Quase oito anos se passaram e o Brasil pouco avançou em sua rede de transportes sobre trilhos. Desde a Copa do Mundo, em 2014, o país expandiu suas linhas urbanas em apenas 11%, ou 113 km, quase o equivalente à distância entre São Paulo e Sorocaba.
Hoje a malha de metrôs, trens, monotrilhos e VLTs se estende por 1.116 km em todo o território nacional, próximo do que acumulam duas cidades chinesas sozinhas, Pequim e Xangai, e o mesmo que uma viagem entre Rio de Janeiro e Brasília.
“É pouco. O crescimento da nossa rede é muito acanhado se comparado à demanda que temos”, diz Joubert Flores, presidente do conselho da ANPTrilhos (Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos), que reúne os dados até 2020.
Nesse período, os trilhos se alongaram a um ritmo de 2% (ou 19 km) ao ano, em média. Puxaram esse número para cima o campeonato mundial de 2014, as inaugurações para a Olimpíada no Rio de Janeiro em 2016 e expansões importantes em São Paulo em 2018, como nas linhas 5-Lilás e 4-Amarela.
“Mas, se você for olhar o momento atual, o único lugar com crescimento definido é São Paulo mesmo”, diz Flores. Na maioria das capitais, o metrô ainda é uma realidade distante, como em Manaus e Curitiba, para ficar nas que abrigam mais de 1 milhão de habitantes.
Além da expansão lenta, as 12 capitais que possuem rede metroviária convivem com projetos que nunca saíram do papel, obras paradas, travas por corrupção, vagões lotados, passagens caras e linhas ineficientes ou que não cobrem as periferias.
A classe A é a que mais anda de metrô proporcionalmente: 9% diziam usar o sistema em 2017, contra 6% na classe B, 3% na classe C e 1% nas classes D/E, segundo pesquisa da Confederação Nacional do Transporte (CNT). Naquele ano, só 6% dos deslocamentos no país eram feitos por trilhos.
Foto: Rafaela Araújo/Folhapress
A pandemia do coronavírus ainda derrubou a demanda e fez o setor viver sua maior crise em 2020, acumulando um déficit de R$ 8 bilhões só com tarifas e congelando as inaugurações. O metrô de Salvador, por exemplo, ainda carrega 30% menos passageiros do que em 2019.
O governo baiano foi alvo de críticas ao desativar no ano passado o Trem do Subúrbio da cidade, que funcionava havia 160 anos com tarifa de R$ 0,50. O modal será substituído por um monotrilho já atrasado, imposição do único consórcio de empresas chinesas a participar da licitação, e com o custo de R$ 4,10.
O ambulante Marcelo Araújo, 45, diz que pegava o transporte para buscar as mercadorias e vendê-las no bairro de Paripe: “Está fazendo falta”, afirma. A ferrovia também era usada por pescadores e marisqueiras que trabalham na costa da baía de Todos-os-Santos.
“O transporte de trilhos tem uma maior capacidade de fazer a integração de cidades fragmentadas. Ele precisa ser entendido como um instrumento de combate às desigualdades”, defende o urbanista Daniel Caribé, um dos coordenadores do Observatório de Mobilidade soteropolitano.
O estado argumenta que o sistema precisava ser modernizado. “O trem vinha com problemas sérios de manutenção. Era antigo, não tinha peças para reposição, quebrava com frequência e tinha problemas de drenagem”, afirma Grace Gomes, superintendente da secretaria de Desenvolvimento Urbano.
Salvador foi uma das capitais que mais aumentou sua malha depois da Copa, com a construção das duas primeiras linhas de metrô e sua ampliação até os 33 km atuais —mais um trecho de 5 km deve ter sua fase de testes iniciada em outubro pela concessionária CCR.
O Rio de Janeiro foi outra, com expansões e a construção da linha 4, que liga a zona sul à Barra da Tijuca, além de três linhas de VLT. Mesmo assim, os jogos deixaram canteiros inteiros de obras paradas. “A prioridade é terminar, senão para voltar é preciso mobilizar tudo de novo e fica muito mais caro”, diz Joubert Flores, da ANPTrilhos.
O maior símbolo carioca é a estação da Gávea, que deveria ter ficado pronta em 2016, mas virou um grande buraco inundado com água e centenas de peças de concreto amontoadas em um galpão após indícios de superfaturamento. Falta escavar 1,2 km de túnel e concluir 58% da estação.
Recife, Brasília e Porto Alegre, por sua vez, são algumas das capitais que quase não avançaram desde 2014. Na primeira, uma estação criada nas proximidades da Arena de Pernambuco, na região metropolitana, acabou subutilizada depois dos eventos.
Uma das principais reivindicações da população é que o metrô passe a atender uma parte da zona oeste e a zona norte da cidade, que é completamente descoberta pelo modal. Superlotações, tarifa alta e falhas no sistema elétrico também são entraves aos usuários.
Já a capital gaúcha parou as inaugurações naquele ano, após entregar três estações de metrô e um aeromóvel até o aeroporto.
O DF só abriu duas de suas 24 estações no período e agora prepara uma licitação para expandir o ramal Samambaia.
Em Belo Horizonte, o encalhe é ainda mais antigo. A única linha de metrô tem o mesmo tamanho (28 km) há 20 anos. O Governo de Minas Gerais anunciou em setembro uma segunda linha, mas ela ainda depende da criação de uma nova empresa e da desestatização da CBTU (Companhia Brasileira de Trens Urbanos).
Fortaleza chegou a ganhar um VLT de 13 km no bojo das ações para a Copa, mas ele veio com dois anos de atraso e até hoje funciona em período de teste, sem cobrança de passagens. Liga a periferia às praias, mas não tem integração de passagem com ônibus nem funciona aos domingos e feriados, assim como as duas linhas de metrô.
Para este ano ainda estão previstos uma terceira linha e um novo ramal do VLT. As obras para implantar o veículo já exigiram a remoção de 22 comunidades, com cerca de 5.000 pessoas impactadas. Elas vivem há mais de dez anos com aluguel social e aguardam conjuntos habitacionais prometidos, como ocorre em várias outras capitais.
Teresina é outra que depende de um pequeno sistema de VLT, de 14 km, mas não tem data prevista para pôr em prática projetos de modernização e expansão para outras regiões, que ainda estão em fase de conclusão.
Assim como BH e Recife, as cidades de João Pessoa, Natal e Maceió têm sistemas operados pela empresa federal CBTU. A capital potiguar aguarda obras de duas novas linhas que pretendem ampliar a malha de 56 km para 84 km.
Segundo Joubert Flores, esse tem sido o único papel do governo federal nos transportes de passageiros sobre trilhos. “Na maioria dos lugares do mundo, a iniciativa de criar corredores foi dos governos das três esferas. O Brasil é um ponto fora da curva. O governo federal faz empréstimos através do BNDES, por exemplo, mas não custeia, não participa”, afirma.
A ANPTrilhos e o CNT agora têm trabalhado por um marco regulatório no setor, nos moldes do que foi feito no saneamento básico, para atrair empresas privadas. “A parceria público-privada é uma alternativa para quando o governo não consegue fazer sozinho. E para atrair investidor é preciso dar o recado de que será uma política de Estado, e não de governo”, opina.