Diametralmente oposta à velocidade com que os trens, metrôs e VLTs trafegam pelas congestionadas cidades brasileiras, andam no País os projetos para a implantação desses sistemas de transportes. Com raras exceções, os estudos ficam engarrafados na burocracia estatal e na fal ta de capacidade de governos de análise e melhoria das propostas.
Pior ainda, quando se chega à etapa de obra, elas em geral capotam na falta de orçamento/financiamento ou nos conhecidos problemas para o licenciamento/desapropriações.
O resultado: avanços anuais de 20 em 20 quilômetros de expansão da rede no País, como mostram os anuários da publicados pela ANPTrilhos, insuficientes para suprir a demanda reprimida, ou melhor, oprimida dentro de transportes lentos e hiperlotados, como mostram as cenas tão comuns do dia a dia das ruas.
A falta de avanço de sistemas de maior porte, capazes de solucionar os problemas de mobilidade das cidades por um longo período, alimenta a tentação das soluções rápidas, muitas vezes inadequadas. Aliado à ausência de planejamento de longo prazo das cidades, sempre alterado pelas urgências dos ciclos eleitorais, e orçamentos cada vez mais escassos, esses fatores têm contribuído para que cada vez mais projetos de porte mais robustos saiam das prioridades do gestor público.
A pergunta que fica, após este breve diagnóstico, é se é possível sair dessa armadilha.
A extrema descentralização administrativa prevista na Constituição Federal de 1988 não trouxe com ela um modelo para que os entes federados pudessem ter recursos suficientes para apresentar e executar o planejamento exigido. Poucos municípios e estados têm a real capacidade de tocar projetos da magnitude de um metrô, considerados da concepção à execução, dentro de um prazo minimamente razoável.
E não são muitos mais os que podem fazer mesmo os projetos mais simples, como VLT, de forma adequada. Sobra improviso quando se tenta. E fica fácil, quando isso acontece, atribuir a culpa aos órgãos de controle, de fiscalização ou de financiamento, quando se recusam a aceitar o que em geral é inaceitável, sob a frágil alegação do bem público.
O resultado é um aumento generalizado na percepção de risco dos entes privados, que elevam os custos de execução, tornando-os inviáveis financeiramente (e só tornados viáveis por remendos que, ao fim, não se sustentam). Obras paradas por todo o País são a prova disso.
O círculo vicioso do mau emprego do dinheiro público só se reforça e repele as iniciativas, independentemente de sua qualidade. Fazer o mais fácil e rápido passa a ser o padrão que, claramente, inviabiliza projetos que necessitam de tempo e qualidade e, por consequência, o futuro das cidades.
A reversão desse ciclo na mobilidade urbana precisa ser iniciada com uma atitude que inverta a lógica do investimento remendado e feito conforme a necessidade premente. E isso só ocorrerá quando houver algum centralismo que incentive a boa tomada de decisão do gestor público.
O ministério das Cidades foi uma primeira experiência nesse sentido, mas tem se mostrado pouco efetiva. Tomado por pressões de toda a ordem, o órgão não tem auxiliado com o necessário ao desenvolvimento das infraestruturas urbanas de transporte, apesar dos esforços que seus servidores demonstram nessa busca.
O que de fato pode funcionar para que as políticas desenhadas na pasta sejam executadas na ponta, longe de Brasília, não são leis, decretos nem portarias que brotam a cada novo ministro da pasta. Só os incentivos monetários poderão alterar a atual lógica.
Como fazê-lo, contudo, se o Estado não tem mais os recursos orçamentários para tal fim? Há soluções possíveis para a atração de capital de fora do País, ainda disponível para investimentos que possam dar retorno e garantia de longo prazo. O que tem impedido esse dinheiro de chegar ao Brasil é insegurança jurídica, que aumenta o risco do projeto, que faz o governo compensar com aumento da taxa de retorno, que amplia o risco, até o ponto da inviabilidade.
O que esse capital quer é ter a segurança de que retornará para quem o emprestou, ainda que a taxas de retorno não tão elevadas, visto que ele existe na maior parte das vezes para garantir um futuro adequado para quem o poupou, em qualquer parte do mundo que seja.
Se esse é o tipo de exigência principal, aumentar retornos como os gestores têm feito parece que adiantará pouco. O trabalho a se fazer é reduzir os riscos. Para isso, garantias reais parecem ser soluções mais realistas no momento, enquanto o País não consegue de fato parar para refazer seus marcos legais de modo que possa dar segurança a quem investe.
Essas garantias reais devem vir do próprio sistema de transportes, cujo patrimônio pode ser transformado em papéis para um fundo específico que garanta a quem investir dinheiro aqui que os recursos não se perderão.
Para isso, há bilhões em recursos de outorgas de infraestruturas de transportes que o País construiu nas últimas décadas e que, se não forem apropriadas pelo sistema de transportes para impulsioná-lo, vão cair no ralo do caixa único dos governos para pagar dívidas que se sabe insustentáveis, regando um jardim de flores mortas (um pedaço mínimo das Reservas Internacionais ajudaria).
Tirar esse dinheiro das mãos dos ministros e secretários de Fazenda para deixá-lo se transformar em um fundo garantidor para empréstimos destinados a projetos que passem por uma seleção com incentivos à qualidade e à boa governança é um caminho para que o País volte aos trilhos, como se tem tanto desejado, mas apenas em slogans publicitários.
Por: Jornalista Dimmi Amora
Artigo publicado no livro “Mobilidade Urbana sobre Trilhos na Ótica dos Grandes Formadores de Opinião”, planejado e publicado pela ANPTrilhos – Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos
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