Os estragos causados pelas falhas de projeto e erros nas obras de ferrovias federais não serviram apenas para transformar a construção da Norte-Sul e da Oeste-Leste – obras da estatal Valec – em dramas sem data certa de conclusão. Agora, chegou a vez de os atrasos e reviravoltas de projetos entrarem nas planilhas de custo do governo. O preço será alto, podendo chegar a um valor adicional de R$ 1 bilhão.
O Valor apurou que, no fim do ano, todos os consórcios de empreiteiras que trabalham nos lotes da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), que está em obras na Bahia, entregaram pedidos de reequilíbrio financeiro de seus contratos. A fatura extra pode ultrapassar a marca de R$ 500 milhões.
Quando foram contratadas, em 2010, as empreiteiras que atuam na primeira metade de 500 quilômetros da Fiol, entre os municípios de Caetité e Ilhéus, assumiram o compromisso de entregar seus trechos no prazo de 24 meses. Elas não contavam, porém, com a precariedade dos estudos de engenharia contratados para a obra, que acabou travada em auditorias do Tribunal de Contas da União (TCU), além de enfrentar complicações com licenciamento ambiental e processos de desapropriações, que continuam sem solução até hoje.
No fim de 2012, com o avanço pífio verificado nas obras, a Valec renovou os contratos da Fiol por mais 19 meses. Não bastou. O novo prazo acaba em junho deste ano, sem que haja sequer trilhos disponíveis para instalar na ferrovia baiana, nem mesmo previsão de quando eles chegarão. Restou às construtoras apresentar a conta parcial à Valec, à qual pedem reajustes que variam entre 15% e 20% em relação ao valor original dos contratos. Isso significa que o orçamento da Fiol, que começou em R$ 4,3 bilhões, já se aproxima dos R$ 5 bilhões.
Os consórcios preferem não falar sobre o assunto porque há uma negociação em curso. A Valec também não comenta o caso. Em setembro do ano passado, quando o governo divulgou balanço do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o percentual de execução física de obras nos 1.022 quilômetros de extensão da Fiol atingia apenas 13% do total. Dos oito lotes da ferrovia, quatro não tinham absolutamente nenhuma execução. Nos três lotes da ferrovia que atualmente têm obras em andamento, os desembolsos financeiros variam entre 41% e 57% sobre os valores originais. O primeiro lote do trecho está paralisado, com apenas 7% de execução.
Os reajustes de preço da Fiol somam-se às obras extras que a Valec precisa fazer na Ferrovia Norte-Sul, para conclusão do trecho que liga Palmas, em Tocantins, a Anápolis, em Goiás. No ano passado, os cálculos feitos pela estatal apontaram que seria preciso gastar pelo menos R$ 430 milhões adicionais para consertar as falhas e concluir obras remanescentes do traçado. Isso significa, portanto, que aproximadamente o valor de R$ 1 bilhão, não previsto inicialmente, terá de ser sacado dos cofres públicos para tentar colocar as duas ferrovias no prumo.
Durante a semana passada, o Valor solicitou entrevistas sobre o assunto à diretoria da Valec. A estatal não se pronunciou. O Ministério dos Transportes também não falou sobre o assunto. A reportagem acabou por enviar uma série de perguntas à Valec, por e-mail. A maior parte delas não foi respondida.
Apesar de a estatal evitar qualquer previsão sobre quando chegarão as 95,4 mil toneladas de trilhos necessários para concluir o trecho da Norte-Sul entre Ouro Verde (GO) e Estrela D’Oeste, no interior de São Paulo, a empresa afirma que garante que o prazo de conclusão do trecho Sul permanece sendo o fim deste ano. Fontes ligadas diretamente às obras ouvidas afirmam que o prazo é praticamente impossível de ser cumprido.
O mesmo prognóstico pode ser aplicado aos 500 quilômetros da Fiol que ligam as cidades de Caetité a Ilhéus. Em agosto do ano passado, o ministro dos Transportes, César Borges, afirmou que a primeira metade da ferrovia estaria pronta até dezembro deste ano. “Não há mais a menor possibilidade de a promessa ser cumprida”, diz uma fonte que atua na obra. Basta mencionar como exemplo a situação do primeiro lote da Fiol, de 125 quilômetros de extensão, que hoje está absolutamente paralisado e sem empreiteira interessada em concluir a construção do trecho.
A Fiol e a Norte-Sul são as duas únicas obras que restaram à Valec, após o governo anunciar o pacote de concessões de ferrovias, em agosto de 2012. Hoje, a prioridade da estatal é concluir o trecho da Norte-Sul que avança até o interior de São Paulo, porque dele depende a viabilidade de outros trechos que entraram no pacote de concessões, como a Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico), no Mato Grosso, que deve ser o primeiro trecho a ser oferecido para a iniciativa privada ainda neste ano.
Empreiteiras terão que desmobilizar equipes na Bahia
As poucas frentes de trabalho que ainda atuam em lotes da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) estão em vias de serem paralisadas, mas não por causa de intervenção do Tribunal de Contas da União (TCU) ou problemas de desapropriação ou licenciamento ambiental. Como não há previsão sobre quando haverá trilhos disponíveis para instalar no trecho, as empreiteiras já se preparam para desmobilizar suas equipes nos canteiros de obra espalhados pelo traçado da ferrovia baiana.
A maior parte das empresas já concluiu a etapa de produção dos dormentes. A abertura do traçado e a preparação do solo também estão em fases adiantadas e agora dependem, essencialmente, da instalação dos trilhos para que as obras avancem. Fontes que atuam nas obras informaram ao Valor que possuem, no máximo, mais dois meses de obras civis pela frente.
Em novembro do ano passado, a Valec realizou o leilão para compra das 147 mil toneladas de trilhos que deverão ser instalados nos 1.022 quilômetros da ferrovia. O resultado do leilão, no entanto, não foi homologado até hoje, porque os dois consórcios que venceram os lotes da concorrência apresentaram recursos administrativos. O contrato prevê que o vencedor dos lotes se encarregue de produzir as barras de aço e entregá-las no porto de Ilhéus. A partir daí, uma outra empresa será encarregada de fazer o transporte dos trilhos até os canteiros de obra da ferrovia. A licitação para contratar esse serviço, porém, até agora sequer foi lançada pela Valec.
Por meio de nota, a estatal informou que a concorrência para aquisição dos trilhos está em fase de julgamento de recursos e que, após a conclusão do pregão, a empresa de logística será contratada.
O Valor questionou a Valec sobre as medidas que a estatal estaria tomando para evitar a desmobilização das empreiteiras. Não houve resposta. A reportagem perguntou se a Valec também poderia recorrer a um eventual empréstimo de trilhos a uma obra vizinha no Nordeste, a Transnordestina, como chegou a ser analisado no ano passado, mas o assunto foi ignorado. Da mesma forma, a Valec preferiu não fazer previsão sobre quando haverá trilhos disponíveis para a Fiol e qual a previsão atual de conclusão da obra.
Segundo a estatal, os lotes 6 e 7 da ferrovia – que somam 320 quilômetros de extensão – ainda estão sob análise do TCU. “Já com relação ao lote 1, estão em curso consultas com os classificados da licitação”, informou a Valec, referindo-se ao trecho de 125 quilômetros na região de Ilhéus, onde a construtora SPA deixou a obra. Duas construtoras já foram procuradas pela empresa, mas não quiseram assumir a obra. Agora, a Valec tenta um acordo com o quarto colocado na licitação.
Há mais de dois anos a Valec não consegue concluir um processo básico para as suas operações: a aquisição de trilhos. No início do ano passado, o então presidente da Valec Josias Sampaio Cavalcante – que deixou a estatal em novembro – admitiu que, se não conseguisse levar trilhos paras os canteiros da Norte-Sul e da Fiol até outubro, as obras teriam de parar. É mais um prazo que também estourou.
Fonte: Valor Econômico, 27/01/2014