Conhecida como a capital nacional do petróleo, Macaé, no Norte Fluminense, deverá entrar também no rol da indústria ferroviária com a construção de uma fábrica de locomotivas, a partir de janeiro de 2022, pela empresa belga John Cockerill. O objetivo da companhia, que já atua na cidade desde 2014, mas no ramo de óleo e gás, é ter no Brasil sua segunda base de fabricação de locomotivas, hoje restrita à sua matriz em Seraing, na região de Liège, na Bélgica.
O empreendimento, que deve levar seis meses para ficar pronto, foi projetado, a princípio, para atender à encomenda de 12 locomotivas de manobra 700 HP, diesel-elétricas, de um contrato fechado no início deste ano entre a John Cockerill e uma empresa do ramo de siderurgia. A multinacional não revela o nome do cliente, mas, segundo fontes do setor ferroviário, trata-se da Gerdau, cujos principais produtos siderúrgicos têm origem na usina de Ouro Branco (MG).
Presente no Brasil desde 2005, quando chegou para instalar a planta da ArcelorMittal, em São Francisco do Sul (SC), a John Cockerill tem sua sede brasileira em Joinville. Nove anos depois, a empresa se instalou em Macaé para atender ao mercado offshore com serviços de manutenção de equipamentos e construção, além de montagem de plantas industriais.
A expertise em fabricação e manutenção de locomotivas, porém, existe desde a origem da empresa, no século XIX, quando fabricava diversos modelos a vapor, destinados tanto à indústria quanto para sistemas de transporte de passageiros sobre trilhos. Da matriz belga são exportadas locomotivas para diversos países, tendo Congo e Costa do Marfim, na África, como alguns dos destinos mais recentes. A multinacional também atua na manutenção de trens de alta velocidade na própria Bélgica e na França.
Segundo Marcelo Amado, gerente da Divisão Oil & Gás da John Cockerill no Brasil, a decisão de construir uma fábrica no Brasil foi tomada principalmente pelos custos menores em relação à fabricação na Europa, em razão da diferença de câmbio. “Essas locomotivas seriam fabricadas na matriz, na Bélgica. Devido à desvalorização do real frente ao euro, a gente chegou à conclusão que seria melhor montar aqui em Macaé, onde temos uma unidade grande”, relata.
A fábrica será construída no mesmo local onde já funciona a empresa, no bairro Novo Cavaleiros. No terreno com 13.800 m², serão instalados um galpão e 50 metros de trilhos, para testes e manobras. Como já há uma grande caldeiraria, a maior parte da estrutura das locomotivas deve ser feita em Macaé, enquanto outros componentes seriam adquiridos majoritariamente no mercado interno. “Temos um grande fabricante de motores elétricos no Brasil, por exemplo, que é a WEG. Também temos alguns fabricantes de eixos de rodagem em Minas Gerais…”, cita Marcelo, acrescentando que só a tecnologia e alguns outros componentes viriam da Europa.
A companhia, entretanto, já tem planos para além dessa encomenda inicial e mira o mercado externo. “O projeto completo, para entregar todas as 12 locomotivas, vai durar cinco anos. Mas ainda não temos esse cronograma certo. A ideia, no entanto, é que isso cresça. Hoje, está muito mais barato fabricar aqui e exportar”, explica Marcelo.
A expectativa é que a fábrica gere mais de cem empregos diretos. Segundo o gerente, a supervisão da fabricação deve ser feita por funcionários estrangeiros, mas mais de 90% das vagas que surgirem devem ser preenchidas por profissionais locais.
VLT de Macaé
A instalação da fábrica tem o potencial de, talvez, recuperar o descrédito no qual caiu a cidade em relação a iniciativas no setor ferroviário. Macaé, hoje, é conhecida nacionalmente pelo projeto de um Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), que cortaria a cidade de Norte a Sul e deveria ter entrado em operação no segundo semestre de 2011, mas nunca saiu do papel. Apenas duas veículos a diesel, de dois carros cada, produzidos pela Bom Sinal, que custaram, no total, cerca de R$ 15 milhões, foram entregues, sem jamais terem transportado qualquer passageiro. As composições estão armazenadas desde 2012, ao relento, na linha férrea em frente à estação ferroviária de Macaé, onde hoje está abrigada a secretaria de Mobilidade Urbana da prefeitura.
Após uma reunião realizada em maio com o prefeito Welberth Rezende (Cidadania) e o secretário de Mobilidade Urbana, Jayme Muniz, a John Cockerill se disponibilizou a entregar à prefeitura um estudo sobre as condições dos VLTs e os custos para que o modal comece a funcionar. A avaliação do estado das composições já foi feita, mas o relatório final deve ser entregue daqui a aproximadamente dois meses.
Esse será o segundo estudo sobre o VLT que a prefeitura de Macaé receberá este ano. Segundo o secretário Jayme Muniz, no último dia 14 de maio, a T´Trans, que agora pertence ao Grupo Itapemirim (que comprou a Bom Sinal, fabricante do VLT), entregou o primeiro, com o diagnóstico e as medidas a serem tomadas, porém sem o respectivo orçamento, que ainda será calculado. “Segundo as duas empresas, a parte mecânica das composições se encontra em ótimo estado. Mas questões como acabamento e automação vão requerer os maiores investimentos”, explica Muniz.
Segundo a prefeitura, o relatório da T´Trans apontou como principais danos aparentes, nas duas composições, a oxidação das portas, dobradiças e alguns equipamentos sob o piso, além de avarias na pintura e ressecamento de borrachas, elementos vedantes e lentes de faróis e lanternas. Também foram detectados vazamento de água no interior dos veículos e deterioração dos tapetes.
A prefeitura não informou detalhadamente as condições dos cerca de 25km de linhas ferroviárias já existentes, de bitola métrica, por onde as composições pecorreriam, segundo projeto original. A malha, que já foi avaliada pela T’Trans, será inspecionada por uma equipe da John Cockerill nos próximos dias.
A recuperação da infraestrutura e das composições, no entanto, não é o único desafio desse imbróglio de mais de uma década. A viabilização do projeto envolve ações intergovernamentais, uma vez que a malha a ser destinada ao VLT faz parte dos 37km da Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), uma concessão federal, que cortam Macaé. Segundo a prefeitura, a VLI, que opera a FCA, já declinou de apoiar o projeto, que demandará assessoria e validação da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Desde 2008, nenhum transporte de cargas é feito no trecho.
A VLI afirma que sempre analisa os projetos de mobilidade urbana que envolvem suas concessões, mas que não foi consultada formalmente pelo poder municipal. Em 2009, um contrato operacional chegou a ser assinado entre a prefeitura, a ANTT e a FCA, mas, segundo a VLI, ele não foi executado “uma vez que os agentes interessados não obtiveram autorização dos órgãos reguladores”.
Irregularidades
Na verdade, a prefeitura de Macaé nem chegou a realizar qualquer licitação ou chamamento público para uma Parceria Público-Privada (PPP), para a operação do modal. Isso porque em 2013, já no ano seguinte ao da chegada das composições, uma auditoria encomendada pela então nova gestão do município identificou diversas irregularidades, tanto técnicas quanto financeiras.
Em 2016, o Ministério Público do Estado do Rio entrou no caso, por meio de uma ação civil pública, que se arrasta até hoje. Mais de R$ 1 milhão em bens do ex-prefeito Riverton Mussi e de outros integrantes do Executivo municipal chegaram a ser bloqueados em 2017, no âmbito de um dos contratos serviços de engenharia relacionados ao projeto.
O interesse da John Cockerill em encontrar uma solução para o VLT de Macaé vai além da recuperação das composições. Segundo Marcelo Amado, a empresa vê uma oportunidade de entrar também na futura operação. “Nós temos todo o know-how também para a gestão. Os metrôs do Panamá e do Marrocos são operados pela John Cockerill”, cita Marcelo.
O relatório da multinacional que será entregue à prefeitura vai propor dois cenários: o das duas linhas do traçado original (Central-Cabiúnas e Central-Parque de Tubos) e outro com três linhas, sendo a terceira uma ligação entre os bairros Aroeira e Praia Campista, onde está localizado o complexo administrativo da Petrobras. Nesse cenário, o sistema teria, no total, 25 estações em vez das dez cogitadas na época do lançamento do projeto.
Nos bastidores, a linha encarada como a mais problemática é a que ligará o Terminal Central a Cabiúnas, polo empresarial vizinho ao bairro Lagomar, um dos mais populosos de Macaé, com 30 mil habitantes. O trecho, que passa no meio de algumas comunidades violentas, já teve diversos trilhos arrancados, além de ser afetado por invasões imobiliárias. “Essa parte é muito difícil e exige muita determinação política”, avalia Marcelo Amado, da John Cockerill.
Segundo a prefeitura, depois de finalizado o segundo relatório, os orçamentos que forem apresentados pelas duas empresas serão analisados. A meta é chegar a uma decisão sobre o VLT até o final deste ano. O secretário Jayme Muniz ressalta, porém, que os esforços da prefeitura e das duas empresas não visam colocar os trens para rodar a qualquer custo. “Não podemos criar um elefante branco, aportar mais recursos públicos em uma estrutura imensa para beneficiar pouca gente. Tudo o que está sendo feito é para verificar a viabilidade do negócio”, finaliza.
Fonte: Revista Ferroviária, 02/07/2021
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