Governo dá partida a leilões da Ferrogrão e da Norte-Sul

Embalado pelo sucesso dos últimos leilões de aeroportos e terminais portuários, o governo entra agora na etapa mais desafiadora do programa de concessões em infraestrutura de transportes. As minutas de edital e contrato de duas ferrovias – a Ferrogrão e a Norte-Sul – serão colocadas em audiência pública até meados de junho com incentivos para atrair investidores privados.

O plano do governo é recolher contribuições dos interessados, buscar um sinal verde do Tribunal de Contas da União (TCU) e licitar os dois projetos no segundo semestre. Apesar da disposição em seguir todos os trâmites, há ceticismo no Palácio do Planalto quanto à perspectiva de sucesso no leilão da Ferrogrão, mas foi detectado o interesse firme de três grupos na Norte-Sul. Como a extensão da ferrovia já foi praticamente concluída pela estatal Valec, com recursos públicos, haverá cobrança de outorga na disputa. O valor ainda não foi definido, mas a expectativa é de algo entre R$ 1 bilhão e R$ 1,5 bilhão.

Com base em um projeto apresentado originalmente por um conjunto de grandes tradings do setor agrícola e pela Estação da Luz Participações (EDPL), o governo oferecerá um contrato de 65 anos para quem ficar com o direito de construir e explorar a Ferrogrão. A ferrovia, que deve ligar Sinop (MT) a Miritituba (PA), foi orçada em R$ 12,6 bilhões.

Além de um prazo contratual bem maior do que as demais concessões, outro estímulo importante será dado ao futuro concessionário do empreendimento. Ele terá pelo menos três décadas de exclusividade nas operações, depois de terminada a obra, sem a obrigação de abrir os trilhos para os “operadores ferroviários independentes”, conhecidos no mercado pela sigla OFI. Trata-se de uma figura ainda incipiente, que permite a empresas comprar trens e prestar serviços usando a malha de qualquer concessionária, mediante pagamento do direito de passagem.

Técnicos do governo estudam ainda um mecanismo de proteção cambial. Não está descartada a dolarização de parte das tarifas da Ferrogrão, já que ela se dedicaria essencialmente ao transporte de grãos cotados em moeda estrangeira. Por isso, a avaliação oficial é de que o projeto merece ser tratado de forma diferente de rodovias e aeroportos, cujas tarifas aos usuários não podem sofrer variações com uma desvalorização abrupta do real.

“O projeto está mais do que maduro para ser colocado na rua”, diz o presidente da EDLP, Guilherme Quintella, que apresentou a ideia da Ferrogrão ao Ministério dos Transportes em 2012 e entregou recentemente uma revisão geral dos estudos de viabilidade. “É um empreendimento que pode mudar a cara do agronegócio no Brasil”, defende.
Mesmo com todos os ajustes já feitos, o governo vê com cautela as chances de sucesso no leilão da ferrovia. Segundo fontes oficiais, o grupo de tradings responsável pela concepção do projeto – ADM, Bunge, Cargill, Louis Dreyfus e Amaggi – junto com a EDLP demonstra pouco ânimo em participar como acionista majoritário e enfrenta dificuldades para encontrar um sócio relevante. “Não conseguimos sentir tanto apetite. O negócio delas é comprar e vender grãos. São empresas com muito capital de giro, mas que não querem colocar tanto equity”, diz uma autoridade.

De fato, conforme Quintella, a intenção do consórcio formado para desenvolver o projeto é ter entre 25% e 40% do capital total da sociedade. Ele enfatiza, no entanto, que há potenciais investidores interessados. Tanto é assim que um “road show” do grupo por Ásia, Europa e Estados Unidos começa na próxima semana a fim de buscar mais parceiros.

Quintella confia no sucesso de um leilão da ferrovia, mas faz uma ponderação. Para ter retorno adequado, capaz de compensar os riscos de engenharia e atrair esses parceiros, o futuro concessionário precisa de exclusividade na operação por todos os 65 anos de contrato. “Isso permitiria uma TIR de 10,6%. Se diminuir para 35 anos, a taxa de retorno cai para um dígito”, compara.

No sentido oposto, há confiança cada vez maior do governo em que o leilão da Norte-Sul será exitoso. Três grupos entraram no radar do Planalto como prováveis concorrentes. Um deles, a VLI, já opera trecho da ferrovia entre os municípios de Palmas (TO) e Açailândia (MA). Outro é a RZD Russian Railways, estatal com uma malha de 85 mil quilômetros na Rússia, que contratou o economista Bernardo Figueiredo como representante no Brasil. O terceiro grupo interessado é nacional e já atua em infraestrutura logística.

Além do pagamento de outorga, o vencedor do leilão precisará aplicar quase R$ 800 milhões em sinalização, sistemas de comunicação e adequação de pátios na Norte-Sul. O contrato deve ter 35 anos de duração, mas o martelo ainda não foi batido e depende de um pente-fino nos estudos.

Em construção pela Valec desde a década de 1980, a Norte-Sul tem um segundo trecho pronto – entre Palmas e Anápolis (GO) – e que foi inaugurado pela ex-presidente Dilma Rousseff, mas nenhum trem circula por lá. Está quase concluído, com mais de 90% das obras executadas, sua extensão até Estrela D’Oeste (SP).

Uma pecularidade, no entanto, afeta o futuro do projeto. Como não deságua diretamente em nenhum porto, os trens precisam entrar na malha ferroviária de outras concessionárias para escoar suas cargas. “O fator crítico de sucesso no leilão da Norte-Sul é a regulamentação do direito de passagem”, afirma Bernardo Figueiredo, ex-presidente da Empresa de Planejamento e Logística (EPL), que confirma o interesse da RZD em entrar na disputa.

Ao norte, os trens desembocam na rede da VLI. Ao sul, têm que passar pela Malha Paulista, que é operada pela Rumo e tem um pedido de renovação do contrato por 30 anos tramitando na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Pelos termos da prorrogação, a Rumo ficará obrigado a abrir seus trilhos para apenas dois trens por dia oriundos da Norte-Sul, que precisam atravessar a Malha Paulista para chegar ao porto de Santos (SP).

Isso significa algo próximo de 3 milhões de toneladas anuais, o que corresponderá a menos de 5% da capacidade total com as obras de ampliação que a Rumo se compromete a fazer. “Precisamos saber quantos trens poderão passar, que desempenho vão ter e quanto se pagará por isso”, esclarece Figueiredo, apontando a necessidade de solução para o assunto. Sem isso, segundo ele, haveria uma assimetria na concorrência com a Rumo e com a VLI.

“Do jeito que está colocada a questão, não resolve o problema. Não dá para entrar na concessão da Norte-Sul e só depois resolver o uso da malha”, completa o ex-presidente da EPL. “Mas os russos têm interesse e acreditam na promessa feita pelo governo de que será dado um tratamento adequado para essa questão.”

Fonte: Valor Econômico, 15/05/2017

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