Em 2011, a Valec, a estatal que cuida das ferrovias brasileiras, estava com tudo pronto para fechar um daqueles negócios nebulosos que misturam dinheiro público, interesses privados e política. Famosa por conseguir conciliar essas três áreas sempre conflituosas, a Dismaf Distribuidora de Manufaturados, pequena empresa de Brasília, venceu uma licitação para vender trilhos no valor de 720 milhões de reais. Uma reportagem de Veja, porém, revelou um detalhe que passara despercebido a todos os escalões administrativos do governo. A Dismaf não poderia sequer ter participado da concorrência – e por uma razão elementar: ela estava impedida de assinar qualquer contrato com o poder público depois de ter sido listada nas investigações do escândalo do mensalão como assídua contribuinte da máquina criada pelo PT para arrecadar propina nas empresas estatais. Segundo a Polícia Federal, a Dismaf vencia as licitações e, depois, repassava parte dos lucros a partidos políticos. Seu cliente preferencial à época era o PTB, que controlava o caixa dos Correios. O contrato foi devidamente cancelado.
O quase sucesso da Dismaf era um indício veemente de que, mesmo após a descoberta do mensalão, a engrenagem clandestina continuava girando livremente. Os órgãos de controle, como o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (CGU), confirmaram as irregularidades n licitação. A CGU chegou a determinar a abertura de processo de processo disciplinar contra funcionários da Valec responsáveis pelo favorecimento à empresa. Para evitar que a situação se repetisse, o TCU baixou uma série de recomendações. Uma delas determinava o fatiamento da compra de trilhos, para impedir que o processo beneficiasse um só fornecedor. No fim de 2012, com todos os cuidados observados, a licitação recomeçou do zero. O pregão ocorreu em 14 de janeiro passado. Apenas uma empresa se interessou pelo negócio, a PNG Brasil Produtos Siderúrgicos. A corrupção aparentemente esbarra nos obstáculos criados pelo – mas só aparentemente.
Uma pequena checagem de documentos permite descobrir alguns detalhes interessantes sobre a PNG. Ela se apresentou associada a uma fabricante chinesa de trilhos, coincidentemente a mesma que na licitação cancelada em 2011 faria parceria com a Dismaf. Até novembro do ano passado, antes da licitação, a PNG pertencia à própria Dismaf e tinha como sócios os irmãos Alexandre e Basile Pantazis, os mesmos donos da Dismaf, esse último também tesoureiro do PTB. Para disputar a licitação, a dupla fez uma maquiagem na empresa. Mudou o nome para PNG, transferiu o controle societário para os filhos, dois jovens estudantes, e foi à luta. Foi a única concorrente no pregão – e venceu a primeira leva, no valor de 320 milhões de reais.
A Valec não vê nada de errado no processo. Sustenta que, por ter sócios diferentes dos da Dismaf, nada impedia que a PNG participasse da licitação. Como nos casos anteriores envolvendo os donos da Dismaf, essa nova licitação também já está sob suspeita. O TCU apontou indícios de favorecimento à empresa e determinou a suspensão provisória do processo. Mas os Pantazis, persistentes que são, já avisaram que não vão desistir – e nem vêem por quê. Afinal, segundo o próprio Basile contou a amigos, ele deixou o cargo de tesoureiro do PTB para evitar qualquer suspeita sobre seus negócios.
Fonte: Veja, 18/02/2013