Por um trânsito sem drama

Acabar com o congestionamento nas grandes cidades parece improvável, mas há soluções para mitigar esse problema. A questão é que elas não caem do céu: são todas frutos de um bom planejamento urbano. Especialistas em mobilidade ouvidos pela Gazeta do Povo são unânimes ao destacar que é preciso pensar a cidade de forma estratégica.

Uma das apostas mais bem sucedidas em grandes centros para reduzir o transporte individual é a do sistema multimodal, que facilita os deslocamentos por mais de um meio de locomoção.

Ampliar até o infinito a capacidade viária para acomodar mais e mais carros já não é mais uma alternativa. Numericamente, é impossível fazer com que toda a população de uma cidade use seu automóvel para deslocamentos simultâneos. Além disso, há prejuízos ambientais, como a poluição, e até mais custos que são absorvidos pelo poder público. De outro lado, faltam criatividade e engenhosidade para implantar um bom sistema integrado e com soluções que ajudem de fato a população.

Veja quais os melhores exemplos de mobilidade selecionados pelos arquitetos Clóvis Ultramari, professor da PUCPR, Maria Luiza Marques Dias, professora da UFPR; Luis Henrique Fragomeni, também da UFPR, e pelo doutorando em Gestão Urbana da PUCPR Rafael Milani Medeiros.

Quando se fala em bicicleta como meio de transporte, Amsterdã é o primeiro exemplo que vem à mente. Na cidade holandesa, as magrelas têm espaço garantido graças a uma rede estruturada de ciclovias, ao desenho da cidade e a décadas de preferência pelo modal. Outro bom exemplo de integração da bicicleta à rede de transporte vem de Bogotá, na Colômbia, onde o investimento foi substancial, principalmente nas áreas mais pobres. Há longos trechos de pista ciclável, contínua e segregada dos carros. O resultado: em seis anos, foram investidos US$ 300 milhões, o número de usuários/dia passou de 50 mil para 400 mil, em uma população de cerca de 8 milhões de pessoas, e há quase 400 quilômetros de ciclorrotas.

Terreno acidentado, falta de arruamento e grande adensamento populacional. Para driblar a ausência de carros e transporte coletivo, uma solução criativa veio do Rio de Janeiro. O teleférico do Morro do Alemão (foto), ainda em que pese precisar de ampliação e melhoria nas estações no entorno, é uma solução inteligente, na opinião de Clovis Ultramari. O professor conta que Medélin, na Colômbia, também possui teleféricos em zonas carentes, sem arruamento convencional. Da capital fluminense, e também das zonas de ocupação, vem outro exemplo, o do moto-táxi. Para áreas fechadas é uma boa solução, desde que bem delimitado o espaço de atuação, diz.

Para conseguir um excelente nível de eficiência em Transporte multimodal, Barcelona, na Espanha, soube aproveitar oportunidades, aponta o professor Luis Henrique Fragomeni. As Olimpíadas de 1992 impulsionaram o investimento no setor, mas foi seis anos depois, com o pacto de mobilidade urbana, que a cidade começou a planejar como seria no século 21. Com o pacto, a cidade ampliou a rede metroviária e de ciclovias, reintroduziu o trem elétrico, melhorou o sistema de ônibus e promove a integração gratuita para todos os modais. O esforço é o de reduzir a circulação de veículos, integrando o transporte público, a bicicleta e o deslocamento a pé.

O sistema de Curitiba dá sinais de cansaço, mas inspirou o mundo. Sou tiete do sistema de Curitiba, que ainda tem gordura pra queimar. Temos condições de fazer evoluir mais o sistema de ônibus e acredito que o metrô possa ser acoplado. Não é a salvação do mundo investir em uma coisa só, a saída é multimodal, diz a professora Maria Luiza Marques Dias, da UFPR. A capital paranaense inspirou um dos melhores sistemas de BRT (sigla para Bus Rapid Transit, em inglês) do mundo, o Transmilenio, em Bogotá, que possui linhas troncais e alimentadoras, onde os ônibus também transitam em canaletas.

Uma opção clara pelo transporte coletivo foi a proposta do prefeito Fernando Haddad (PT) quando assumiu o governo de São Paulo. A ação foi simples, mas tem mostrado resultados interessantes para a dinâmica paulistana: adoção de faixas exclusivas, reversíveis ou não, para os ônibus circularem na capital paulista. De fevereiro de 2013 para cá, foram 311 quilômetros de faixas exclusivas implantadas, que representaram um aumento da velocidade média do transporte coletivo e um ganho de 38 minutos por dia para os paulistanos que usam ônibus.

Integração é a palavra-chave para Vancouver. A cidade canadense possui uma ampla estrutura de transporte coletivo, que inclui modal aquático, metrô, trólebus e ônibus. Além de integrados, os veículos permitem que o passageiro leve a bicicleta do lado de fora, com integração tarifária. Além disso, as calçadas são compartilhadas entre pedestres e ciclistas, feitas em placas de concreto bem niveladas e com guias rebaixadas, para garantir a acessibilidade. A experiência mais completa em termos de transporte que já visitei é Vancouver, uma cidade exemplo de integração, respeito ao pedestre e ciclista, e onde todo mundo convive, ressalta Luis Henrique Fragomeni.

Remediar o que está ruim também dá resultado positivo. Para inibir o uso de carros, Londres criou uma taxa de congestionamento, há 11 anos. Ao entrar na zona central de tráfego, em determinados dias e horários, o motorista tem de desembolsar um pedágio. A taxa resultou no aumento do uso do transporte público, embora os benefícios de redução do tráfego de veículos venham diminuindo ao longo dos anos. Em Cingapura, o pedágio urbano foi criado em 1970 e expandido em 1995, com a cobrança de taxas de circulação nas vias expressas e do centro. Para o professor Clovis Ultramari, essas soluções servem para gerenciar o caos. Ou você gerencia o caos proibindo os carros de entrarem na cidade ou segue a linha da intervenção.

O centro nervoso de Nova York, a Times Square, concentrava grandes índices de violência urbana. Nos anos 2000, a cidade decidiu recuperá-la. Uma contagem de pessoas revelou que os pedestres correspondiam a 90% do uso, mas só ocupavam 10% do espaço da praça. Ampliou-se a área de pedestres, com a criação de faixas de rolagem em áreas de estar, com bancos, mesas e floreiras, tornando a Times Square uma praça de fato. Se um dos cruzamentos mais congestionados do mundo, na cidade mais importante para a economia mundial, retomou a rua para os pedestres, qualquer cidade, incluindo Curitiba, pode e deve fazê-lo, diz o professor Fábio Duarte, do programa de pós-graduação em Gestão Urbana da PUCPR.

Fonte: GAZETA DO POVO – PR, 04/05/2014

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