O Tribunal de Contas da União (TCU) deve aprovar nesta quarta-feira, 19, o edital que prevê a concessão da Ferrovia Norte-Sul. O plano do governo é repassar para a iniciativa privada um trecho total de 1.537 km de extensão, que liga o município de Porto Nacional (TO) a Estrela D’Oeste, em São Paulo.
Se passar pelo crivo do plenário da Corte, há possibilidade de o trecho ser concedido ainda neste ano, caso o governo encurte o prazo de consulta pública ao edital, dos 90 dias previstos originalmente, para 45 dias.
O Estado apurou que o relator do processo no Tribunal, ministro Bruno Dantas, teve reuniões fechadas com o procurador do Ministério Público de Contas, Júlio Marcelo de Oliveira, para tentar chegar a uma proposta final que autorize o andamento do processo de concessão. A realização do leilão depende do aval prévio do TCU. Bruno Dantas e Júlio Marcelo não comentam o assunto.
Conforme informou a reportagem em agosto, Júlio Marcelo havia recomendado a rejeição integral da proposta do governo, por entender que havia falhas graves na proposta de privatização, como o fato de não incluir estudos sobre a possibilidade de realizar transporte de passageiros, ou mesmo de operação em um modelo aberto de utilização da ferrovia, em detrimento do modelo fechado, que é o pretendido pelo governo.
Bruno Dantas deve rejeitar essas propostas do MP de Contas, mas acatar outras. Sua proposta, conforme apurou o Estado, é aprovar a minuta do edital, desde que algumas determinações sejam atendidas.
A principal exigência sugerida pelo MP e acatada por Bruno Dantas prevê que a Valec repasse ao futuro concessionário da ferrovia todas as obras remanescentes que a estatal ainda executa no trecho. Há lotes com obras em andamento em parte da Norte-Sul, que já está com mais de 90% do projeto concluído. Como essas obras são contratadas pela Valec com terceiros, seria necessário que a estatal sub-rogasse esses contratos ao novo dono da ferrovia.
O TCU também vai exigir que o governo conclua, antes da assinatura do contrato com o concessionário, todo o inventário de bens que serão repassados a esse empreendedor. A medida pretende proteger o governo quanto aos bens que serão entregues e que, após o fim do contrato, serão objeto de acerto de contas com o poder público, já que se trata de uma concessão de exploração da ferrovia pelo prazo de 30 anos.
Outra mudança feita pelo TCU no edital diz respeito à compra de locomotivas e vagões exigidas no edital. A previsão inicial era de que a concessionária teria de gastar R$ 2,8 bilhões em várias aquisições. A maior parte desse valor – R$ 2 bilhões – seria usada para comprar 113 locomotivas e 3.795 vagões, o chamado material rodante. O TCU revisou as projeções de uso e demanda e retirou 14 locomotivas e 416 vagões das exigências, reduzindo os investimentos obrigatórios em R$ 246,2 milhões, o que acaba dando mais fôlego ao empreendedor na hora de dar seu lance no leilão. O trecho que será concedido já custou R$ 10 bilhões aos cofres públicos.
Pelo modelo do leilão, ganhará a concessão da Norte-Sul a empresa que oferecer o maior lance. O governo já tinha reduzido o valor do lance mínimo, de R$ 1,6 bilhão para R$ 1 bilhão. Mas o preço dessa outorga terá de passar agora por novos ajustes, por incluir obras remanescentes da Valec. A estatal também terá de precificar os custos para a troca de britas de baixa qualidade utilizadas em alguns lotes.
Caso o Palácio do Planalto atenda as exigências em até 15 dias e publique o edital revisado da ferrovia, poderia ainda fazer o leilão entre o fim de novembro e início de dezembro. Depois de anunciar que 2018 seria o ano das concessões das ferrovias, o governo não conseguiu licitar um trecho sequer de trilhos até agora.
A Ferrovia Norte-Sul
A Norte-Sul é parte crucial do mapa logístico nacional, porque integra praticamente todas as malhas existentes do País e aquelas que ainda estão planejadas para sair do papel. Iniciada em 1987 no governo de José Sarney com a meta de cruzar o País, a obra ficou parada por décadas e foi retomada no governo Lula. Hoje, a ferrovia tem um único trecho de 720 km em operação, entre Açailândia e Palmas (TO), concedido à mineradora Vale em 2007.
O trecho central e sul que agora será concedido inclui mais 1.537 km nessa extensão. A concessão à iniciativa privada já era prevista na gestão de Dilma Rousseff e foi incluída por Michel Temer no Programa de Parceria de Investimento (PPI) em dezembro de 2016. A minuta do edital foi enviada pelo governo ao TCU em março deste ano.
Fonte: Estadão, 19/09/2018