O Ministério Público Federal (MPF) alertou à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) que poderá contestar judicialmente a renovação antecipada das concessões de ferrovias caso não sejam observados pelo menos 11 aspectos relativos aos procedimentos, questões técnicos, análise de vantajosidade e quitação de passivos pelas empresas no âmbito dos processos.
Em ofício enviado na quinta-feira passada ao diretor-geral da ANTT, Mário Rodrigues Jr., nove procuradores da República recomendam que os termos aditivos aos atuais contratos de concessão só sejam assinados quando esses aspectos tiverem sido cumpridos.
A recomendação é um instrumento usado pelo MPF para manifestar, na prática, um alerta de que pode haver judicialização se determinadas questões não forem tratadas. Os signatários do ofício são integrantes da 3ª Câmara de Coordenação e Revisão (CCR), que cuida de defesa do consumidor, concorrência e regulação da atividade econômica.
O governo negocia a prorrogação, por 30 anos, de cinco concessões no setor. O processo mais adiantado é o da Malha Paulista, controlada pela Rumo, que corta o Estado de São Paulo. Também estão na lista as estradas de ferro Carajás e Vitória-Minas, pertencentes à Vale, e a MRS Logística e a Ferrovia Centro-Atlântica (FCA).
No ofício, o MPF entra em pontos polêmicos, como a possibilidade de que as concessionárias de ferrovias sejam obrigadas a permitir a passagem em suas malhas de trens de outras operadoras. No jargão do mercado, isso é conhecido como direito de passagem. Uma das recomendações à ANTT é que se considere “a oportunidade e relevância de reavaliar a escolha do critério de exclusividade de tráfego e do estabelecimento de cláusulas que tratem do direito de passagem e tráfego mútuo, com a alocação parcial da capacidade da ferrovia preferencialmente a terceiros”.
Os procuradores pedem ainda que “seja exigida a regularização e efetiva quitação [pelas atuais concessionárias, de possíveis passivos e débitos existentes”, como multas administrativas não pagas, antes da renovação dos contratos.
O governo tem prometido a assinatura de pelo menos três prorrogações – Malha Paulista e as duas ferrovias da Vale – até dezembro. Isso evitaria que esses termos aditivos fiquem apenas para o próximo mandato presidencial. Para Martins, não se pode ter pressa e definir um prazo para o término das discussões. “Vincular [as prorrogações] à mudança de governo ou à incerteza das eleições é inviável. O processo tem uma fase de amadurecimento que ainda não foi cumprida.”
O MPF quer ainda mais esclarecimentos sobre as contrapartidas de investimentos exigidos das concessionárias para a renovação dos contratos. Também faz questão de que haja cláusulas de execução de garantias caso essas contrapartidas não sejam honradas.
Na sexta-feira, porém, o governo obteve uma importante vitória nos planos de levar adiante a renovação das concessões de ferrovias. O juiz Luiz Henrique da Matta, da 4ª Vara da Justiça Federal em Vitória, negou liminar pedida pelo governo do Espírito Santo para suspender a extensão contratual de uma das ferrovias da Vale. As autoridades capixabas querem a construção de novo um trecho ferroviário dentro do próprio Estado como condicionante para a prorrogação da Estrada de Ferro Vitória-Minas, mas a União priorizou o projeto da Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico) entre os municípios de Água Boa (MT) e Campinorte (GO).
Os investimentos cruzados (em outras malhas) foram permitidos pela Lei 13.448, sancionada no ano passado, e os novos trechos serão incorporados como ativos da União e licitados posteriormente para exploração.
A Secretaria do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) diz que serão divulgados todos os cálculos comprovando a “vantajosidade” da renovação antecipada e os valores das obras exigidas em troca. A promessa é abrir, nesta semana, audiência pública por 45 dias dos processos relativos às duas ferrovias pertencentes à Vale.
De acordo com técnicos do PPI, a viabilidade e a demanda de 17 trechos foram estudadas como contrapartidas. Além disso, o governo insiste em que todo o processo será monitorado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e os aditivos serão firmados só depois de aval dos órgãos de controle.
Fonte: Valor Econômico, 30/07/2018