RIO – Após presenciar dois assaltos este ano, o engenheiro Jorge Silveira disse que nunca mais andaria de ônibus no Rio. Desde então, só usa metrô. O geólogo Sílvio Costa não se acostumou com as mudanças nas linhas de ônibus e optou pelo trem. A comerciante Maria da Conceição ia de ônibus para o trabalho, mas ficou desempregada. Para quem é usuário do sistema de ônibus no Rio, o cenário está diferente: por motivos variados, há menos passageiros nos pontos querendo embarcar.
Mais de três milhões de cariocas usam ônibus diariamente. Mas o sistema, impactado principalmente pela crise econômica, está vendo o número de passageiros cair à medida que o desemprego cresce — no Rio, a taxa está em 12%, segundo o IBGE. Já o trem e o metrô estão contrariando a lógica dos transportes em tempos de crise, beneficiados por uma eventual migração de passageiros.
De acordo com a prefeitura, entre janeiro e setembro de 2015, houve 969 milhões de embarques nos coletivos municipais. Este ano, no mesmo período, foram 920 milhões — quase 50 milhões a menos. Já o metrô quase bateu a marca de oito milhões de embarques entre janeiro e setembro deste ano, contra 7,5 milhões no mesmo período do ano passado. O trem também não saiu dos trilhos durante a crise: nos nove primeiros meses, ultrapassou os seis milhões de embarques, contra 5,8 milhões em 2015. Tanto o metrô quanto o trem registraram crescimento em praticamente todos os meses deste ano.
— Os manuais de economia ensinam que o desemprego acentua a queda de usuários nos transportes. O que é diferente neste cenário é que o metrô e o trem não perderam passageiros. Isso indica que houve migração de passageiros entre modais — analisa o engenheiro de transporte Alexandre Rojas, professor da Uerj. — Sobre os coletivos, é preciso entender o que está por trás da migração que ocorreu para além da crise financeira no país. O sistema passou por alterações que podem não ter sido bem digeridas pela população.
Em outubro do ano passado, as linhas municipais sofreram uma transformação radical. Foram extintas 51, que deram lugar a 25 novas. Outras 26 tiveram seus trajetos alterados ou encurtados. As mudanças, na época, provocaram uma enxurrada de críticas de usuários, que reclamavam não terem sido ouvidos sobre as alterações. Os protestos surtiram efeito. Meses após as mudanças, a prefeitura foi obrigada a rever inúmeras decisões. Só que alguns passageiros não retornaram.
— O usuário quer praticidade. Se a mudança o prejudicou, ele vai procurar uma saída o mais rapidamente possível para que sua mobilidade não seja alterada — diz Edmilson Varejão, pesquisador do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da FGV. — Em muitos casos, não adianta voltar a atrás depois que o passageiro se acostumou à nova realidade.
O que ocorreu com as linhas que tiveram seus trajetos modificados ou encurtados serve como exemplo. Pela proposta inicial da prefeitura, a linha 410 (atual Saens Peña-Gávea) passaria a sair da Tijuca, indo até a Praia de Botafogo. Lá, o passageiro que quisesse seguir até a Gávea teria que pegar outro ônibus. A prefeitura recuou e manteve os pontos de partida e chegada originais, alterando, no entanto, o itinerário.
— Eu passei a usar o metrô porque, de uma hora para outra, fiquei perdida no meio de tantas mudanças — conta a publicitária Fernanda Assumpção, que usava a linha 413 (Muda-Leblon), que virou 213 (Muda-Castelo).
Já a aposentada Odete Ramos Batista, que mora em Vila Isabel, afirma que o tempo de espera depois das mudanças dos ônibus aumentou.
— Quando estou com pressa, não fico no ponto esperando. Pego um táxi até o metrô e de lá sigo para a Zona Sul — diz a aposentada.
Para especialistas, a escalada da violência na cidade também tem uma parcela na migração de passageiros, principalmente para o metrô. De acordo com o último boletim trimestral publicado pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), houve 1.433 assaltos a coletivos, de janeiro a março deste ano, na capital, contra 1.183 no mesmo período de 2015 — um crescimento de 17%.
— A vulnerabilidade dos ônibus fica evidente quando a violência aumenta. Quem tem a opção de trocar de modal, acaba optando pelo metrô — afirma o cientista político Eurico Figueiredo, diretor do Instituto de Assuntos Estratégicos da UFF.
Seja qual for o motivo da troca, se a migração continuar, as linhas férreas poderão reassumir o protagonismo no transporte, após longo período de domínio dos ônibus. O que se vê na cidade são opções para que esse número aumente. O VLT, inaugurado no meio do ano, quando estiver com o sistema completo, poderá transportar mais de 300 mil passageiros por dia. Mesmo número da Linha 4 do metrô, que entrou em operação no final de setembro.
Ao mesmo tempo, houve uma melhora no trânsito de algumas das principais vias do Rio. A Estrada Lagoa-Barra, por exemplo, teve ganho de 33% na velocidade média entre 2009, quando ainda não havia obras olímpicas, e 2016.
EFEITO DAS OBRAS PARA OS JOGOS
O secretário municipal de Transportes, Alexandre Sansão, admite que houve migração no sistema, mas que isso era algo planejado pela prefeitura. Ele também fala que a melhora no trânsito pode ser um incentivo ao uso do carro particular.
— Uma de nossas metas era aumentar o percentual de pessoas transportadas em modais de alta capacidade (metrô, trem e BRT). Hoje, 45% dos usuários de transporte público utilizam modais de alta capacidade, contra apenas 20% em 2008. Isso foi possível porque criamos um sistema capaz de fazer as integrações — argumenta Sansão. — Espero que a melhora no trânsito não incentive a população a usar o carro. É uma tentação, mas isso pode ser revertido com mais investimento em transporte de qualidade.
O Rio Ônibus, sindicato que reúne as empresas do município, estima uma queda de passageiros ainda maior, entre 5% e 10%, e atribui o problema não só à crise econômica, mas também às obras olímpicas, que pioraram o trânsito da cidade, afastando os passageiros dos coletivos.
A concessionária Metrô Rio disse que teve aumento de demanda no primeiro semestre de 2016 em função das obras do Centro, mas que agora houve uma desaceleração no crescimento. Já a SuperVia afirmou que o sistema ferroviário experimentou um crescimento que não ocorria há anos e atribuiu o fenômeno às melhorias no sistema. A CCR barcas justificou a perda de passageiros pela crise econômica.
Fonte: Jornal Extra, 11/12/2016