A urbanista Letícia Bortolon, gerente de Políticas Públicas do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP) no Brasil, vê com bons olhos a implementação da bilhetagem digital no Rio, projeto anunciado pela prefeitura nesta quarta-feira. Segundo ela, a medida é importante não só para facilitar o embarque, permitindo que o motorista concentre-se somente na direção, mas também para que o poder público tenha mais controle a respeito das informações sobre as viagens.
— Ainda não temos todos os detalhes de como funcionaria a operação no Rio, mas o fato é que estamos na pré-história do sistema de transporte. Temos uma malha robusta que precisa avançar muito tanto na forma de pagamento quanto na coleta e uso de dados. A notícia nos deixa otimistas. Com o modelo eletrônico, você dá um salto enorme sob o ponto de vista da gestão — explica Bortolon, que continua:
— Hoje, a prefeitura de fato não detém os dados que são gerados a partir da utilização do sistema de transportes. O poder público fica de mãos atadas. É preciso separar responsabilidades. Não é porque você opera o sistema que deve ter o controle sobre as informações colhidas. Com a bilhetagem digital e a geolocalização, você consegue entender o carregamento de cada veículo, quantos passageiros entraram e desceram em cada ponto, e assim ajustar melhor a oferta de linhas e coletivos. Atualmente, como não se tem acesso a isso em tempo real, é impossível fazer um monitoramento que permita um ajuste ágil de gargalo, por exemplo.
Sobre as queixas das empresas de ônibus, que relatam prejuízos sem precedentes e até falências, a especialista afirma que, de fato, a pandemia agravou um quadro que já era de diminuição de demanda. Para Leticia, contudo, o sistema de bilhetagem digital ajudaria tanto no sentido de dar mais transparência às finanças dos operadores quanto no de, melhorando o serviço prestado, trazer de volta parte dos usuários que abandonaram o modal ao longo dos anos.
— Quando tratamos do tamanho do déficit, se você não conhece a fundo a arrecadação, fica mais difícil entender o quadro. Isso influencia até na hora de pensar políticas tarifárias, que pode ter valores diferenciados para usuários frequentes, como algumas cidades já fazem, ou então criar um bilhete mensal. A análise aprofundada dos dados pode fazer com que seja possível recuperar usuários. Porque a perda de passageiros é, sim, um grande problema.
A urbanista pontua, por fim, que é fundamental que a prefeitura dê publicidade a todos os dados colhidos:
— O sistema eletrônico permite uma transparência completa da operação. As informações devem ser públicas, o que não acontece hoje em dia, até para que a própria sociedade civil organizada possa acompanhar. Nós, como instituição que atua nessa área, também não temos acesso a esse material atualmente. Isso é muito negativo.
Fonte: oglobo.globo.com, 22/07/2021