O Rio passou por uma metamorfose urbana para receber as Olimpíadas de 2016. Tão grande que, se algum desavisado voltasse à cidade após uma ausência de cinco anos e desembarcasse na Região Portuária, estranharia a falta do Elevado da Perimetral. Também se surpreenderia ao saber que, em breve, um moderno bonde elétrico circulará pelo Centro e que o metrô chegará à Barra da Tijuca. Para que todas essas transformações fossem possíveis, 43 mil trabalhadores foram contratados, de acordo com a prefeitura, nos últimos anos.
Eles construíram pistas exclusivas para ônibus, revitalizaram a área do Porto e ergueram as arenas olímpicas. Só na Linha 4 do metrô, a maior obra em andamento na América Latina, quase dez mil operários atuaram, num certo momento, para tirar do papel a ligação subterrânea entre Barra e Ipanema. Mas, a menos de quatro meses do início dos Jogos e com a economia em crise, a euforia dos numerosos canteiros virou dor de cabeça para governo e trabalhadores. Os últimos dados do Ministério do Trabalho mostram que, em fevereiro, foram demitidos 212 mil empregados da construção civil no Estado do Rio. Entre contratações e saídas, houve um déficit de 36 mil vagas — o pior resultado entre todos os estados.
Só no metrô, atualmente, cerca de sete mil fazem contagem regressiva para a conclusão da obra — e, quem sabe, para o desemprego. Para onde levar tanta gente quando tudo estiver pronto? O fim da linha se aproxima, e há apenas uma certeza: ninguém tem a resposta. Apesar do cofre vazio, o governo estadual acena com a possibilidade de empregar parte desse contingente na expansão do metrô para a Gávea. Outras opções seriam a expansão da Linha 2 (que iria do Estácio à Praça-Quinze) e a abertura da Linha 3 (Niterói-São Gonçalo). Em alguns projetos, o estado espera contar com a participação da iniciativa privada.
O mestre de obra Inaldo dos Santos, de 65 anos, que atua na Linha 4, juntou dinheiro a vida toda justamente para um momento como o atual:
— A obra não é para sempre. Eu me preparei para ficar um período sem trabalho. Ao lado da minha mulher e da minha filha, pretendo abrir uma loja de bolo. Vou tirar dali meu sustento. A seguir, colegas de Inaldo nas obras do metrô contam quais são as suas expectativas com o término iminente dos trabalhos.
Antônio Lustosa, de 46 anos
Cansado de lidar com a enxada na lavoura e amargurado com a falta de perspectivas, Antônio Lustosa decidiu partir para o Sudeste, em 1988. Após três dias a bordo de um caminhão, o jovem de 18 anos viu sua pequena Batalha, no Piauí, ficar para trás. Sozinho, apenas com a mala e a coragem, começou a procurar emprego em São Paulo. Só com o curso primário, conseguiu uma chance num canteiro de obras. No princípio, como ajudante de pedreiro, mas logo achou seu lugar como operador de guindaste. Destacou-se na função, o que lhe rendeu convites para rodar o Brasil de um extremo a outro. Em 2012, chegou ao Rio para trabalhar na expansão do metrô. Faltando três meses para o fim da obra, a empolgação de uma vida dedicada às construções diminuiu. Pela primeira vez em 46 anos, ele não sabe para onde vai quando a obra acabar:
— Minha preocupação é que nunca vi um futuro tão sombrio quanto agora. A obra sempre foi tudo na minha vida. Dela tirei o sustento da minha família e o dinheiro para pagar a faculdade de engenharia do meu filho. Estou de mão atadas.
Wallace Mesquita, de 32 anos
Sentado nas escadas que dão acesso à futura estação Antero de Quental, no Leblon, o carpinteiro Wallace Mesquita conta que está preparando as malas para ir para Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, dias antes das Olimpíadas. Faixa preta de jiu-jítsu, ele tem amigos professores da modalidade no Oriente Médio:
— Não vou ficar aqui esperando aparecer vaga. Preciso pensar na minha família. Se eu ficar no Brasil, vou trabalhar em que obra? Não há nada, o país está parado — diz ele, morador da Rocinha, casado e pai de dois meninos. — Vou para Abu Dhabi mudar minha vida dando aula de jiu-jítsu. Vou ganhar em dólar, fazer algo de que gosto. Só volto para obra se tudo der errado.
Jéssica Oliveira, de 24 anos
Se a crise coloca o futuro em xeque, a cabeça dos operários se tornou um terreno fértil de ideias para sobreviver longe de máquinas e ferramentas. Como sonhar é de graça, fantasia-se com tudo. Jéssica Oliveira é daquelas que se veem com aptidão para muitas atividades profissionais. Levada por uma amiga para o programa Jovem Aprendiz, do Senac, a moradora do Complexo do Alemão aprendeu a montar circuitos elétricos e participou dos trabalhos de modernização do Maracanã. De lá, foi para a obra da Estação Nossa Senhora da Paz do metrô. O que fazer após a conclusão da Linha 4?
— Quero virar empresária para poder ajudar os jovens que têm vontade de estudar. Mas meu sonho é ser atriz. Enquanto isso, preciso ficar empregada. Tenho que sobreviver à crise — diz.
Antônio Pereira, de 56 anos
Se entre os soldadores Antônio Pereira é considerado um dos melhores, como “contador de causos” o piauiense é soberano. Seu currículo, além de obras nas cinco regiões do país, inclui a honra de ter sido escolhido para dar o primeiro chute no jogo inaugural do novo Maracanã, em 2014 — “Saí do município de Capitão de Campos para brilhar pelo mundo”, conta. Para fazê-lo parar de sorrir, basta perguntar sobre o seu futuro:
— As coisas precisam melhorar. Escuto muito falar de vagas que vão ser abertas, mas pode ser que isso não aconteça. Quero continuar soldando e ensinando o ofício aos mais novos. Não quero ficar parado.
Fonte: O Globo, 17/04/2016
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