A ferrovia que promete inaugurar os leilões do setor, no primeiro semestre de 2014, pode ter um gasto “inútil” de mais de R$ 300 milhões em sua construção. O problema foi apontado pelos técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU), mas desconsiderado pelos ministros do órgão de controle.
O desperdício seria causado pela falta de padrão entre os trilhos das novas ferrovias previstas para o país. O relatório indica que o projeto da Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico), entre os municípios de Lucas do Rio Verde (MT) e Campinorte (GO), exige trilhos dimensionados para resistir a 37,5 toneladas de carga por eixo dos vagões. Esse é o padrão de todas as novas concessões do setor. No caso da Fico – conhecida como Ferrovia da Soja por atravessar um dos maiores polos produtores de grãos do planeta -, a escolha pode ser inócua: todos os trens vão desembocar na Ferrovia Norte-Sul, onde o limite dos trilhos se restringe a 32,5 toneladas por eixo. Por isso, os técnicos do TCU argumentam que “inexiste justificativa” para uma densidade de carga mais alta e sugerem a troca dos trilhos exigidos no edital. Essa mudança, nos cálculos do tribunal, geraria uma redução de R$ 338,7 milhões nas obras civis.
Em resposta aos auditores do tribunal, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) argumentou que o dimensionamento da ferrovia para uma carga mais pesada permitiria “melhoria dos ciclos de manutenção da via” e “aumento da capacidade de transporte”.
A alegação não convenceu a equipe do TCU. Os auditores entenderam que a manutenção dos trilhos está mais relacionada à “dureza do material”. Quanto ao aumento da capacidade de transporte, frisaram que os próprios estudos do governo apontam a utilização máxima de 53% do potencial da ferrovia, isso no último ano de concessão. Haja ou não prejuízos diretos por conta do custo dos trilhos, é fato que a instalação de um material diferente daquele já adotado na Norte-Sul vai acelerar, inevitavelmente, o processo de desgaste da ferrovia conhecida como a “espinha dorsal” do sistema ferroviário, caso vagões sejam carregados até o limite de 37,5 toneladas. O problema pode encurtar a vida útil dos trilhos da Norte-Sul, gerando mais custos de manutenção, e isso não se restringe à Fico. Outras malhas ferroviárias desenhadas pelo governo também se ligam ao seu traçado.
Apesar das explicações, o relator do processo, Walton Alencar, preferiu acatar as justificativas da ANTT e do Ministério dos Transportes. Alencar disse reconhecer “a intenção de uniformizar a capacidade de carga das ferrovias brasileiras, com vistas a viabilizar futuras demandas de transporte, que exijam maior densidade de carga dos trilhos”. Não ficou claro, porém, como a exclusão da Norte-Sul entra nessa uniformização. Os demais ministros seguiram o voto do relator sobre esse ponto específico.
Em resposta ao Valor, o Ministério dos Transportes e a ANTT seguiram a mesma linha de raciocínio. “A ANTT reafirma a necessidade de adequar as ferrovias brasileiras à tendência mundial de projetos com dimensionamentos mais robustos das superestruturas, que possibilitem ciclos de manutenção mais estabilizados e o aumento da capacidade de transporte de vagões”, afirmaram, em nota conjunta.
O Programa de Investimentos em Logística (PIL), segundo ministério e agência, vai resultar em um sistema de transportes com maior capacidade de planejamento e articulação. “É de fundamental importância, portanto, que os projetos de engenharia contemplem não apenas as demandas presentes, mas também sejam adequados aos possíveis aumentos de demanda a médio e longo prazos bem como eventuais ampliações nas malhas ferroviárias”.
Para o TCU, diversas decisões do governo estouraram o preço da obra. Os auditores dizem que o custo da Fico é de R$ 4,4 bilhões, o que significa que os cálculos da ANTT estariam superestimados em 44%.
Fonte: Valor Econômico, 16/01/2014
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