Rio de Janeiro fora dos trilhos

A Medida Provisória 1.065, de 30/08/21, instituiu o Programa de Autorizações Ferroviárias, o Pró-trilhos, permitindo a construção e operação de ferrovias pela iniciativa privada mediante uma simples Autorização, simplificando enormemente a pesada liturgia do processo de implantação de ferrovias no Brasil que até então era exclusividade da União, que permitia que terceiros as construíssem e até explorassem através do regime de Concessões.

Na exposição de Motivos da MP consta que, graças a esse estímulo, são esperados investimentos da ordem de R$ 30 bilhões.

Ledo engano! Os primeiros quatro meses de vigência da MP – que expira em fev/22 – apontam números expressivos: até agora foram computadas 71 solicitações de novo trechos ferroviários, totalizando mais de 15 mil km (metade da malha atual) traduzidos em estimativas de R$ 185 bilhões de investimentos (seis vezes mais que o esperado). Abriram uma porteira estratégica para o modo ferroviário deslanchar.

Os 71 pedidos foram protocolados por 22 diferentes empresas em 16 unidades da Federação. Os projetos contemplam trechos nos Estados de Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal,
Goiás, Maranhão, Pernambuco, Piauí, Bahia, Tocantins, Pará e até Roraima.

A Região Sudeste, com 30 projetos, demostrou que quer mais trens e menos caminhões nas suas rodovias, exceto o Rio de Janeiro (berço da 1a. Ferrovia do Brasil), que não protocolou nenhum projeto até agora. Difícil entender isso, pois temos mais de 700 km de linhas ociosas e grande parte da carga que vem das Minas Gerais (minério de ferro) é exportada pelos portos do Rio de Janeiro.

Poucos tem conhecimento de que 95% da malha ferroviária em bitola métrica (distância de um metro entre trilhos) que existe no Estado do Rio – que ora encontra-se concedida à Fer- rovia Centro-Atlântica (FCA) para exploração por 30 anos -, está totalmente abandonada. Nela não mais trafegam trens entre Três Rios e Além Paraíba/ MG, Barra Mansa à Angra dos Reis, Itaboraí à Campos dos Goytacazes e Campos à Recreio/MG,totalizando 542 km, que a ela foram entregues em perfeitas condições de trafegabilidade em 1996.

Diz a lenda que o ponto fraco do ser humano é o bolso. Pois bem, prestem atenção na cifra a seguir: a FCA, cujo sonho de consumo atual é ganhar mais 30 anos de concessão para continuar utilizando e investindo na malha ferroviária dos estados de Goiás, Minas e São Paulo (o Rio de Janeiro está fora dos seus planos), está “oferecendo” à União R$ 420 milhões a título de indenização pelas linhas abandonadas no Estado do Rio.

Muitos podem estar pensando em recomendar ao Governador Cláudio Castro para correr atrás dessa “oferta” e utilizar essa dinheirama para recuperar o que foi abandonado; ou, então, aplicar no Metrô, na Supervia, no Bondinho de Santa Tereza e até abater da dívida do Estado com a União…

Infelizmente não é bem assim que essa banda está tocando. Provavelmente essa pequena fortuna seja também destinada para o Caixa Único do Tesouro (CUT), como já aconteceu em 2019, quando a FCA pagou uma indenização mixuruca de R$ 250 milhões à União pela devolução (em ruínas) de 156 km da Linha Auxiliar, que ia de Japeri a Paraíba do Sul, passando por Miguel Pereira. Ou seja, o Estado do Rio não recebeu um único centavo dessa indenização, que foi toda enfiada (perdão pela cacofonia), no CUT do governo federal.

Para sair dessa situação vexatória, o Governador deveria desengavetar o Plano Estratégico
Ferroviário (PEF) do ERJ/2021 e fazer um Road Show em parceria com o Ministério da Infraestrutura para apresentar à potenciais investidores, os 18 projetos ferroviários de carga e os 29 projetos para trens de passageiros e de turismo, que podem ser muito bem protocolados junto ao Pró-trilhos, sem nenhum custo.

O PEF/RJ foi uma iniciativa da SETRANS,que contou com o patrocínio da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários, que contratou a carioca Sysfer-Consultoria e Engenharia Ferroviária, para mapear os projetos mais promissores a serem implantados no nosso Estado, com prioridade para reutilização da malha abandonada da FCA, conforme projetos aprovados nas leis estaduais 5.791/2010 e 8.210/2018.

Lembrando mais uma vez que o Rio de Janeiro foi berço da primeira ferrovia, a E. F. Mauá e, em respeito a essa memória, o Governador Castro tem a obrigação moral de pôr o Rio de volta aos trilhos para não ficar- mos a ver navios; ou melhor, vendo dezenas de trens de carga e passageiros rodando em outros estados.

Autor: Antonio Pastori – Conselheiro da Aenfer, mestre em Economia e pós-graduado em Engenharia Ferroviária

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