Com o megaprojeto da Transnordestina na berlinda, o empresário Benjamin Steinbruch deflagrou pessoalmente uma ofensiva para evitar a intervenção do governo na ferrovia. Ele esteve na semana passada com o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, para fazer um apelo pela liberação imediata de R$ 300 milhões do Fundo de Investimentos do Nordeste (Finor) ao projeto.
Mal recebido na área técnica, o pedido inicial de novos aportes detonou uma ameaça de intervenção pelo Ministério dos Transportes. Sócia com 41,4% das ações, a estatal Valec enviou ofício à Transnordestina alertando que o atendimento do pleito na primeira quinzena de outubro, prazo dado pela empresa, violava suas regras internas e não poderia contar com respaldo jurídico.
Após a gestão de Steinbruch no Palácio do Planalto, segundo fontes oficiais, o Finor poderia liberar pelo menos R$ 153 milhões. O valor, que corresponde a cerca de metade do inicialmente pedido, serviria para o pagamento de serviços já executados na obra da Transnordestina. A liberação dos recursos daria um pequeno fôlego à empresa, mas está longe de solucionar o atraso crônico nas obras, que deveriam ter ficado prontas em 2010 e agora estão com entrega prevista para 2020.
Por ordem de Padilha, que quer um diagnóstico completo da situação do empreendimento, a Casa Civil fez reunião ontem à tarde com secretários de três ministérios e executivos da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), controladora da Transnordestina. Também foram chamadas autoridades do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) e da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Os técnicos do governo receberam um relato detalhado da CSN, mas chegaram à conclusão praticamente consensual de que Steinbruch não será mais capaz de viabilizar uma solução definitiva para terminar de vez as obras da ferrovia.
Diante da constatação, trabalha-se no Planalto com a expectativa de que o empresário possa usar uma medida provisória que trata de concessões problemáticas e está em reta final de elaboração para devolver o projeto à União. Ele seria indenizado pelos investimentos já realizados e a ferrovia poderia ser relicitada. Para o governo, a vantagem é evitar um arrastado processo de caducidade da concessão, que pode consumir meses de tramitação na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Dependendo dos termos da MP e da proposta de indenização, essa saída é vista como plausível pela CSN, conforme apurou o Valor.
Não houve discussões específicas sobre a possibilidade de devolução do projeto nas conversas de ontem entre governo e empresa, mas essa foi a saída apontada como “melhor caminho” para a Transnordestina por três autoridades diferentes que participaram da reunião na Casa Civil.
De acordo com assessores presidenciais, a CSN não apresentou “propostas críveis” para avançar nas obras. Um exemplo do impasse foi dado para o trecho da ferrovia que desemboca no Porto de Pecém (CE). A conclusão das obras requer investimentos de mais R$ 3 bilhões. O termo de ajustamento de conduta firmado entre a ANTT e a Transnordestina, em 2013, divide quase meio a meio os investimentos nesse trecho: o governo financiaria R$ 1,6 bilhão, basicamente com fundos regionais, e a CSN colocaria R$ 1,4 bilhão em recursos próprios.
“É verdade que não cumprimos rigorosamente a nossa parte”, diz um alto funcionário do governo, referindo-se à liberação de dinheiro dos fundos, “mas não dá para vislumbrar mais recursos próprios da CSN sendo aportados na Transnordestina”.
Outro auxiliar do governo que participa das discussões diz que a tendência é dar uma “solução definitiva” ao caso e vê a retomada “amigável” da concessão como caminho mais lógico, mas deixa claro: “No fundo, quem vai decidir isso é o dono da CSN e o presidente Michel Temer”. Com base no que foi apresentado ontem, a área técnica encaminhará uma proposta aos ministros, que devem deliberar sobre o assunto nas próximas semanas. Se houver entrega dos ativos, a Transnordestina poderá ser relicitada.
Um dos pontos que dificulta a entrada de eventuais novos sócios na concessão atual e desestimula o aporte de recursos pela CSN, segundo diagnóstico feito pelo governo, é de que a taxa de retorno do projeto ficou completamente defasada. Ela foi definida, no passado, em 6,75% ao ano.
Para concluir o empreendimento, o governo estima a necessidade de mais R$ 5 bilhões em investimentos. No novo acordo que tentava costurar com o governo, a empresa previa a entrega do trecho entre a cidade Eliseu Martins (PI) e o porto de Suape (PE) em 2019 e concluiria no ano seguinte o ramal que liga o município de Salgueiro (PE) ao porto do Pecém (CE). Com 55% de execução até agora, o projeto contempla 1.728 quilômetros de trilhos e era uma das estrelas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Fonte: Valor Econômico, 14/10/2016