A recente recomendação do Ministério Público Federal (MPF) para anulação das Audiências Públicas agendadas pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) sobre a “Ferrogrão” (EF-170), trouxe à luz questões muito relevantes acerca da governança da nossa sociedade, bem colocadas em recente artigo publicado por Frederico Bussinger (‘Ferrogrão’ traz à baila uma governança engripada – www.antp.org.br em 18/11/2017).
Gostaria de explorar rapidamente aqui outra questão igualmente importante e que necessariamente deve ser enfrentada, quando se trata dos grandes empreendimentos ferroviários atualmente na ordem do dia, sejam eles greenfield ou sejam renovações de concessões em curso.
Tais empreendimentos devem ser previamente dotados de uma clara e inequívoca demonstração de seus benefícios a toda sociedade, em especial às suas respectivas partes interessadas lindeiras – aqueles que já vivem nas proximidades da ferrovia ou da futura ferrovia – que serão por elas, espera-se, positivamente afetados.
Para os moradores das localidades lindeiras à Ferrogrão, Ferrovia Paraense, Ferrovia Norte-Sul ou da Malha Paulista, só para citar alguns exemplos, quais são os benefícios palpáveis e diretos trazidos pela sua implantação ou renovação da concessão do serviço?
Isto precisa ser claramente demonstrado. Não basta divulgar a diminuição do “Custo Brasil” com o aumento da eficiência logística ou com economia de energia e o crescimento econômico induzido por estes empreendimentos. Na visão de muitos moradores lindeiros, que não possuem cereais ou minérios para transportar, eles vão apenas ganhar uma barreira física.
Porém, existe a possibilidade de agregar a esses empreendimentos um benefício real muitas vezes esquecido. Na minha opinião, todas estas novas ferrovias deveriam trazer um par diário de trens de passageiros, numa modalidade de serviço similar ao existente na Estrada de Ferro Carajás ou na Estrada de Ferro Vitória a Minas – ambas da Vale – já no nascedouro do projeto.
A Vale compreendeu muito bem o valor desses serviços como marketing social/empresarial, tanto é que não descuida deles. O recente investimento, na casa da centena de milhão de dólares, para renovar a frota de carros de passageiros nessas duas ferrovias, ao que se sabe, não foi fruto de obrigação contratual ou exigência do poder concedente.
O trem de passageiros tem o condão de converter adversários em aliados que poderiam ir ao MPF ou ao poder concedente para pressionar favoravelmente a implantação desses importantes projetos ferroviários dos quais nosso país tanto necessita.
E, do ponto de vista de racionalização do uso dos recursos para investimento, tem todo o sentido. Pois uma mesma infraestrutura pode e deve atender duas demandas, ou seja, o transporte de carga e o transporte de passageiros.
Ainda mais num país como o nosso, com tantas carências, é descabido imaginar que teremos duas malhas ferroviárias segregadas, sendo uma para cargas e a outra para passageiros.
Autor: Pedro Machado, presidente da AEAMESP
Fonte: Revista Ferroviária, março/2018
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