Os entraves da mobilidade urbana na capital fluminense

O velho samba já narrava: “não é tão mole andar de pingente no trem”. A música era da escola Em Cima da Hora, de Cavalcanti, na Zona Norte do Rio. Uma crônica, de 1984, sobre os caminhos pelos trilhos do subúrbio da Central do Brasil. Passaram 30 anos desde então. Nesse tempo, a cidade ganhou vias importantes, como as linhas Vermelha e Amarela. A Perimetral veio abaixo. A Linha 2 do metrô entrou em operação comercial, e a Linha 1 chegou a Ipanema. Foram implantados corredores exclusivos de ônibus. Mas andar de trem continua tarefa, muitas vezes, árdua. E a mobilidade urbana, independente do modal de transporte escolhido, se transformou num drama ainda mais intenso para locais e visitantes. Nesta sexta reportagem, a viagem da série “A outra margem do Rio” chega à capital do estado. E no “purgatório da beleza e do caos”, se defronta com uma pauta que não sai das rodas de conversa nem da lista das principais reclamações dos cariocas: as horas a fio, muitas vezes em condições adversas, perdidas nos deslocamentos pela cidade.

Entrevado em obras (necessárias, mas que provocam transtornos), o Rio se vê hoje parado em engarrafamentos, sem hora nem lugar mais para acontecer. O assistente de comunicação Aldevan Costa de Jesus Junior em Pitangueiras, na Ilha do Governador. Leva, em média, três horas diárias de ônibus no trajeto de ida e volta para o trabalho, no Centro. Dois anos atrás, diz ele, o tempo era menor, e conseguia fazer o percurso pela Avenida Brasil. Não dá mais… Pela manhã, encontra tudo parado já na saída da Ilha. Trocou a Brasil pela também congestionada Linha Vermelha, num ônibus que custa mais caro. E acabou mudando sua rotina de vida.

— Hoje, saio de casa mais cedo do que antes, e chego tarde. A academia, por exemplo, parei de frequentar desde o início do ano. Durante a semana, a única coisa que faço depois de sair do trabalho, à noite, é ir descansar — conta ele, que se prepara para casar e se mudar para o Jabour, em Campo Grande, na Zona Oeste.

É justamente a região da cidade do Rio que tem a pior mobilidade, de acordo com o Índice de Bem-Estar Urbano (Ibeu), elaborado pelo Observatório das Metrópoles da UFRJ. Levando em conta o tempo de deslocamento casa-trabalho, os piores resultados foram de bairros como Guaratiba, Pedra de Guaratiba, Santa Cruz, Paciência, Senador Camará, Realengo, Sepetiba e Barra da Tijuca, todos na Zona Oeste. No âmbito da Região Metropolitana, aliás, o estudo apontou que, das cinco variáveis estudadas — mobilidade, condições ambientais e habitacionais, atendimento de serviços coletivos e infraestrutura —, a primeira delas apresentou os índices menos encorajadores. Dos 338 bairros analisados, 71% (240) ficaram no patamar ruim ou muito ruim.

O agente penitenciário Giovani Ernani da Silva mora em Campo Grande. Conhece bem a dura vida de se deslocar para o Centro de carro ou ônibus. E, mesmo que encontre os trens sempre cheios, diz que os trilhos são a melhor opção:

— De tão lotado, às vezes é até difícil ficar dentro da composição quando ela para numa estação. É mais rápido, no entanto, do que as horas que levaria na Brasil.

ÔNIBUS COMO PRINCIPAL MODAL

Segundo a SuperVia, diariamente são, em média, 620 mil passageiros nos trens (incluindo os da Baixada). Embora o sistema tenha problemas como o relatado por Giovani, transporta menos gente que o também cheio metrô, com média de 800 mil pessoas por dia (a previsão é de que sejam 300 mil a mais com a inauguração, em 2016, da Linha 4, entre a Barra e Ipanema). E um sexto do que as linhas de ônibus municipais do Rio, que alcançam uma média diária próxima dos 4 milhões de passageiros, de acordo com a Fetranspor.

Enquanto isso, apenas na capital, de acordo com dados do Detran, são 2,82 milhões de veículos (51% a mais que dez anos atrás), sendo 2,1 milhão deles automóveis. Agrega-se o fato de, na Região Metropolitana, a maior parte dos empregos ainda estar concentrada no município do Rio, obrigando deslocamentos de grandes massas da Baixada, Niterói e São Gonçalo. E, assim, aponta o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o trabalhador do Grande Rio, em 2012, era o que mais gastava tempo de casa para o trabalho entre as metrópoles pesquisadas: 47 minutos, em média, contra 45,6 da Grande São Paulo. Sendo que, 24,7% levavam mais de uma hora nesse caminho.

A empresária Loiza Helena Rodrigues mora em Jacarepaguá, onde não há trem nem metrô. Faz parte de sua rotina de trabalho visitar clientes em toda a cidade. Quase sempre, opta pelo carro. Mas, dependendo da hora, enfrenta engarrafamento de 20 minutos até para sair do condomínio. Ela aponta muitos pontos críticos, que a deixam irritada no trânsito, como a Lagoa Rodrigo de Freitas ou a Avenida Abelardo Bueno, na Barra da Tijuca. Tem um lugar, contudo, que ela prefere nem chegar de carro: o Centro.

— Estaciono perto de uma estação e vou de metrô. Porque no Centro está terrível. Sem contar que, com as obras, é difícil se encontrar na região — afirma ela, que sente na pele, todos os dias, o tamanho do desafio da mobilidade no Rio.

Fonte: O Globo, 19/09/2014

2 comentários em “Os entraves da mobilidade urbana na capital fluminense”

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