R$ 30 milhões por mês, dependendo do ritmo de execução. Em 2015, porém, os pagamentos registraram uma média mensal em torno de R$ 15 milhões. Neste ano, baixaram para cerca de R$ 5 milhões. A duplicação de um trecho da BR-116 no Rio Grande do Sul, contratada pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, também avança com lentidão.
Ex-ministro de Infraestrutura (governo Collor) e com experiência de décadas no setor, o presidente da construtora, João Santana, explica que as empresas sempre trabalharam com atrasos nos pagamentos do setor público e adaptavam o caixa a essa dinâmica. Agora, os bancos estão mais restritivos com as empreiteiras e têm liberado menos financiamento. “Hoje ninguém tem capital de giro”, diz o executivo, referindo-se à dificuldade das empresas para suportar os atrasos.
No caso da Constran, as obras privadas têm sido a salvação da lavoura. Elas já representam 60% do faturamento – eram 50% até 2014 – e estão com tendência de crescimento. A empreiteira toca a hidrelétrica de São Manoel, que está sendo erguida no rio Teles Pires, cuja concessão foi arrematada pela EDP. Também faz parte do consórcio que executa a Linha 6, primeira do Metrô de São Paulo 100% privada desde o início da construção.
Com exceção de São Paulo e do Rio de Janeiro, em reta final de preparação para a Olimpíada, outros Estados e municípios não têm recursos próprios para novos empreendimentos de infraestrutura. “Quase todo mundo depende de repasses ou financiamentos federais”, conclui Santana.
Fonte: Valor Econômico, 21/03/2016
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