Nesta semana, se completou um mês do fim da greve dos caminhoneiros. A paralisação, que protestou contra o alto preço do óleo diesel, mexeu no dia a dia dos brasileiros e, além de chamar atenção para as reivindicações, jogou luz para o problema de infraestrutura do país e a falta de alternativas ao modal rodoviário. Apesar do que se pensa, no entanto, o investimento na tão sonhada ligação por trem da cidade com o Rio de Janeiro pode não ser algo tão inatingível: uma parceria público-privada poderia viabilizar o projeto sem pesar nos cofres públicos.
A análise é feita pelo economista Antônio Pastori, pós-graduado em Engenharia Ferroviária, que idealizou o projeto da reativação dos “Caminhos do Imperador”. O Expresso Imperial seria instalado no antigo leito da Estrada de Ferro Príncipe do Grão-Pará. A ideia é construir um trecho de linha ferroviária de 7,5 km, que iria de um terminal, que seria construído onde funcionou a Fábrica Dona Isabel, até a estação já existente na Vila Inhomirim, em Magé. De lá, a ligação seria feita por ramais da Supervia que já existem. O trajeto seria direto, sem paradas, um trem “executivo” – com o objetivo de garantir conforto para os passageiros e rapidez no trajeto.
O estudo de Pastori leva em conta a viabilidade econômica do negócio: de acordo com ele, a demanda em potencial pode chegar a 6,8 mil passageiros por dia. Isso leva em conta a utilização por uma parte de turistas e sacoleiras que visitam a Rua Teresa e parte dos 25 mil petropolitanos que hoje dependem do carro ou do ônibus no deslocamento para a capital ou cidades da região metropolitana.
A viabilidade do projeto, de acordo com o economista, seria garantida com metade desta demanda potencial.
– O projeto é muito barato em relação a outros investimentos de infraestrutura. A parte financeira não era o problema. O custo da obra era muito barato em relação ao que o governo iria investir – afirma.
Na visão de Pastori, a greve dos caminhoneiros reacendeu o debate sobre os modais de transporte e a importância da retomada do investimento em ferrovias. Para o economista, foi aberta uma nova chance não apenas para a linha da serra, mas para diversos investimentos no setor.
– Agora, essa discussão está sendo retomada. A greve chamou a atenção para este assunto e deixou claro que não podemos ficar dependentes de apenas um modal de transporte. Estamos fazendo encontros e palestras com engenheiros, arquitetos e entidades representativas da sociedade. Fica claro que está na hora de melhorar a mobilidade urbana – acredita.
Mesmo com a crise que atinge o país e a incapacidade de investir por parte do Governo do Estado, o economista afirma que a ideia é perfeitamente possível através de parcerias com a iniciativa privada.
– Dá para fazer, com participação privada. Os valores são pequenos. Se olhar isoladamente, é muito pouca coisa. Por exemplo: estão comprando locomotivas elétricas suíças novas, para o Trem do Corcovado, que vão chegar ano que vem. Já conversamos com os diretores do Corcovado, que venderiam as composições atuais a preço de custo para operação no trecho da serra de Petrópolis – informa.
Pastori diz ainda que o caminho, agora, é fazer a reivindicação pelos investimentos ferroviários, envolvendo toda a sociedade civil organizada, para os próximos governantes, que irão assumir seus mandatos a partir de 2019.
– Vamos aguardar o novo governo que vai assumir no ano que vem, os políticos que vão tomar posse, e aí a sociedade dos engenheiros, a associação dos engenheiros ferroviários, a nossa entidade, enfim, todos vão fazer reivindicação a empresários e poder público para viabilizar isso – disse.
Histórico e obstáculos
Em entrevista ao Diário, Antonio Pastori contou como surgiu a luta para reativar a linha férrea.
– A ideia de retomar esse debate surgiu porque morava em Petrópolis, subia e descia todo dia e sofria com o trânsito carregado. Comecei a fazer estudo e a me envolver com essa possibilidade. A partir daí, criou-se o grupo chamado GT-Trem, com Museu Imperial, Firjan, Frente Pró-Petrópolis, Convention Bureau e UCP, um grupo grande que sempre se reunia para viabilizar o projeto. Em 2008, a Prefeitura encomendou estudo para fazer a ligação ferroviária entre o Alto da Serra e a Raiz da Serra, mas era só para passeio turístico. Depois, ampliamos o projeto e, em 2010, conseguimos que o governador declarasse o projeto de relevante interesse econômico e turístico para o Estado – lembrou.
A ideia avançou até que, em 2012, foi assinado um acordo de cooperação técnica, com duração de dois anos, entre o secretário estadual de transportes e os prefeitos de Petrópolis e Magé, que previa o desenvolvimento de estudos com vistas à realização do investimento. Pelo que se discutia na época, o governo estadual entraria com a maior parte dos recursos e caberia às duas Prefeituras cadastrar os moradores – cerca de 300 famílias – que ocupavam trechos do leito, tanto aqui quanto na cidade vizinha. E foi aí que o projeto enfrentou dificuldades.
– Algumas casas deveriam ser removidas, pois estavam muito próximas à linha do trem. Uma das únicas coisas que cabiam à Petrópolis e Magé era o plano de remoção, e, a partir daí, o Governo do Estado iria ajudar a buscar recursos do [programa habitacional] Minha Casa, Minha Vida, para retirar o pessoal. Acontece que as famílias invadiram uma área pública federal, não têm título de posse, infraestrutura legal… A ideia era remover para conjuntos habitacionais. Infelizmente, por questões políticas, nada disso foi feito. O problema era o desgaste político. Depois, o Estado começou a entrar com dificuldades financeiras, a crise do petróleo, e o projeto que já estava em banho-maria esfriou completamente – disse.
Fundo e novas leis
Para incentivar a criação de novas linhas de trem, há alguns caminhos. Um deles é a criação de um Fundo Ferroviário Nacional, uma ideia que já existiu. Seria cobrado um percentual sobre o valor da parcela do frete e o dinheiro iria para o fundo, que teria uma única finalidade: a construção de novas ferrovias.
– Não seria um novo imposto para o contribuinte, mas um fundo que se reverteria em investimentos. Hoje, a nossa carga ferroviária de carga não é para servir o povo. Se transporta muito pouco combustível. O que vai é minério de ferro, soja, milho, trigo, cevada, produtos para exportação. Ou seja: praticamente tudo que a gente consome hoje vem de caminhão – disse Antonio Pastori, destacando que as ferrovias que têm boas práticas conseguem faturamento de até R$ 10 bilhões ao ano.
No Rio de Janeiro, outro caminho passa pela mudança na legislação sobre as concessões de trem – hoje, apenas a Supervia opera a malha ferroviária do Estado. De acordo com o presidente da Associação Ferroviária Trilhos do Rio, o engenheiro Mozart Rosa, há dois projetos para solucionar isso. Um deles seria a “lei dos pontos” para novas concessões. Funciona da seguinte forma: a cada quilômetro construído, a empresa ganha mais pontos, o que ampliaria o prazo de permissão da exploração do trecho. Ou seja: quanto mais a empresa construir (ou restaurar linhas desativadas), por mais tempo ela pode operar. Outra lei permite a subconcessão. A Supervia repassaria a permissão de exploração de trechos.
– A lei dos pontos fomenta a entrada de novas empresas no setor e permite que um novo operador assuma operações como o trem de Guapimirim, por exemplo. Esse novo operador teria a opção preferencial de fazer o trem subir a serra – disse Mozart.
Fonte: Diário de Petrópolis, 01/07/2018