RIO – A história de uma bruxa prejudicou, na década de 1930, o desenvolvimento de Éden, bairro carente de São João de Meriti. Mas esta superstição será atropelada se o projeto de VLT ou BRT na Baixada Fluminense, em estudo de viabilidade, for concretizado até 2020. A linha prevista, paralela ao atual ramal de cargas de Santa Rita operada pela MRS Logística, segue por 18 quilômetros entre a Pavuna — passando por Éden — e o Arco Metropolitano, em Nova Iguaçu. O investimento, estimado em pelo menos R$ 600 milhões, pode dar um grande impulso ao progresso da região, beneficiando 400 mil pessoas no Rio, São João de Meriti, Belford Roxo, Mesquita e Nova Iguaçu.
O estudo de viabilidade, com duração de 90 dias, deverá ser concluído até 12 de maio. O custo de 300 mil euros (o equivalente a R$ 1 milhão) é bancado pela Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD). O levantamento é executado pelo consórcio Systra/Tectran (especializado em mobilidade) e o Atelier Parisien d’Urbanisme (Apur), responsável pelo planejamento na Grande Paris. É a primeira vez que o escritório francês atua na Baixada Fluminense.
A Câmara Metropolitana de Integração Governamental, secretaria do Estado que busca unificar ações dos municípios da Região Metropolitana, aguarda a definição sobre qual o cenário, entre os três analisados, é o mais adequado. No primeiro, a área do transporte de cargas é duplicada e se acrescenta o transporte de passageiros em linha paralela e independente. No segundo, preserva-se o transporte de cargas e se adota, em sua margem, um transporte de média capacidade, como o VLT ou o BRT. O último cenário prevê o deslocamento do ramal de cargas de Santa Rita para o antigo ramal Ambaí-São Bento, liberando o trecho exclusivamente para passageiros, além de abrir espaço a empreendimentos imobiliários.
— Estamos apostando mais no segundo cenário, mais pé no chão. Em princípio, tem maior viabilidade de ser implementado. Creio que este projeto é de maturação para dois ou três anos — acredita o diretor-executivo da Câmara Metropolitana, Vicente Loureiro, convicto da complexidade da terceira opção.
REGIÃO DEGRADADA
Se efetivamente for implementada, a linha Pavuna-Arco Metropolitano será um duro golpe na Maldição da Bruxa. A região é hoje bastante degradada e muito carente, com muito lixo acumulado na margem da linha férrea. A instalação de um novo sistema de mobilidade é fundamental para a recuperação da área.
As estimativas iniciais apontam para uma economia de 40 a 50 minutos no tempo de deslocamento dos moradores. As estações modais previstas atendem aos principais bairros, como Pavuna, Éden, Coelho da Rocha, Miguel Couto e Adrianópolis. Mas estão previstas ainda estações menores entre elas. A proposta é propiciar a integração com o metrô, na Pavuna, e o trem da SuperVia, em São João de Meriti.
A Câmara Metropolitana considera que as melhorias levariam à valorização de terrenos e atrairia investimentos, como o do ‘Minha Casa, Minha Vida’, além de expandir o comércio e a geração de serviços.
PREFERÊNCIA
O VLT ganha a preferência justamente por representar maior potencial na recuperação de áreas degradadas. Exemplos de modelos adotados em Medellin e em Bogotá, na Colômbia, e na Grande Paris, foram apresentados em encontros organizados pela Câmara Metropolitana com representantes das prefeituras da região.
— O VLT tem um caráter muito emblemático, de dar significado, valorização, mexer com a autoestima. O BRT também pode fazer isso. Mas acho que o VLT pode mais ainda. Ao cabo, o que vai pesar mesmo é o que tem maior viabilidade técnica, econômica e jurídica — defende Vicente Loureiro.
O interesse da agência de fomento francesa em patrocinar o estudo está na possibilidade de a escolha recair sobre o VLT. É que empresas francesas — se o projeto sair mesmo do papel — poderão ganhar eventual licitação e fornecer as composições e o sistema de operação.
CUSTOS PRELIMINARES
Após a definição do projeto, a Câmara Metropolitana terá de costurar o financiamento para a obra. Com os cofres do estado vazios, porém, a esperança é obter os recursos necessários sobretudo no regime de parceria público-privada (PPP).
— Pretendemos que o investimento seja o máximo possível em PPP ou Operação Urbana (intervenções coordenadas pelo poder executivo com a participação de agentes públicos e privados), para que possamos atrair a iniciativa privada, como no Porto Maravilha — explica Vicente.
Em levantamento preliminar, admite-se um custo médio de R$ 30 milhões por quilômetro para um projeto de BRT de grande porte. Para o VLT, o custo é maior: R$ 40 milhões. Estima-se que as instalações custariam R$ 600 milhões no caso do BRT e de R$ 800 milhões, no do VLT. Estes valores não consideram, porém, os gastos com as compras dos veículos nos dois modelos, além de outras intervenções, que podem aumentar muito os gastos.
BRUXA DE ITINGA
O transporte de passageiros no ramal de Pavuna a Santa Rita não é novidade. A linha foi utilizada inicialmente por passageiros na primeira metade do século passado.
Foi justamente neste período que surgiu a lenda da Bruxa de Itinga. Itinga era o nome antigo de Éden, então parte de Nova Iguaçu. Como interventor do município, o deputado Manoel Reis, entre 1932 e 1935, sugeriu a mudança do nome depois de o boato sobre a aparição de uma bruxa ter deixado o lugar mal falado.
Uma das versões é de que um corretor de imóveis teria divulgado a existência de uma bruxa e simulado pegadas estranhas durante uma noite para chamar a atenção sobre um loteamento. Ele teria disponibilizado ônibus para trazer eventuais compradores, mas as pessoas só teriam se interessado em ver o lugar onde vivia a Bruxa de Itinga.
A versão defendida pelo historiador Gênesis Torres é de que tudo não passou de um mal-entendido. Uma mulher idosa, que possivelmente usava uma bengala teria deixado marcas em suas caminhadas noturnas, dando origem à lenda sobre as andanças de uma velha bruxa no bairro.
— Na verdade, era uma senhora que usava um cajado, com pé de bode. Deixava marcas no chão quando saia à noite. A região era pantanosa. O pessoal dizia que era a bruxa — conta Gênesis.
Sem vender nenhum terreno, o loteador teria se queixado ao interventor, que propôs trocar o nome por um outro com origem bíblica para acabar com a fama ruim. Pensou-se em Jardim Paraíso, mas já havia uma localidade com o mesmo nome em Nova Iguaçu. Optou-se, então, por Éden.
Gênesis questiona a versão sobre o empreendedor ter criado a lenda para vender lotes. Em suas pesquisas não encontrou provas. A lenda, porém, prosperou. O próprio historiador já recebeu oferta inusitada para se dar um basta na maldição da Bruxa de Itinga, que até hoje atrasaria o desenvolvimento do bairro.
— Um pastor me chamou para um culto. Garantia que tinha o poder de tirar a maldição da bruxa sobre o Éden. Nem respondi — diz Gênesis, indignado.
Fonte: O Globo, 15/03/2017
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